#03 - Catarse

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        Algo em mim estava diferente, nascia um sentimento completamente diferente, intenso, avassalador. E eu mal sabia que aquele sentimento me faria mudar meu modo de ver o mundo.  

        A aula naquele dia começou quinze minutos atrasada. O garoto, que antes estava parado a minha frente, agora me observava sentado em seu lugar. E eu o retribuía, as vezes por querer, outras até mesmo involuntariamente. Era difícil não olhar pra ele e algumas dúvidas insistiam em rondar meus pensamentos. Por que eu estava me sentindo tão nervoso perto dele? Por que eu sentia vontade de olhar pra ele? Eu sou hétero, poxa. Hétero não olha para outros caras desse jeito, nem fica tão nervoso assim perto de homem!

-Guilherme. - começou ele, sem avisos, soltando um sorriso amarelo ao terminar e demonstrando que também estava com vergonha. Eu ainda estava paralisado, tanto pelo susto, quanto por ouvir a voz dele. - Eu sei que você queria perguntar. Tá na sua cara. - terminou, dando de ombros como se não se importasse. Corei e não respondi, apenas ouvindo que ele sorria em sua cadeira. Não nego que eu realmente queria saber o nome, a profissão dele, seus gostos e suas vontades, mas isso não vinha ao caso naquele momento e me mostrar fraco ou interessado era a última coisa que eu queria e conseguia fazer.

-Nicolas. – seco, criei alguma coragem que não existia e respondi apenas por educação. Por fora eu mostrava força e indiferença. Por dentro eu estava perdido em meio a diversos conflitos, esperanças e medos internos. Para um ex playboy de cidade grande levado praticamente a força pro interior, admitir que estava nervoso por ficar perto de outro cara definitivamente era muito difícil. Em meio a meus devaneios acabei por não prestar a atenção na resposta dele, apenas percebi que ele esboçou algo e em seguida sorriu outra vez.

A aula toda correu em meio aquilo. Era pensamento daqui, confusão dali e tímidas olhadas acolá. Quando dei por mim já passavam-se das 10:45 e a aula estava prestes a acabar. Juntei meus pertences e assim que a turma foi liberada rumei em direção ao portão, torcendo não encontrar com Guilherme outra vez. Ele havia saído pouco antes de mim da sala sem ao menos se despedir. Pura esperança, puro azar. Lá estava ele, junto de um colega, andando e rindo logo a minha frente. Sua camisa social azul sobreposta a calça jeans clara e a mochila posta apenas por uma alça realçavam seu físico e o deixavam bonito. Durante aqueles poucos metros até a saída torci para que ele virasse para o lado contrário ao qual eu seguiria, e adivinha? Mais uma vez caí do cavalo. Por ironia do destino o carro dele estava estacionado ao lado da calçada onde eu passaria e eu nem sequer tinha a arma que toda pessoa que fica sem graça tem, o bendito celular. Ele havia sido confiscado pelo meu pai e me seria entregue apenas alguns dias depois, caso eu colaborasse com meu tio e cumprisse o "combinado" nos primeiros dias. Revirei os olhos lembrando disso e tentei controlar as mãos não demonstrando o nervosismo aparente.

Sem muitas opções, respirei fundo e segui meu caminho, torcendo pra que ele não me chamasse. Aos poucos, caminhei pela calçada que rodeava o prédio da escola e virei à esquerda na primeira esquina que levava a rua que dava acesso a casa do meu tio. Mesmo irredutível, pude perceber que por alguns segundos ele não saiu com o carro, apenas ficou lá dentro me observando como se pensasse em alguma coisa. Eu estava nervoso, não gostava de ser observado e muito menos tocado por pessoas que eu não conhecia e ele estava fazendo justamente isso. Para o meu alívio pude ver que Dereck vinha alegre no sentido contrário ao que eu fazia.

-Priminho. – disse, com certo deboche enquanto batia no meu ombro direito. - Achei que você não saberia o caminho e vim te buscar. - ele continuou, agora ao meu lado passando a observar o carro de Guilherme, que ao vê-lo deu partida e saiu como se não tivesse nos visto.

-Eu não fazia ideia de pra onde estava indo. - respondi, rindo enquanto era completamente sincero com ele. -Na verdade a cidade é pequena, então o máximo que iria acontecer é eu dar umas voltas atoa por aí e encontrar a casa de vocês depois de alguns minutos. - continuei, fazendo-o rir pelo desdém com a cidade. Era a primeira vez que isso acontecia e eu tomava alguma liberdade para debochar. Observando Dereck mais de perto percebi o quão viril ele era. Já naquela idade tinha porte de homem formado, parecia responsável e muito inteligente, o cara em quem meu pai mandaria eu me espelhar. Sorte que ele não estava ali, do contrário ouviria sermões e mais sermões.

Depois de poucos minutos chegamos a casa dos meus tios. Tia Miriam já estava começando a fazer o almoço e Tio Augusto ainda não havia chegado por causa de alguns problemas na fazenda, que por fim fizeram ele se atrasar quase uma hora pro almoço. Subi e sentei-me na cama montada para mim. Bufei por duas vezes e refleti sobre tudo que estava acontecendo. Quanta coisa havia mudado do dia pra noite e quanta coisa ainda estava mudando.

Depois de algum tempo meu tio chegou para o almoço e minha tia finalmente nos chamou. Sentamos os 5 à mesa para comer e como grande parte das famílias brasileiras faz, após terminarmos sentamos em frente a TV. Eu gostava de observar o entrosamento que meus primos tinham com os seus pais. Era evidente o carinho e a confiança que tinham um no outro e isso me machucava um pouco por causa da relação fria que eu tinha com os meus pais. Uma certa culpa pesava sobre meus ombros. Assim que o relógio marcou uma e meia da tarde meu tio anunciou que estava na hora de irmos trabalhar e meu corpo gelou. Eu, trabalhar?! Eu nunca nem tinha posto a mão em nada pesado, muito menos havia me responsabilizado por alguma coisa. Na minha cabeça eu era incapaz de executar qualquer coisa na face da terra, exceto dormir, comer e transar, mas meu tio não ligava pra isso. Ele claramente seguia ordens do meu pai e sentia-se satisfeito por isso. Ele ordenou que eu subisse, vestisse alguma roupa leve e me disse para estar pronto em no máximo dez minutos.

Dito e feito. Pouco mais de dez minutos depois saímos de casa em direção a fazenda onde meu tio trabalhava. Eu vestia uma calça jeans azul escura e camiseta clara. Segundo ele, nesses primeiros dias ele iria apenas me ensinar o básico das atividades do campo e me mostrar as propriedades e os animais. Ele brincava dizendo que iria apresentar o maravilhoso mundo da roça ao Nicolas. Eu apenas conseguia rir da situação por acha-la o cúmulo. Durante todo o caminho conversamos a respeito e isso me fez não observar o caminho de ida ou quanto tempo demoramos para chegar. Quando dei por mim a caminhonete já estava parada e meu tio descendo, chamando-me para fora.

-Que surpresa, isso é exatamente o contrário de tudo que eu achei a minha vida inteira. - pensei, olhando para a imensidão daquela propriedade.

O Filho do Prefeito: Origens (Livro 01)  - [Romance Gay]Onde histórias criam vida. Descubra agora