Estava deitada na cama do meu irmão mais velho, quando olhava para ele enquanto fazia os trabalhos de casa e apenas ficava a olhar para o nada. A única razão que justificava estar perto do meu irmão é porque eu necessitava de companhia. Eu não gostava de ficar sozinha.
Mas aquele meu novo conhecido não me saia da cabeça, lembro-me, assim de ter chegado a casa ter pegado numa folha branca e nos lápis de cera, de o ter desenhado, carregando com a cor dos seus olhos. Mas também, no pormenor das suas covas.
"O nome dele é Harry." afirmei, aleatoriamente interrompendo o silêncio no quarto do meu irmão.
"Não devias saber disso."
"Porquê?"
"Eu disse-te, assim que saímos de casa, que não podias falar com ninguém." ele pousou o lápis na secretária e olhou para mim, severamente "Muito menos quando eu fui buscar a bola."
"Mas ele não me fez nada."
"Imagina se tivesse."
"Mas e-" fui interrompida.
"Não quero mais um "mas" nesta conversa, Erica. Eu não te deixo falar com desconhecidos."
Eu não percebia o meu irmão de sangue, o que uma criança com a mesma idade que eu - nove anos - me poderia fazer de todo? Roubar-me uma pipoca que, de facto, fui eu que a ofereci?
"O que estás a dizer é estúpido." deixei estas palavras fugirem-me da boca.
"Então porquê?" ele perguntava-me com raiva, mas eu já não lhe queria responder "Responde-me, Erica, porquê?"
Levantei-me da sua cama, e caminhei até à porta do seu quarto. Ele acompanhava o meu caminho até à entrada daquela divisão, parando antes de sair.
"Porque se eu nunca conhecer estranhos, vou ser uma rapariga triste." virei-me de costas para ele, rude, demonstrando-me igualmente revoltada "Não quero ser como tu."
Fechei a porta com dificuldade devido à minha falta de altura, mas assim que o fiz, senti-me diferente, senti-me finalmente uma criança independente. Sem ter de estar assim, a seguir um exemplo que eu mesma achara mau.
Viajei, lentamente, até ao quarto do meu pai, mas antes de entrar nessa mesma divisão, ouvi-a o seu ressono profundo, o que me deixou feliz pelo facto de ele não ter acordado com a grande força de que tinha fechado a porta do quarto do Travis.
Entrei sorrateiramente no sítio onde o meu pai dormia, e andava em biquinhos de pés até à cama onde ele se encontrava deitado, aconchegando-me assim, a seu lado, abraçando-o.
Mas, mesmo após de mudar de sítio e fazer algo completamente diferente, o mesmo pequeno rapaz, ou o pequeno Harry. Não me saia assim da cabeça. E é por isso que o desenho que havia feito à algumas horas ainda permanecia no meu bolso.