Cheguei a casa apressada, ignorando a realidade de que estava toda riscada de canetas de filtro e suja de espuma, batatas fritas e pasta de dentes, decidi correr até ao meu quarto invés de correr para a casa de banho e limpar-me de uma vez por todas.
Sentei-me na cadeira que se situava à frente da minha secretária, apoiando os meus cotovelos na mesma mesa e a cabeça nas minhas mãos, inalando o cheiro desagradável das praxes. Fazia agora, oficialmente, parte da Crossward High School, mas os meus pensamentos vagueavam em um outro lugar. Levantei a tampa do computador que já se encontrava ligado e fui ao meu site de séries procurar se o tal rapaz pálido pudesse alguma vez ser parecido com algum outro tipo de celebridade dos meus programas preferidos. A pesquisa foi feita com insucesso. Comecei a vasculhar, desesperada, as gavetas da mesma secretária, encontrando todas as minhas revistas cor-de-rosa, onde esfolheei revista a revista, ao mesmo tempo que observava todas as caras das celebridades do ser masculino. Mais uma vez, uma pesquisa realizada com pouco sucesso.
Revi uma última vez as minhas gavetas, agora com menos energia, comecei a desembrulhar uns papéis amachucadas em forma de bola ou dobrado em quatro para ninguém pudesse ver. Uma dezena de desenhos feitos por mim com os, por volta, dos meus nove anos foram encontrados, entre eles, um desenho que me lembro muito bem de o ter feito. O retrato de uma criança com a minha idade de cabelo liso e olhos verdes, com pequenas covas pouco depois do final dos seus lábios.
Por debaixo do retrato desenhado a lápis de cera havia assinado, com uma letra desmazelada:
"Pequeno Harry,
Não encontrou o papá e a mamã.
Partilhei uma pipoca com ele no dia 26 de Abril de 2003."
Decidi pegar nesse mesmo desenho e voltar a desenhá-lo, aproveitando o facto de estar a tirar o curso de artes, e assim, perfeiçoando-o.
"Trav?" procurei pela presença do meu irmão mais velho no seu próprio quarto, que se encontrava, como sempre, viciado no seu computador "Fazes-me um favor?"
"Diz." respondeu-me ele, sem retirar os olhos daquele grande aparelho eletrónico.
"Tenta fazer esta criança ter mais oito anos, por favor." entreguei-lhe o meu desenho melhorado "Mas faz-lhe o cabelo mais encaracolado e mais escuro. Não abuses."
"Dá-me até à hora do jantar." terminou e expulsou-me do quarto.
[...]
"Erica!" chamou-me ele.
"Acabaste?" interroguei-lhe, entusiasmada.
"Não, mas está a ficar assim." respondeu-me, desviando-se do monitor, permitindo-me ver o seu trabalho quase finalizado.
"É ele." pensei alto.
"Quem?"
"Não interessa." atei o meu cabelo, tentando desviá-lo do assunto "Faz-me outro favor." pousei a minha mão no seu ombro "Imprime-me isso, por favor."
"Está bem."
Assim que a fotografia editada da criança que conheci à oito anos veio para as minhas mãos, analisei-a, espantada, com o resultado final. "Não pode ser ele" era o que navegava agora nos meus pensamentos. Estava tão imóvel como o momento do nosso beijo. Fiquei sem respirar por segundos, e pouco depois foi possível voltar a inspirar e a expirar, mas a minha respiração encontrava-se agora extremamente pesada.