Eu e o Harry decidimos celebrar. Celebrar o facto de nos conhecermos à oito quase nove anos atrás. Eu já tinha os meus dezassete anos feitos e só os havia celebrado em casa, eu sempre pensei que o Harry se tivesse esquecido, ou apenas não soubesse - pelo menos eu não me lembro de alguma vez ter referido a data em que nasci. Mas o dele sei: 1 de Fevereiro de 1994.
Hoje é dia 25 de Outubro de 2011 e fiz anos há exatamente um mês atrás. Sem algum tipo de cerimónia robusta, ou mesmo preparada, repito.
A feira de popular abriu esta manhã e assim que ambas as nossas aulas terminassem iríamos juntos até ao mesmo sítio, celebrar. Isto sim, posso chamar algum tipo de cerimónia de jeito.
Ultimamente, o Harry tem estado a despedir-se de mim com amo-tes, mas apenas virtualmente, pessoalmente já apenas deposita um beijo na minha cara, em todo o lado - bochecha, testa, nariz, onde lhe der jeito no momento -, menos na boca. Porquê a sua timidez? Talvez pelo facto de ele denominado por um bom amigo e não passar dos limites. Eu não consigo gostar dele. Porquê? Não sinto a química, pelo menos não agora. O click ainda não apareceu. O desejo ainda não se apoderou do meu corpo. Resumindo: ainda não sinto as borboletas na barriga quando estou com ele.
Havíamos chegado à tão conhecida feira-popular. Tudo permanecia no seu sítio, como sempre. Ainda me lembro do olhar para o banco mais perto da fonte, e dali conseguia ver o caminho até ao carrinho de comprar pipocas.
"Queres ir onde, rapaz da pipoca?" trocei, tentando relembrá-lo do passado.
Ele demonstrou um sorriso largo, soltando uma pequena e leve gargalhada de seguida. "Ali" afirmou ele, apontando para a montanha-russa.
"É que nem penses que vou andar naquela porcaria!"
"O que tem?"
Pelos vistos o Harry ainda não tinha reconhecido o meu medo de não ter os pés assentes à terra. Aterrorizada de facto. Lembro-me de ter cinco anos, estar em cima de um muro alto e cair do mesmo para o chão feito de alcatrão.
"Tenho vertigens." disse direta, ainda ouvir medrosamente os gritos que as pessoas soltavam assim que chegava ao ápice de altura e desciam, que para mim, parecia a velocidade da luz.
Uma das suas mãos conduziu as minhas até aos meus olhos e, assim que estiveram ambas livres, agarrou na minha cintura, empurrando-me. Eu sabia para onde ele me queria levar, mas eu tentava não ficar nervosa, por isso, nunca retirara as mãos da cara. Uma das suas mãos largou-me a cintura cinco minutos de caminho lento, e ouvi o barulho de troca de moedas. Ele disse para segurar em dois pedaços de papel que eu confirmara, definitivamente de que eram os bilhetes, que felizmente ajudavam a tapar mais o meu campo de visão que as minhas mãos não conseguiam tapar.
Parámos, isto é, sinónimo de chegámos. As mãos do Harry fizeram as minhas deslizar levemente pela minha cara e avistei o carro com dez lugares para pares.
"Assustada, anjo?" a sua voz provocadora saiu perto dos meus ouvidos, quando ele decidiu pousar o queixo sobre o meu ombro.
"Estou completamente assustada, Harry!" disse quase instável "Estou cheia de medo. Queres matar-me de vez?!" as minhas mãos abanavam discretamente para abafar o terror que eu sentia no momento.
"Muito pelo contrário." ele riu "De facto, isto é para comemorar o teu aniversário, que só soube na semana passada que tinhas feito anos há um mês." ele colocava-se agora à minha frente. "Obrigado por não dizeres nada."
Esperámos impacientemente até nos mandarem entrar, e assim que o fizemos, a adrenalina começou a tomar posse do meu corpo. Estava aterrorizada - talvez até demais.
E assim começou, estávamos mesmo lá à frente, o que me deixou apavorada assim que o carro, após chegar ao ápice, se inclinou para a frente e eu consegui ver a grande descida daqui. Na minha cabeça eu gritava consecutivamente de que ia morrer, ou de que aquele colete metálico que me deixara presa àquela máquina não estaria apertado o suficiente. Senti que aquilo em breve iria-se soltar, que eu iria cair, e morrer mesmo ali à frente de todos.
Pergunto-me de quem é que tem medo de morrer: eu ou o Harry? Porque pelas suas acções parece-me demasiado o contrário.
Eu queria continuar a vaguear nos meus pensamentos revoltados e com o facto de estar extremamente sobressaltada de que provavelmente a minha vida acabaria ali, até que o começámos a cair. As pessoas berravam com o divertimento que tinham durante aquela aventurosa viagem, enquanto eu, mas apenas eu, gritava com medo do que estava a fazer. Olhei para o lado quando cheguei ao topo da segunda subida, para me abstrair do que me iria acontecer uma segunda vez, mas quem estara nesse mesmo lado era o Harry. Reparei que le também gritava, mas ao mesmo tempo conseguia visualizar lágrimas escorrerem-lhe pela face, na direção que a grande corrente de vento as levara.
Após curvas, mas subidas e descidas naquele entretenimento aterrorizador, finalmente pudemos sair.
"Harry, estiveste a chorar?" questionei-lhe enquanto as suas mãos passavam pela cara dele, limpando-a.
"Pensas que és a única que tinha medo de andar naquilo." ele soltou uma gargalhada irónica e curta "Sou eu que sofro da fobia, não tu."
"Estás a dizer que esta foi a primeira vez?" caminhávamos agora até às tendas de comida, enquanto tentávamos decidir o que nos podia matar o apetite.
"Completamente." ele apontou para uma placa de hambúrgueres e cachorros quentes "Vamos comer aquilo."
"Está bem." as minhas ideias começaram a vaguear pelo momento ocorrido "Já agora, desde é que me chamas de anjo?" coloquei as mãos à cintura, sarcástica e ao mesmo tempo provocadora "Isso é ridículo."
"Por um lado, eu sei que gostaste, anjo."
Com essa resposta, um murro foi depositado no seu ombro, levemente como um largo sorriso meu.
para quem não reparou na referência, na parte "Assustada, anjo?" é inspirada no livro Hush, Hush escrito pela Becca Fitzpatrick.
espero que tenham gostado :)