Estava agora deitada no colchão que a Srª. Flintson havia preparado para mim. Estava apoiada pelo meu cotovelo e a minha mão apoiava a minha cabeça. Visualizava agora o Harry sentado no computador prestes a desligá-lo.
“Eu estive a pesquisar, Harry –“ decidi começar “É raro ter cancro no pâncreas com idade inferior aos trinta anos.”
“Mas eu tive.” Ele acabara de fechar a tampa do computador e caminhava agora na direção da sua cama “Eu sei. Não presta.”
“De facto.”
O Harry estava agora deitado de barriga para baixo mas por cima dos lençóis, a sua mão esquerda balançava e a cabeça olhava para o mesmo lado, podendo observar-me. Ele estava levemente mais alto que eu pelo facto de estar numa cama e eu num simples colchão. Ajeitei-me, virando-me para cima. Segurei na mão no Harry fazendo-a parar de abanar – o movimento constante deixara-me extremamente desconfortável. Detesto quando tudo parece imóvel mas somente uma coisa faz completamente o contrário, quase como se fosse de propósito. A mão que havia segurado apertava agora o meu nariz, provocando-me.
“Eu gosto.” afirmou ele, onde apoiava a sua boca já nos dois braços.
“De quê?” puxava os lençóis, abrigando-me do frio incómodo do inverno. Abanava os pés à espera de os conseguir aquecer.
“Eu gosto de gostar de ti.” os ombros dele levantaram-se e discretamente arranjou o cabelo. Pouco mais tarde decidiu concentrar-se em mim, sempre com o mesmo sorriso na cara.
“Eu também gosto de ti.” retribuí-lhe o gesto “Mas não da mesma forma.” o tom da minha voz foi baixando seguida cada sílaba. Eu não o queria magoar, ele sabia, mas eu não podia deixá-lo com esperanças.
“Eu sei.” ele levantou-se para abrir a cama “Somos apenas amigos.”
“Exatamente.” a resposta vagueou nos meus pensamentos “Somos apenas melhores amigos.”
Ele agachou-se sempre encostado à pequena mesa-de-cabeceira agarrando num pequeno interruptor e assim, ligou o seu candeeiro que transparecia uma luz laranja fraca. Caminhou de seguida até à porta do seu minúsculo quarto, apagando o candeeiro que iluminara a divisão por completo. Ele dirigiu-se mais uma vez para a sua cama, deitando-se.
“Boa noite.” desejei-lhe, virando-me de costas para ele.
A luz foi apagada por ele.
O silêncio dominou a sala. Foi possível ouvir o Harry a mexer-se pelos rangidos das molas da cama do Harry então decidi aproveitar a sessão de movimentos para também o fazer e virar-me novamente para ele.
“Harry?” chamei-o, ensonada.
Ele marcou a sua presença murmurando um “ahm..?” sonolento.
“E se morresses amanhã?” o facto do Harry ter tido a possibilidade de desaparecer quando era mais novo perturba-me, mas saber que ele também pode desaparecer agora aterroriza-me.
“Não te preocupes com isso.” o seu movimento foi lento até ficar virado para mim. Estávamos agora cara-a-cara, eu tinha a certeza disso, o infelizmente é que não o podia ver, estava completamente escuro.
“Porque não?”
“Porque eu não vou morrer amanhã.” ele suspirou “Se morresse por causa do cancro do pâncreas primeiro teria de ter os sintomas para tal, e tinha de me sentir extremamente mal para saber que estava a morrer.” a sua mão caiu da cama “Eu iria sentir que estava a morrer.” ele abafou um riso “Dás-me a mão, por favor?”
Agarrei-lhe a mão que eu descobria, no meio da escuridão, esticada. A sua mão encontrava-se extraordinariamente gelada, o que fazia um grande contraste de temperatura com a minha, que estava quente.
“Estás quente.” a mão dele entrelaçou-se com a minha.
“E tu frio.” coloquei a outra mão por cima da dele e aqueci-o “Eu estive a pensar que, por mais que eu tocasse muitas vezes em alguém, quando a pessoa desaparecer eu não me vou lembrar como era ter contacto físico com essa pessoa.” os meus dedos começaram a brincar com os dele “Eu lembro-me de abraçar a minha mãe, de lhe dar a mão. Mas não me lembro como é que era a pele dela, o que eu sentia quando lhe tocava.”
“Faz como eu: memoriza, e depois pensa nas texturas que decoraste.”
“Como assim?”
“Faz como eu, estou a tocar em ti.” o polegar dele acariciava as costas da minha mão “A tua pele é macia, quente e delicada.”
O assunto fez-me rir, mas fez-me memorizar como era a dele: fria e suave.
O Harry puxou-me pela mão, dando um beijo leve na mesma e largando-a de seguida.
“Boa noite.”
“Dorme bem.” respondi.