seventeen

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Estava agora na minha casa, a pensar que podia estar agora no segundo ano do liceu se não tivesse chumbado no segundo ano de escolaridade pelo facto de a minha mãe ter morrido nesse mesmo ano. Abril de 2001. Eu apenas tinha sete anos quanto tudo aconteceu, mas eu ainda me lembro perfeitamente da forma como ela me pegara ao colo sempre que me ia buscar à escola – mesmo que tenha sido poucos anos. O meu pai já estava doente, mas mesmo após a morte da sua parceira ficou pior. Ele entrou em depressão. O Travis não podia estar sempre a tratar de mim porque ele também necessitava de ir à escola e como era um ano que não era tão importante, fiquei em casa, e chumbei por faltas. O ano a seguir o Travis acabou a escola, de vez, e decidiu começar a tratar de mim. Mas agora, é como se todos os momentos tenham sido todos em vão. O Travis minimamente me liga e o meu pai continua de cama. Eu gostava de imaginar como seria as coisas se a minha mãe ainda cá estivesse.

Esta noite havia sido convidada para o jantar de aniversário do Sr. Flintson, num restaurante no centro da cidade de Londres, com os tios emprestados do Harry – irmão e mulher do irmão do aniversariante. Se eu estava envergonhada, nem por isso, não costumo ficar tímida quando conheço pessoas novas. A única vez que fico mal disposta ao conhecer alguém é quando conheço a pessoa às cegas – um bom exemplo de como conheci o Harry estar tão assustada.

Decidi não ir muito informal, mas igual não muito formal. Vesti umas calças de ganda justas, um top com cornucópias onde a cor predominante era o bordeaux, umas botas pretas de camurça e um casaco igualmente preto. Peguei no meu guarda-chuva e passei à estrada batendo à porta da casa do casal.

“Olá Erica.” cumprimentou-me a Srª. Flintson, depositando um beijo em cada das minhas bochechas “Por favor.” abriu assim a porta, permitindo-me a entrada.

“O Sr. Flintson?” questionei enquanto colocava o guarda-chuva dentro de um pequeno pote próprio para tal. Olhei em volta à procura do rapaz de cabelo encaracolado, pensando que ele vinha de imediato cumprimentar-me, como quase sempre “O H-“

“Ele está a acabar de se arranjar.” interrompeu-me ela, como tanto estava habituada “O Harry foi buscar a encomenda do Peter.”

Havia concluído segundos mais tarde que o Peter é o pai adotivo do Harry.

Estava agora sentada no sofá, a brincar com os polegares à espera que o tempo passasse, mas sendo realista, apenas tinham passado meros cinco minutos até o silêncio puro da sala de estar, mas igualmente constrangedor ter sido detido pelo barulho imenso dos saltos altos da Srª. Flintson.

“Queres ajudar-me a colocar o bolo na caixa, Erica?” perguntou-me ela, continuando o seu caminho para a cozinha. Segui-a.

Peguei na caixa enquanto a visualizava a retirar um bolo do frigorífico, transportando-o com cuidado para cima da mesa. Esperando que ela o pousasse decidi falar, mas sem a distrair.

“Srª. Flintson, o Harry chumbou de ano, certo?” interroguei, hesitante.

“Pensava que já sabias, querida.” o bolo começava agora a ser transportado para dentro da caixa.

O Harry tinha a mesma idade que eu e se eu já havia chumbado, obviamente que também lhe tinha acontecido. Só não sei a justificação de tal pelo facto de nunca termos falado sobre esse mesmo tópico.

“Pode-me responder porquê?” tentei perguntar educada e ao mesmo tempo não muito coscuvilheira “Eu sei que não foi por más notas.” eu sabia que o Harry não era burro, pelo menos a sua forma de pensar, a lógica que aparenta ter e atenção que demonstra nas aulas de Filosofia não justificam o facto de ele ter reprovado.

“O Harry não é burro.” aclarou ela, limpando a garganta enquanto fechava a caixa com uma tampa de cartolina.

“Eu sei que não, Srª. Flin-“ havia sido interrompida mais uma vez.

“Não te preocupes.” demonstrou-me um sorriso simpático e compreensivo. Ela sabia que não queria insultar ninguém, apenas não sabia algo sobre o meu melhor amigo que nunca havia perguntado “O Harry quando esteve no Hospital – pelo que tu já sabes – ele perdeu a matéria toda, e não a conseguiu recuperar, pelo menos não tinha energias para tal. Então, ele repetiu o ano.” justificou.

[…]

Procurava por uma fita para atar à volta da caixa, assim o bolo tinha muitas menos probabilidades de cair. Comecei a abrir gavetas da cómoda da entrada, onde se situava no centro um espelho onde pude ver o meu próprio reflexo. “Estou bonita” pensei “Minimamente bonita.”

Havia concluído num curto período de tempo que era bonita, após uma conversa longa com o Harry onde eu comentava mal sobre o meu corpo em geral. Falava sobre os detalhes que eu achara que deviam ser removidos, mas não tinha a possibilidade disso – e se tinha, nunca o faria: sinais, borbulhas, olheiras, entre outras coisas. O Harry havia-me dito que devia parar com a moda de dizer que não se é bonito, porque ao dizer isso não significa que no dia a seguir acordemos perfeitos.

“Invés de te olhares ao espelho e procurares os teus defeitos, olha-te ao espelho e procura as tuas qualidades. Físicas ou psicológicas.” o Harry afirmava no outro lado da linha da chamada de Skype “Tens de te aceitar como és e mesmo se não gostares, paciência. Nasceste assim, morrerás assim. Passarás a vida inteira assim.”

Após essa conversa, eu achara-me bonita. Havia olhado para mim de uma forma diferente, uma forma que toda a gente devia olhar quando se observavam ao espelho.

Começara a abrir as gavetas quando visualizo a porta da entrada que se situava à minha esquerda a abrir-se. O Harry aparecera com um pequeno saco bem decorado na sua mão direita, quando tentava fechar o guarda-chuva com ajuda das pernas e da sua mão livre.

“Boa noite.” cumprimentou-me ele com o mesmo sorriso na cara. Depositou-me um beijo na bochecha e pousou o saco nessa mesma cómoda, retirando-se para a cozinha. Retirei a fita pedida pela mãe do rapaz que me havia cortejado e dirigi-me para a mesma divisão.

[…]

O jantar razoável se eu poderei assim afirmar. Os tios do Harry eram simpáticos, divertidos até.

Estava agora no carro da família e o casal Flintson levar-me-ia agora para casa.

“Querida, …” começou a Srª. Flintson, virando-se para trás enquanto o seu marido conduzia, atentamente pela estrada a fora “Porque não dorme esta noite em casa?”

“Acho que não era boa ideia.” afirmei, sentindo o Harry mexendo e remexendo no cabelo, ajeitando-o.

“Eu até nem acho má ideia.” comentou o condutor “Seria um prazer.”

O Harry estava agora de costas para mim a olhar para a rua, observando as árvores que apenas demonstravam uma mancha preta borrada pela velocidade que o carro demonstrava. Ele rejeitava olhar para mim. Não sei se ele queria que eu aceitasse ou rejeitasse, mas porquê não experimentar?

“Aceito.” concluí.

reparei em coisas que não devia ter reparado.

pesquisei coisas que me esclareceram imensas dúvidas.

e vou colocá-las nesta fic.

esta semana tem-me sido sentimental, talvez em demasia - por isso preparem-se!

Thantophobia | h.s {reeditar}Onde histórias criam vida. Descubra agora