... QUANDO TUDO ESTÁ PERDIDO SEMPRE EXISTE UM CAMINHO...

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Julliene encara a janela e seu olhar cruza com o brilho fosco das estrelas. Sua apatia denuncia um pensamento nada inspirador. Às vezes respira fundo como alguém que está cansada de ter a mesma reflexão ou crer em algo inverossímil.

Henry bate na porta e nesse momento Julliene já emergiu do estado de transe. Não se vira, sabe que é o marido. Ele coloca uma das mãos em seu ombro e se declina para beijar o alto dos cabelos de sua jovem e apática esposa.

- Falou com o Dr. Campos?

Julliene se ergue deixando para trás as carícias do esposo. Nervosa anda de um lado para o outro.

- Não sei porque insisto! - se volta para Henry - Sabe, cansei... é... Cansei. Não podemos ter um filho. Minha vizinha pode, sua irmã, minha mãe pôde, mas eu, eu não posso.

Passa por Henry de forma desajeitada, chega a empurrá-lo para o canto do batente.

Henry procura em sua memória vestígios de Julliene que conheceu, a doce Julliene, a menina de olhar amendoado que sorria sem usar os lábios.

Recorda-se do momento que a viu em um show de um grupo de meninos sem eira nem beira do colégio que confiavam tocar rock, mas era um emaranhado de notas sem rumo, não como deveria ser.

Se recorda de ter dito algo como "me obrigaram a vir" e ouvir da garota franzina e simpática que era a banda do seu irmão.

Apesar do constrangimento inicial, ambos riram do embaraço causado por um comentário interessado em impressionar a garota até então desconhecida, mesmo que estudassem no mesmo local.

Levaram aproximadamente seis anos para viverem em comunhão. Henry queria estar formado e Julliene queria apenas levar o relacionamento a um patamar mais sério por pressão dos pais, mas no fundo estava bem apenas noivando.

Julliene, tão doce, mas tão segura. Henry sentiu medo algumas vezes de perder sua companheira, mas quando finalmente conseguiu juntar dinheiro lhe comprou um anel de noivado. Só para julliene. Quando concluiu a faculdade conseguiu comprar o seu.

Há um ano estão juntos. Tudo está ainda em clima de recém-chegada, mas ambos descobriram a pouco tempo que Jully, como a chamam os mais íntimos, teria uma dificuldade beirando o impossível de engravidar. Foi o que a jovem lhe dissera após uma bateria de exames feita por ambos.

Henry está tranquilo, mas percebe que desde essa descoberta jully está relutante, distante, fria. Foi tão brusca essa mudança que Henry está tentando se recompor da falta de ânimo que recém casados não deveriam possuir.

O que sonhou em termos de relacionamento não está se fazendo realidade e o jovem rapaz está entre consolar a mulher que ama com intensidade, e seus desejos que há tempos não se concretizam.

Não absolutamente ao que diz respeito a intimidade que um casal apaixonado troca, mas a alegria de estar acompanhado por quem se aprecia. Henry é do tipo participativo.

Gosta de contribuir com a limpeza e organização da casa. Pensa que se sobrar mais tempo para os dois podem vivenciar melhor o momento agradável do casamento, mas nesse momento, se Henry não organiza a casa, a impressão é que uma manada de búfalos passou por entre seus cômodos.

Mesmo que ambos não produzam tanta sujeira e desorganização, Jully não se interessa em colocar no lugar os objetos que retira de seu local correspondente.

Paradoxalmente sua apatia é gritante. Henry está quase enlouquecendo com o silêncio. Às vezes se interessa em visitar os parentes, mas a fatídica pergunta sobre a esposa o faz retornar de uma realidade que não quer encarar.

Prefere adormecer no passado, de estar em um lugar que não está, que paralelo, o faz sentir-se seguro, relaxado.

Apenas convive, sem grande envolvimento social. Isso está o matando, mesmo que aparente tranquilidade.

Henry se aproxima da janela. Percebe uma luz vindo de uma estrela não natural, não parecida com que já vira.

Como um adolescente admira essa luz. Aperta os olhos enquanto seus lábios, sem som, fazem uma prece. Se retira, se achando estranho por ter feito aquilo, o mais estranho é o que ocorre após esse momento.

A estrela desaparece, em seu lugar, o azul que faz fundo a tantas outras estrelas. Algo aconteceu, algo que ninguém percebeu, sentiu, viu, mas no fundo, é exatamente dessa forma que deveria ser.

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