Os pensamentos de Henry estão distantes. Um leve toque no ombro de sua mãe o sobressalta.
- Desculpe filho. Vim avisar que Kim dormiu ao lado do seu pai. Ele não resiste ficar grudado na neta. Pensa que é boneca.
Henry sorri sem vontade.
- Filho... Vamos... Jully sente falta das fases da vida que não terá com Kim.
- Eu fui rude. Sabe o que imaginei? Kim daquele jeito e homens... Sabe... Homens maldosos olhando para ela. Ela é só... Meu anjo.- Entendo você e entendo Jully. Está só filho. Uma mulher que fica em casa não se sente completa. Seria mais fácil se Kim fosse uma adolescente que mesmo com estrimiliques de jovens mimados estabelecesse uma comunicação com a mãe. Você é mais sensível.
- Estou com saudade de Jully.
- Aproveita que Kim está aqui e vai.
- Não sei como a Jully pode não gostar de você.
- Pare meu filho pare com isso.
- A senhora é tão forte mãe. Perdeu uma filha antes de mim e Karine e mesmo assim continuou firme.
- Eu não perdi filho. Ela está mais perto do que todos imaginam. Agora vá. Não quero você aqui essa noite.
- A senhora tá ofegante mamãe.
- Sim. Abusei da maratona hoje.
Ambos riem.
- Agora vá.
Henry pega o casaco, beija a mãe na testa como de costume e se vai.
Kim aparece na porta. Linda e a menina se encaram.- Hoje minha linda menina quem partirá será quem um dia a viu partir.
Henry chega ao apartamento sem jeito. Abre a porta e Jully corre abraça-lo aos prantos.Henry retorna o abraço sem entender muito da reação da esposa.
- Eu sinto muito...
Henry a afasta para olhá-la nos olhos.
- Sente o quê Jully?
- Então não sabe?
- Não... O que deveria saber?
- Sua mãe... Partiu.
Henry tem uma leve vertigem que o faz se sentar no sofá. Jully senta ao seu lado, mas ele se ergue rapidamente.
- Para Jully. Pra quê isso?
- Como assim?
- Porque me ferir? Eu saí há duas horas da casa da minha mãe. Só fiz o trajeto até aqui. Para com isso. Por que você quer me machucar?
Jully permanece em silêncio. Henry olha para ela tão sentido que ambos correm se abraçar. Ele chora alto e dolorido. Jully o abraça ainda mais forte.
- Minha mãe... Não queria que eu a visse morrer...
- Eu estou aqui querido. Chore o quanto você precisar.
- Kim. Meu Deus kim está lá.
- Calma Henry. Eu dirijo. Vamos até a casa da sua mãe. Eu cuido da Kim e você faz o que é necessário.
- Me desculpe por hoje...
- Para meu amor. Não liga pra mim. Agora é você que importa.
- Não. Eu perdi uma mulher da minha vida, não quero perder mais nenhuma. Aliás, você tem medo de dirigir...
- Calma Henry à essas horas a estrada está tranquila e eu estou menos tensa que você.
A noite é fria. As nuvens cobrem parcialmente as estrelas. Henry olha para o céu e se lembra das músicas de Belchior.
Quando jovem cantava todas e agora só lembra trechos soltos. Porque qualquer música de Belchior o levava a um passado que feliz se tornava triste porque sabia que não voltaria.
Os amigos que fez, os parentes que unidos agora vivem suas vidas sem aquela intimidade de outrora. O presente é bom, mas ele parece infinito, principalmente quando sofremos, mas o passado, ah, o passado a gente romantiza mesmo que nada absurdo ocorrera.
Às vezes Henry, ingênuo, tentava recuperar um aroma, um objeto, que o remetesse a sua infância. Às vezes tentava abraçar seus pensamentos, mas a única coisa palpável eram as lágrimas que caiam sem controle e consentimento.
Não quer entrar, mas olha para Jully e se arma de coragem, porque é o homem da casa.
Seu pai está com Kim no colo. Olha sem graça para Henry.
- Está deitada. Mulher desaforada. Quer fazer tudo sem alarmar.
Henry pensa em abraçar o pai, mas os anos e o crescimento fazem a besteira de criar uma barreira entre pais e filhos e passam a ter vergonha de se abraçarem. Apenas bate no ombro do pai, chateado.
- Quer vê-la?
- Agora não pai... Vou atrás das coisas práticas.
- Queria ir...
Jully intervém.
- Vão rapazes. Eu fico com as mulheres.
As palavras de Jully foram alento para ambos. Nesses momentos cuidar da parte prática paradoxalmente diminui a dor. Você sai da realidade da morte pra vivê-la apenas no momento inevitável. Ganharam um tempo a mais sem sofrimento.Jully se aproxima de Linda que aparenta serenidade. Segura uma de suas mãos.
- Ei dona Linda. Não é o melhor momento pra estar aqui, mas é um bom momento pra dizer o que sinto em relação a senhora. Sempre admirei sua força, mas também sempre me sentia triste por perceber como o lado da sua família sabia lidar melhor com a Kim. Meus pais também gostavam da minha filha, mas não a entendiam como vocês entendem. Eu me afastei porque me envergonhava disso. Como uma mãe não entende sua filha? Só conseguia ver julgamentos. Me perdoa. Eu cuidarei do Henry. Não se preocupe com nada. Eu cuidarei do seu filho e da sua neta.
Beija a testa de Linda.
Jully vai até a sala. Kim está olhando para o céu, estática. Jully senta ao lado da filha e em silêncio, ambas admiram as estrelas.
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OLHOS DE ANJO
RomanceJulianne deseja de todo o coração um filho. O que esta jovem sonhadora não sabe é que os desejos podem se tornar realidade, mas não da forma como esperamos. kim veio ao mundo com seu jeito especial para comprovar esse fato. . . . . Obra com direito...