SONHO QUE SE SONHO JUNTO É REALIDADE...

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Henry leva Jully até o aeroporto. Kim se distrai com alguns confetes de chocolate.

- Eu disse que não era uma boa comprar chocolate pra Kim. Olha só como ela está.

Kim tem chocolate em volta da boca, na camiseta e nas mãos. Está realmente cômica beirando ao trágico. Henry beija Jully rapidamente e acode a filha sobre olhares de curiosos e risos.

Jully se apressa para apresentar o passaporte, ruborizada e chateada por Kim ser mais uma vez o centro das atenções, tanto que não se despede da filha.

Entra no avião e ainda sente olhares sobre si. Por sorte seu lugar é na primeira classe e na janela.

Há anos não entra em um avião. Lembra-se vagamente de uma viagem que fizeram quando Kim era pequena. Naquela época não chamava tanto a atenção por ser uma criança.

Sente amargura ao se lembrar que a única festa que fizera para Kim foi de um ano. Após notarem sua falta de contato visual Jully perdeu o interesse.

Tentou negar que a filha era diferente. Alguns especialistas disseram que tudo mudaria em idade escolar, outros que não precisava se preocupar porque algumas crianças demoram a se socializar.

Tentou até os dez anos incluir Kim na escola, mas desistiu quando percebeu que não conseguia compreender o básico. Em seu último dia na escola derrubou toda a comida que as crianças iriam consumir espalhando por toda a parte, eufórica.

A escola convidou Kim a se retirar. Convenceram Jully que ela precisava de uma professora particular. Tentaram em vão contratar professores, cuidadoras, pagens.

Henry pegou uma das moças contratadas gritando com Kim e desistiu. Jully precisou sair do emprego e se dedicou à educação da filha e cuidados, para Henry, falhara em ambas.

Desistiu de tentar se comunicar com Kim e sua frustração perante a vida piorou tudo. Sabe que Henry quer ajudá-la, mas não consegue sentir amor pela vida.

A última fagulha se foi quando brigou com a família de Henry que a acusa de esconder Kim. Seus pais faleceram há pouco mais de três anos. Um após o outro. Seu pai de infarto e sua mãe se rendeu a depressão. Seu irmão se mudou para outro Estado, pouco se vêem.

Jully ficou um mês cuidando de sua mãe antes de falecer. Nesse tempo Kim ficou na casa da mãe de Henry. Jully ficou ainda mais rancorosa quando percebeu que a família de Henry se apegou à Kim, principalmente a mãe que se curou de um câncer e segundo ela, foi Kim que a fez melhorar.

Jully acredita que todos estão contra ela. Às vezes gostaria de fugir para uma realidade paralela. Sim, um dia seria pouco, ficou receosa de pedir mais tempo longe da filha, mas descobrira um dia antes que o vôo de Henry precisou ser cancelado e teria quatro dias de folga.

Fingiu decepção, mas no fundo sabe que não convenceu.
Seria ótimo se sentir livre por alguns dias. Seria ótimo.

Quem sabe voltaria a ser apenas Jully e não mãe de uma criança especial. Longe de tudo. Longe dos risos, dos olhares.

Onde Kim estiver sempre será assim. Seria ótimo, mas ninguém deveria saber. Seria um segredo de Julliene e sua consciência, confusa, indolente, beirando a insanidade.

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