Capítulo 6

204 30 24
                                    

Ana não sabia se sentia raiva por tudo ter sido um sonho, ou se ficava deslumbrada com a forma como eles estavam ficando complexos. Acordou com dor no ombro por ficar em uma posição estranha durante o sono e agora segurava a xícara de café com a mão esquerda, o braço direito levantado acima de sua cabeça.

- Você tem que parar de dormir em cima do braço. - Lola advertiu, ligando a TV para ver o noticiário e se jogando em uma poltrona.

Aparentemente, a aparição do Storumm na noite anterior passou despercebida e não deixou qualquer rastro - "graças às incríveis habilidades mágicas de Richard", Lola não cansava de frisar.

Ele, por sua vez, devorava biscoitos de aveia com geleia e batatas assadas na manteiga, sentado descontraído no sofá e assobiando uma música desconhecida. Nem parecia que o dia anterior tinha sido um completo caos.

Ana esvaziou a xícara, enfiando uma torrada com ovo na boca e acabando por queimar a língua. Resmungando, levantou-se do balcão da cozinha, indo buscar a bolsa jogada no chão da sala.

- Já vai, querida? - Lola perguntou, se levantando.

- Sim - respondeu, calçando os All Star agora brilhando como novos. - Alguém precisa trabalhar por aqui.

- Ui, essa até eu senti! - Richard comentou, rindo, e recebendo um olhar nada amigável como resposta.

- O que você disse, Starlet? - Lola ergueu a sobrancelha daquele jeito assustador que dizia: concorde ou morra.

- N-nada, querida... - ele engasgou, engolindo outro biscoito. - Ah, veja, a Ana está atrasada. Eu vou... Vou levá-la ao bistrô.

- Mas ainda falta meia hor...

- Sim, sim, querida. Mas... antes cedo do que tarde, huh? Deixa só eu ligar o carro... - Richard colocou o prato na pia, indo para o jardim mais rápido que um raio.

Ana observava a cena, sobrancelhas erguidas. Parece que a tia não era intimidadora só com ela. Tinha conseguido espantar um homem do mesmo jeito que o atraíra.

Segurou um sorriso, dando um beijo na bochecha de Lola, furtando um biscoito do pote e enfiando na boca.

- Até mais tarde, querida - imitou a frase de Richard, correndo para a garagem. - Te amo!

☀️ ☀️☀️

A única coisa que Ana podia dizer sobre ir ao trabalho no carro de Richard é que era reconfortante.

Depois daquela interação inusitada e não muito discreta na cozinha, além das coisas extremamente bizarras que aconteceram na noite anterior, tudo de que ela precisava era um banco confortável, uma boa taça de vinho e um carro que mal fazia barulho. Se fechasse os olhos, podia se sentir como uma dama da alta sociedade.

Talvez em algum momento até acabasse se tornando, se Lola e Richard se casassem.

Que tolice. Logo de manhã seus pensamentos já estavam voando para um lugar improvável e ilusório. Ana bebeu um gole do vinho, observando a cidade cinzenta ao redor e a garoa fina que certamente duraria até a noite. Era até fácil fingir que sua vida não tinha virado de pernas pro ar e que não havia monstros soltos por Glasgow (!).

Aurora | Adhara: Deraia - Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora