Capítulo 12

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ANA NÃO DORMIU de verdade naquela noite. Passou a maior parte da madrugada entre sonhos tão leves quanto plumas e tão breves quanto a queda de uma folha no outono.

Viu neles a tia, seus olhares ternos com o homem feérico de cabelos escuros e seus bolinhos de arroz numa sala pequena e aconchegante com poltronas descombinando. Pintou cenas aleatórias em um transe em que nada pareceria mais real; e naquele embalo de felicidade quase acreditou que era sua realidade.

Mas não era.

Não quando acordava ao menos três vezes no quarto escuro do hotel, o fogo na lareira nada mais que uma chama se extinguindo. Taelor ainda dormia tranquilamente, resmungando sobre comida ou algo aleatório e destoante.

Então, silenciosamente, em todas essas vezes, Ana alimentava o fogo, olhava as horas e ia até a sacada com vista para o rio logo abaixo, a correnteza como uma canção de ninar. O céu estava completamente negro naquele momento, como é antes do amanhecer, e as poucas estrelas iam embora.

Sempre pedia sonhos bons, desejava algo brilhante e fantasioso, mas agora não se sentia tão segura. Não quando o sonho a fazia sentir como se fosse afogada ao acordar.

Ainda assim, eles são seus.

Ana sentiu um toque fantasma no ombro, tão familiar e absurdo quanto sempre fora. E tão breve quanto qualquer devaneio que tivera desde que saíra da cidade. Em alguns momentos cogitara estar louca ou com imaginação demais; agora, tudo poderia ser possível...

Ela não se mexeu, temendo que o toque sumisse com o mínimo esforço, quando perguntou:

- Você é um espírito? - sua voz não passava de um sussurro, mas suspeitava que espíritos e criaturas elevadas não precisavam de muito barulho para entenderem.

Fez-se um silêncio absoluto, temperado pelo uivo do vento, e ela revirou os olhos, se achando uma boba. Que imaginação.

- Não sou muito diferente de você, criança.

Ana congelou, quando a voz nítida de uma mulher, embora baixa, lhe respondeu quase com afeto. Virou-se lentamente, esperando ver alguém, qualquer coisa, mas nada viu a não ser Taelor, roncando alto em sua cama. Contudo, o toque no ombro não desvanecia. Um arrepio desceu por sua coluna, eriçando os pelos dos braços.

- Quem é você? - ela tentou parecer confiante, mas sua voz custou a dizer toda a frase. Ana engoliu em seco. - Sabe onde está a minha tia?

- Eu sei de muitas coisas - a tal presença lhe apertou o ombro, como para lhe dar confiança -, porém não tenho permissão para dizer todas elas.

Ótimo. Mais respostas evasivas e segredos. Ela não suportava isso, mas agora que havia algo mais urgente a ser discutido, não pode evitar revirar os olhos.

- Era mais fácil dizer que não sabe... - murmurou, cruzando os braços.

"Quero ajudá-la", dissera Richard. Agora estava falando com uma assombração que mal sabia lhe dar as informações necessárias.

Outra vez sabiam mais do que ela, e era mais humilhante que fosse um ser não corpóreo. Céus, por que tudo...

Sua linha de pensamento foi interrompida por um chiado. Não. Uma risada, completamente delicada, baixa, como sinos de vento. O espírito estava debochando dela! Ana manteve o queixo erguido, torcendo para que seu rubor passasse despercebido.

Claro que não vai, sua idiota. Ela é um espírito, ouviu seu sussurro. Não vai fazer diferença.

Porém, de alguma forma, seu receio diminuiu.

Aurora | Adhara: Deraia - Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora