XXIII

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LIZ

Sinto que agora terei um problema. O que o governo vai pensar quando ver meu pescoço e o estado dele? Isso seria considerado crime? Se minha família estiver na lista negra do governo, por mais que o pensamento nacionalista de minha mãe me diga que não, qualquer coisa pode ser considerada crime para me tirar daqui. Por que Kyle e eu fomos inventar de mexer no colar?

Me afasto de Joy, porque não quero que ela se preocupe se ver o que aconteceu, e rezo silenciosamente para que eu não seja morta – ou talvez exilada, o que acredito menos.

Os enfermeiros entram na sala e o meu é o último. Olho para ele com a testa franzida, tentando lembrar de onde o conheço. Mas quando ele pronuncia meu nome, sei de onde é.

-- Liz, a médica com medo de agulhas.

-- Lucas! – dou um sorriso fraco. Será que ele é fiel ao governo? – O que você está fazendo aqui?

-- Trabalho de campo. Ou aqui, ou nas vilas de Toronto. – ele coloca a bandeja com as seringas na mesinha ao lado – Tire a jaqueta, por favor.

Hesito. Seus olhos pousam nos meus, mas ele não pressiona.

-- Se você não tirar, vou ter que furar sua bochecha. É a única parte de pele que consigo ver. – respiro fundo e abro o zíper da jaqueta, ficando de costas para todos os outros.

Lucas acompanha com os olhos o movimento que faço para tirá-la e o único sinal de que notou as manchas roxas e esverdeadas no meu pescoço foi um piscar de olhos. Ele empurra meus cabelos delicadamente e amarra um garrote no meu antebraço, sem pedir para eu virar ou levantar e segui-lo até o exílio.

-- Isso não vai doer. – fala. Abro e fecho as mãos, mas não tiro os olhos dos seus. Com a seringa próximo a minha pele, ele fala baixinho – O que você fez, Liz?

Suas palavras me fazem fechar os olhos. Sinto vontade de correr.

-- Se você me contar, não vai precisar contar pra eles. – ele injeta a agulha no meu braço, mas do mesmo jeito que não senti dor na primeira vez, agora não dói nada. Prefiro contar para ele do que para um oficial da polícia. Suspiro.

-- Eu tentei tirar o colar. – deixo Kyle fora do assunto. Ele descobriu um ponto no pingente que quando pressionado emite um mapa, enquanto eu fiquei toda roxa tentando arrancá-lo. O que Kyle sabe agora é muito importante para o grupo e ninguém tem provas contra ele. Não vou dar também.

-- Por que fez isso? – ele tira a seringa com meu sangue e nome e guarda. Dá a volta na cadeira e sinaliza para eu deitar. Ficando na minha frente, ninguém pode ver do meu tronco para cima. Ele está me protegendo.

-- Eu pensei que ele fosse um gravador ou câmera. E não gosto da sensação de andar carregando um espião. – algo em sua voz e seus olhares me faz contar. Ele consegue me manipular e me acalmar ao mesmo tempo. Só espero que não se transforme no motivo da minha tormenta.

-- Isso não é um gravador, muito menos uma câmera. O governo sabe como vigiar vocês de forma discreta.

-- Então você não vai contar? – pergunto. Ele coloca os eletrodos nos pontos específicos e reprimo um gemido de dor quando coloca em um dos hematomas.

-- Não. Mas se alguém ver, vai contar. Você precisa tomar cuidado até sair daqui. – encaro seus olhos castanhos, quase laranja.

-- Obrigada. – falo.

Lucas não responde. Ele termina o eletro e passa gel na região onde se encontra meu coração, tomando o cuidado de ficar na minha frente para que ninguém consiga ver do meu tórax para cima. Sei que vai fazer um eco, mas ele explica o porquê. Tenho a impressão de que a fala é decorada.

Raciocínio Americano - Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora