XXXI

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LIZ

Kyle assume uma postura de líder quando Jonathan não reage muito bem. Mas isso me irrita profundamente. Ele acorda muito cedo e minha cabeça lateja quando nos acorda também.

-- Mas que...? – escuto Kendra perguntar, mal-humorada.

-- Vamos aproveitar o dia. – ele fala.

-- Vou aproveitar pra chutar seus países baixos. – ela diz, se virando para tampar o rosto da lanterna que ele joga na cabeça dela.

-- Ah. Não fale assim Kendra. Me mostre essa linda cicatriz que você tem aí no rosto.

-- Se você não calar a boca eu mesma vou chutar seus países baixos, colega. – digo, me levantando.

Ele ri baixinho e ajuda Jonathan a se levantar. Jonathan sente dor por causa das vistas e divido um analgésico com ele. Joy também toma por causa da dor na perna e me prova que está bem quando exijo. A perda de Scarlet me deixou alerta. Demoramos um pouco para realmente começar a andar, mas quando saímos do túnel de serviço estamos mais acordados e o ritmo é mais controlado. A estação mais próxima devia estar a 15 minutos de distância, mas quando chegamos no fim do túnel uma muralha de pedras nos frustra.

-- A saída... – Victoria sussurra. Ela deve estar tão desesperada por claridade quanto eu. Ou até mais.

-- Eu não acredito nisso. – Kyle está mais que frustrado.

Joy encosta a cabeça no meu ombro e bagunça os cabelos com a mão. Tenho vontade de me jogar no chão e não sair do lugar. Kendra dá uma gargalhada irônica. O som é estranhamente alto na escuridão em que nos encontramos.

-- A gente andou... isso tudo... pra absolutamente nada. – Kyle esmurra a parede.

-- Temos que voltar. – digo. Todos me encaram e ignoro a vontade de gritar com eles – Nós já estamos aqui por 2 dias. Victoria mais que isso. Não podemos perder mais tempo. Vocês lembram o que eu disse. 2 meses. Esse é o tempo que podemos ficar aqui até sermos considerados mortos. Não sabemos ainda se vamos ter que esperar mais um furacão ou chuva ácida. Vocês não entendem. Quero ir pra casa. – puxo o ar, um pouco ofegante. Joy me abraça quando termino de falar.

Ninguém fala nada, mas todos são motivados pelo meu discurso. Voltamos para o túnel de serviço e andamos mais rápido. Sem conversar por horas, o progresso é mais rápido e passamos do lugar onde dormimos quando já é bem tarde. Não saber que horas são me deixa agoniada, mas pelo menos o mapa nos dá uma noção de onde estamos. Escutamos balas quando passamos perto de um posto e ficamos calados esperando até o barulho cessar.

A noite – ou quando pensamos que é a noite –, Victoria e Joy jogam um jogo de adivinhação que acaba envolvendo todos. Nós mal dormimos, porque a sensação de claustrofobia começa a nos embriagar. O outro dia é de mais caminhada, porém mais animada. Kendra e Joy cantarolam baixo quando temos certeza que estamos longe dos soldados e Victoria as acompanha estalando os dedos. Kyle, eu e Jonathan conversamos sobre o tempo e quantos dias ou horas se passaram mais ou menos. Nossos cálculos nos dizem que já é hora do almoço da segunda tempestade – as asperitas – e que chegaremos perto da estação de trem mais próxima antes das 16 horas. Decidimos não voltar para onde deixamos Scarlet, que é muito longe. Mas isso significa que passaremos por um posto de soldados. As meninas concordam com os riscos e todos se calam quando a hora de subir de novo se aproxima. Concentrados, saímos do túnel de serviço para andar nos trilhos do trem. Até a estação não ouvimos nenhum problema. Mas sem querer Kendra chuta uma lata enferrujada. Corremos para uma banca de revista e ficamos abaixados ouvindo. Passos muitos silenciosos. Temos que sair. Rezando para que não tenha nenhum bicho nas escadas, levanto os dedos para contar.

Raciocínio Americano - Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora