Andrew entrou em casa após dois dias de viagem. Estava esgotado, mas não via a hora de ver a filha. Havia se passado mais de dois meses desde que partira e essa tinha sido a viagem mais longa que fizera. Nunca havia se ausentado de Kinsley House por tanto tempo. Mas ainda bem que tivera notícias de que a preceptora correspondera à expectativa, fato que o tranquilizou enquanto esteve ausente. Notou que pairava uma paz diferente na casa e aos poucos ouviu um som vindo da sala anexa à biblioteca. Alguém tocava piano divinamente. Perguntou-se quem seria. Aquele toque era de alguém que conhecia música profundamente. Os acordes perfeitos o arrastaram silenciosamente para observar, sem ser visto. Ao chegar próximo à porta avistou a filha apoiada com os cotovelos no piano observando uma jovem cujo rosto ele não conseguiu visualizar. Mas viu que ela era admirada pela filha, pois seus olhinhos brilhavam interessados e dava para perceber que sorria feliz. De repente a jovem saiu do piano e deu o lugar à Victoria, que sentou e começou a tocar timidamente. Evoluíra bastante depois da partida dele. Ele ficou encantado com a cena. Quando a filha errava, a desconhecida a incentivava dizendo que estava indo bem, que na próxima vez sair-se- -ia melhor, pois era capaz. Sua voz era melodiosa, doce e ao mesmo tempo firme. E qualquer acerto de Victoria, por mínimo que fosse, aplaudia com sinceridade e ênfase, mas sem adulações. Quem seria? Ah! Só poderia ser a preceptora. Mas como uma preceptora poderia tocar tão bem um instrumento como aquele? Desde quando uma preceptora tinha condições de aprender a tocar piano, se nem mesmo poderia possuir um? Até onde ele sabia, as preceptoras eram moças de boa procedência, geralmente solteironas e provenientes de famílias sem abastança. Assim foram todas as que passaram por lá. Andrew não conseguia se afastar, nem se mostrar. Era uma cena apaixonante e ele ficou preso a ela. A filha pediu que ela tocasse mais uma vez e foi atendida pronta e alegremente. Ele foi absorvido novamente pela música. As mãos dela deslizavam suavemente sobre as teclas. Por fim, ele entendeu que se quisesse vê-la teria que entrar. Esperou-a terminar a música, olhando apenas seu perfil, de onde caía o cabelo longo, bem cuidado e muito bonito. Ela devia ser no mínimo graciosa. E não parecia uma solteirona. A curiosidade veio acompanhada da ansiosidade. Precisava vê-la de frente. Tossiu baixinho duas vezes para chamar a atenção e a filha se voltou correndo imediatamente com os dois braços levantados para abraçá-lo. A desconhecida saiu bruscamente do piano e aguardou pacientemente, as mãos juntas à frente da saia, que os dois se refizessem. Andrew percebeu, por sobre os ombros da filha, que a desconhecida era, de longe, a mulher mais linda que já vira. Quer dizer, mulher não, era quase uma menina. Sob os cílios enormes, os olhos grandes cor de mel destacavam-se no rosto oval. Os cabelos castanhos eram lisos até os ombros e ondulados a partir dali, e caíam-lhe até a cintura. O corpo era magro, porém, era perceptível que possuía curvas muito femininas. A sua altura era mediana. A pele branca destacava a cor dos olhos e dos cabelos. Meu Deus, e que boca linda! Carnuda e em formato de coração. E sorriam levemente. Realmente, nunca vira alguém mais bonita. Dela sobressaia uma paz e uma classe inerente apenas a grandes damas. Que idade teria? Foram questões levantadas em poucos segundos, até que ele colocou a filha no chão e, antes que pudesse dizer algo a ela, Victoria se adiantou com voz alegre e excitada: – Papai, esta é a Srta. Melise Evans, a nova preceptora. Ela o cumprimentou apenas com um breve movimento de cabeça e aguardou calada, com um olhar apreensivo, carente de aprovação. Ele percebeu em seus olhos algo parecido com medo. – Srta. Evans, como vai? – perguntou polidamente, olhando-a diretamente nos olhos. E no fundo daquele olhar ele percebeu angústia... sofrimento... não sabia decifrar direito. Era como se a conhecesse interiormente. – Muito bem, Sr. Clark. Vou deixá-los a sós. Tenho certeza de que têm muito para conversar. Aguardarei na sala. Ele percebeu que, além de ser linda e saber tocar piano muito bem, ela era também muito educada e discreta. Sabia comunicar-se bem e o momento conveniente para se retirar. Isso era uma qualidade que ele admirava muito nas pessoas. Victoria nunca tivera uma preceptora assim. Bem, ela não parecia uma preceptora, mas uma moça da sociedade; e mais educada do que a maioria que ele conhecia. Isso era um revés que não esperava encontrar no seu retorno. Após conversar um pouco com a filha, percebeu que ela gostava muito de Melise, pois só falava nela. Parecia que tinham desenvolvido uma amizade recíproca. Uma coisa era certa: nunca Victoria havia-se afeiçoado a nenhuma preceptora antes e, quando elas iam embora ou eram despedidas, também não demonstrava tristeza.
Encontraram Melise em pé do outro lado da sala, de braços cruzados, costas eretas e cabeça erguida, olhando calmamente através da janela que ficava próxima à lareira. Não se cansava de pensar que era uma figura muito bela. O que poderia ser um problema. Afinal, nunca fora obrigado a conviver com uma beldade dentro da própria casa. Andrew e a filha aproximaram-se de mãos dadas e Melise virou-se, calada. – Como uma jovem como você veio trabalhar como preceptora? Você não parece uma. – Perdi meus pais há quatro meses e não tive alternativa – respondeu-lhe ela, simplesmente. – Você não tem família? – insistiu ele. – A que tinha perdi no mesmo dia, meus pais e meu único irmão. Minha mãe tinha apenas uma irmã, que mora em outro país, e meu pai não tinha irmãos. Com a morte deles fiquei sozinha. Então ela não tinha se tornado preceptora por falta de condições financeiras, mas pela perda delas. Com certeza vinha de uma família de posses. Ele percebeu que ela não se fazia de vítima. Mas apesar de falar naturalmente havia tristeza em seu olhar. Devia ter sofrido muito ao perder sua família toda num só dia. Ele não conseguia mensurar uma dor daquela. Só de pensar em perder sua filha sentia pavor. Colocou-se em seu lugar e se compadeceu. Mas era melhor evitar o assunto, para que ela não sofresse além do que já sofrera. A experiência lhe dizia que nesses casos menos palavras era sabedoria. – Onde aprendeu tocar piano? Percebi que é muito boa. – Com um professor, amigo dos meus pais, e aperfeiçoei com meu pai. Ele sabia tocar muito bem. – E onde você morava? – Nossa propriedade ficava em Bath.
– Como ficou sabendo do emprego? – ele a estava bombardeando de perguntas, mas não conseguia evitar. Surgiu uma curiosidade inexplicável por Melise. E também uma necessidade de proteção. – Pelo jornal. – Andrew percebeu que era bastante sucinta em suas respostas. Característica de pessoas práticas. – Bem, acho que a Sra. Smith já acertou com você o salário, as condições de trabalho e, a partir de agora, colocar-me-ei a par de suas reais atividades a fim de pagar o merecido, de acordo com o papel desempenhado com minha filha e conforme dificuldades apresentadas. – Tenho certeza de que sim, Sr. Clark. Muito embora não mereça mais do que já recebo, pois a quantia é muito justa. Victoria permanecia calada escutando os dois conver- sarem, olhando alternadamente para um e para outro. Andrew esqueceu o cansaço por um momento. Quem o visse naquele momento não imaginaria que tinha viajado por quase dois dias, e com poucos intervalos para descanso e troca de cavalos. – Papai, a Srta. Evans está me ensinando a tocar piano. – Percebi e vi que está se saindo muito bem para uma iniciante. – Ele piscou para Melise e ela sorriu timidamente, concordando silenciosamente. Seus dentes eram bonitos, brancos e alinhados e o sorriso era doce e meigo. Como ele viveria com aquela visão perfeita dentro de sua casa, bom Deus? – Bem, vou-me arrumar para o jantar – disse Andrew repentinamente. Beijou a testa da filha, fez uma breve reverência com a cabeça para Melise e saiu. Ele mesmo não entendeu o motivo de ter feito isso. Ela não era mais que uma empregada. Melise também se surpreendeu com aquilo. Afinal, ela não passava de uma preceptora. Muito embora, devido ao seu bom relacionamento com Victoria, às vezes esquecia de seu papel ali. Mas, com a chegada de Andrew, seria mais fácil colocar-se no seu devido lugar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Amor Impossível
RomanceDISPONÍVEL NA AMAZON - Amor Impossível é um romance que tem como principais personagens Andrew Clark e Melise Evans. O ano é 1815 e Hamptonshire, cidade campestre da Inglaterra, é o cenário onde ocorre a fascinante narrativa. Andrew é um lindo viúvo...