Hely & Enna

Capítulo 3 - Primeiros Passos

Eu não vejo Hely voltar pra casa.

Bowie e eu dormimos na minha cama enquanto vemos a mais nova série de Matt Groening na Netflix, (Des)encanto. Eu costumo gostar de histórias que fogem ao comum, e uma princesa com um jeito grosseiro é diferente. Lembra um pouco a mim mesma. Não que eu seja uma princesa, ou se quer me pareça uma, mas você entendeu. A ideia da noite é maratonar os 10 episódios do desenho que estão disponíveis.

Fico pensando em como Hely e Henry estão. Se ela gritou, ficou triste ou qualquer coisa assim. Acho que eu nunca amei outra pessoa apesar das minhas paixões platônicas. Não sei exatamente como é. Você gosta da pessoa, vivem juntos e se amam por um tempo. Mas de repente um lado pula fora e você fica lá, amando sozinha. Eu não consigo nem imaginar. Relacionamentos parecem difíceis demais.

De manhã quando eu estou me arrumando pra ir pra faculdade, vejo Hely sentada na mesa do café comendo torradas integrais com geleia. Nada parece diferente do que foi na manhã de ontem. Ela não fala nada além de um "Bom dia" quando eu me sento. Então decido não perguntar sobre ela e Henry e apenas respondo com outro "Bom dia" qualquer.

Eu checo meu telefone enquanto tomo uma xícara de café e mastigo pão com frios.

Tenho 33 novos comentários na minha Fanfic mais nova. Duas mensagens de seguidores e alguns votos no último capítulo postado. Tem também duas mensagens de Henry.

"Obrigada por ontem, Enna"

"Deu tudo certo, aliás".

Tudo certo do jeito que ele queria? Ou do jeito Hely? Porque ela parece calma demais.

"Você terminou com ela?" envio.

Meu pai se senta pra comer com a gente. Ele traz chá e pão com manteiga pra mesa, se senta entre nós e liga TV da sala por cima do balcão que a separa da cozinha.

– O que Henry queria ontem? – ele pergunta. Hely está mexendo no feed do Instagram, com o celular deitado na mesa. É o que ela faz todos os dias. Curte posts de maquiagem, moda e beleza. Diferente de mim que sigo perfis de arte.

– Nada. Ficamos conversando só – ela responde, sem tirar os olhos do celular dela.

– Eu estava perguntando pra Enna – ele ri. Eu ergo os olhos do meu café, sem entender bem.

– Só conversar – eu digo, repetindo a resposta dela.

– Então foi com ele que você saiu? – Hely pergunta.

– Sim – faço. Mastigo um pedaço de pão, tentando ficar calma, mas por alguma razão meus músculos estão tremendo – Vocês estão bem?

– Eu terminei com ele – ela diz.

Meu pai larga o pão no prato e olha minha irmã com a maior cara de espanto do mundo.

– Você o quê?

– Terminei – ela repete. Hely continua olhando o Instagram. É quando me dou conta de que ela não está como em todas as manhãs. Ela está fugindo da realidade. Ela não tocou na comida do prato, e está segurando um pedaço de pão com geleia que nem mordeu. Ela não se encheu de maquiagem, nem fez muito esforço pra arrumar o cabelo. Ela está usando tênis, jeans e camiseta. É a coisa mais rara do mundo ver Hely simplesmente de jeans e camiseta. Eu tenho a sensação de que se meu pai insistir em entender o que aconteceu, ela vai acabar chorando, coisa que eu nunca a vi fazer.

– Aconteceu alguma coisa? – ele pergunta. Hely franze o cenho e diz que não.

– Pai, ela não quer falar – eu digo.