Em algum momento do sábado, eu resolvo que apenas vou ler as duas cartas que faltam depois de sair com Alice, e também decido que preciso sair com Bowie e ligar pro tio Peter. E é exatamente o que eu mais ou menos acabo por fazer.
– Bonjour – ele atende. São quase três da tarde na França. No Brasil, eu ainda estou tomando café da manhã.
– Olá – respondo – bom dia.
– Comment allez– vous, ma chère nièce?
– Estou bem tio – respondo. Essa é a única frase em francês que eu aprendi. Ele sempre pergunta isso ao telefone: "Como está a minha querida sobrinha?"
Eu abaixo o volume da música no computador, mas não antes de ele perguntar se estou triste. Isso é porque está tocando Oasis, e eu não escuto Oasis quando estou feliz.
– Aconteceram algumas coisas – comento.
– Quer me contar?
– Bom – começo – Eu acho que já te contei, mas eu perdi meu estágio na editora.
– Ah, não – ele diz. O tom na voz dele faz parecer que estou noticiando uma catástrofe nuclear.
– É – falo – mas não foi o pior sabe? Eu comecei com uma ideia – começo a explicar – eu ia criar umas metas e bater todas elas. Eu até estava fazendo um plano de como conseguir cada coisa. Mas ai, chegaram umas cartas aqui em casa e eram todas pra mim.
– E de quem são? – ele pergunta surpreso.
– Eric – respondo – eu não sabia bem no início, mas agora que já li quase todas, sei que são dele.
– Eric do ano passado? – tio Peter pergunta. Seu tom de voz se torna preocupado.
Ele sabe tudo aquilo que aconteceu com Eric e eu no laboratório. Ele me ouviu chorar no telefone por minutos intermináveis em quanto eu me sentia o ser humano mais asqueroso do planeta Terra.
– O que dizem as cartas, Enna?
– São cartas escritas há muito tempo. Desde o Ensino Médio. Ele escrevia, mas nunca enviava. E agora me entregou todas. Ele gosta de mim desde a época da escola e acho que estou triste com isso.
– Por causa das histórias antigas? – ele pergunta – ou porque você não sente o mesmo?
– Pelos dois, ou sei lá – confesso – Eu li a maioria das cartas, e fico o tempo todo pensando que se ele tivesse me entregado elas antes, a história agora seria muito diferente.
– Podia ter tido um final feliz, ou triste – ele observa – não dá pra saber. Só dá pra saber o que você vai tomar como caminho de hoje em diante. Depois de ler tudo, o que você escolher fazer é que pode mudar a história.
– Acho que tem razão – concordo – Agora preciso só, terminar isso, encarar Alice e conseguir outro estágio e aí minha vida volta pra aquela coisa chata de sempre – rio.
– Quem é Alice, Enna Wilson? – Ele me pergunta dando risada.
– Acho que uma amiga – falo – ela me chamou pra sair. Talvez com outras intenções. Ou talvez apenas amigavelmente e eu estou imaginando coisas. Vou amanhã com ela e uns amigos num bar de música ao vivo.
– Parece divertido – ele sorri. Posso ouvir o sorriso na voz dele, que parece orgulhoso – Me mande fotos, e aproveite a noite pequena Enna.
– Obrigada, Tio Peter – sorrio de volta.
– Os franceses estão certos minha querida: "A vida é bela!" – ele diz – então trate de aproveitá– la, antes que ela esmaeça entre seus dedos.
– Carpe Diem – Respondo.
– Carpe Diem – ele responde feliz antes de desligar.
Eu olho para Bowie e aviso ele que vamos sair, o que o deixa animado pulando em cima de mim.
– Vamos andar bastante – digo.
Ele resmunga, então me preparo pra sair com uma mochila água pra mim e pra ele, um pote pra servir comida e um pouco de ração. Pra mim eu levo um Yakult e um pão frio com queijo e tomate. Eu quero andar até o parque, me sentar embaixo de uma árvore e mais uma vez tentar por a vida em ordem.
Quem sabe agora eu consiga?
Deixo Bowie solto enquanto fico embaixo da árvore. Ele bebe água, mas não come e nem fica passeando por aí. Fica quieto ao meu lado, e eu vou escrevendo coisas pra mim mesma enquanto lhe faço carinho.
Minhas considerações são:
"Pra começar, eu nem sei se o Eric ainda quer alguma coisa. Portanto eu vou ler as cartas primeiro e tentar entender depois. Ainda me sinto estranha sobre o que aconteceu ano passado. Eu não sei o que muda pra nós com as próximas duas cartas.
Alice talvez esteja só sendo amigável. Eu quero acreditar nisso. Mas fico pensando o que eu ia fazer se ela tentasse alguma coisa amanhã a noite no bar.
Eu preciso de um outro estágio. Talvez eu pudesse pedir uma carta de recomendação a algum professor, e mandar um currículo pra alguns lugares oferecendo o trabalho.
Eu e Hely não vamos ficar bem tão cedo. Mas quero viver amigavelmente com ela, pra isso eu já sei que não posso conversar com ela sobre meus problemas, porque os dela estão em primeiro lugar. Talvez agora eu devesse ser mais Hely, e aprender a me por como centro das coisas. As boas e as ruins.
Eu deveria mandar mensagem pro Henry e ver se ele está bem.
Mas vou começar a mudar isso tudo, lendo as cartas"
Quando termino de escrever, sinto como se tivesse acabado de discutir mentalmente comigo mesma, e registrado isso tudo no papel. O que é meio engraçado.
Pego o celular, e envio quatro mensagens.
A primeira é para Eric: "Faltam duas cartas, vou lê– las agora. Sei que você deve ter ficado chateado pelo jeito como agi antes. Se você quiser conversar depois, eu vou estar aqui"
A segunda é para Hely: "Eu estou no parque com Bowie, quer vir pra tomar um sorvete antes do almoço?"
A terceira é para Henry: "Sei que talvez as coisas não estejam muito bem agora. Aconteceram mil coisas comigo desde aquele dia no Brooklyn Bar, mas queria saber se você está bem. Quando tiver um tempo me dá um alô"
A quarta é para Alice: "Consegui sair de casa sem esbarrar em você kkk Mas queria te fazer uma pergunta. Tem tempo pra sorvete hoje?"
Eu estou tentando eu acho.
Isso sou eu tentando por a vida nos eixos.
O único problema é que nenhum deles responde.
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Hely & Enna
Teen FictionQuanta diferença oito minutos podem fazer na sua vida? Para Enna Wilson, 8 minutos é a diferença no tempo e espaço entre uma vida perfeita e uma vida cheia de azar. Depois de perder seu tão desejado estágio de verão, Enna decide arquitetar um plano...