- Você faz as pré-entrevistas – Renata me diz. Ela me dá uma prancheta, caneta e um bloco de formulários – Tem 20 mulheres mais ou menos aí fora, você senta com cada uma, faz as perguntas que estão aí e no fim do dia me entrega as melhores histórias, tá bom?
"Como vou escolher as melhores histórias?" penso comigo mesma. Ainda assim, faço o que ela me pede, porque não parece exatamente uma missão impossível, e porque ela não é uma pessoa má ao distribuir tarefas.
A Edição mensal da La Femme, traz em si uma entrevista com uma mulher. Uma mulher que não é supermodelo, nem atriz famosa, nem especialista em nada, nem uma sub celebridade que voltou a mídia recentemente. Em cada edição temos um tema principal, e entrevistamos uma mulher comum que se oferece a contar sua história sobre um determinado assunto.
Essa mulher pode ser sua vizinha, sua prima, sua amiga, ou mesmo você. Eles deixam o tem antecipadamente no site. Que tiver algo a dizer, manda um e-mail e conta sua história. Os melhores vem pra essa pré-entrevista, e daqui sai a nossa entrevistada da vez.
Eu acho que vou me divertir bastante fazendo isso. Ao menos vou poder me distrair do dia péssimo que eu tive. Encontrei Eric de manhã na faculdade, ele estava com os amigos, e fingiu não em ver. Depois encontrei Alice, no intervalo das aulas. Ela me olhou de um jeito tão péssimo, que lembrou o Tio Peter antes de me dar uma bronca quando eu era criança.
Hely nem me deixou terminar de contar a história toda sobre o que aconteceu. Quando eu falei sobre Eric ter me aconselhado a me autoconhecer antes de me enrolar com alguém, ela mordeu a torrada com geleia dela, deixou a mesa e disse apenas "E ele está certo, você é muito confusa".
A melhor coisa do meu dia é de longe ter vindo pra cá hoje. Antes de terminar as entrevistas, eu decido que as cinco que mais tiverem me marcado ao fim da tarde, serão as que eu levarei para Renata.
O tema das entrevistas é "Minha conquista como mulher".
Todas as mulheres que estão aqui, estão aqui porque conquistaram algo que disseram que elas não poderiam ter por serem mulheres. Eu me sento na sala de entrevistas que é uma sala com alguns sofás e poltronas, uma tv, paredes brancas e um quadro cheio de cores borradas que lembram um útero florido. Me sento numa poltrona sem ninguém, e chamo a primeira entrevistada.
O que eu tenho que fazer é perguntar seus nomes, idades, de onde são, com o que trabalham e o que elas tem pra contar sobre o tema da nossa próxima edição que as torna especiais.
Uma das garotas é engenheira civil. O pai disse que ela não poderia se formar. Depois de formada ela ouviu que não teria capacidade de comandar obras cheias de homens. E depois ouviu que não teria seus projetos aprovados porque "mulheres não tem que trabalhar em obras". E ela acabou de terminar o projeto do prédio residencial mais caro da cidade.
Outra é motorista de caminhão. Ela rodou 1500 km Brasil afora, levando e trazendo carga para o porto de Santos, viajando sozinha através das estradas e se mantendo dentro de uma profissão que é completamente masculinizada.
A terceira pessoa que escolho é a minha favorita. Seu nome é Olleria. Ela tem 74 anos. Tem 5 filhos, 4 netos. O marido morreu há cinco anos. Ela nunca tinha saído do Estado de São Paulo. Nunca trabalhou fora. Sempre ouviu que tinha que ser uma boa esposa. Que mulher precisava cuidar de casa. Que ela tinha que ser boa mãe. Saber cozinhar e saber obedecer seu esposo. Por anos ela fez tudo que lhe disseram pra fazer, mesmo odiando cozinhar. Mesmo odiando passar seus dias presa em casa. Mesmo sonhando conhecer as praias do Rio de Janeiro, ela nunca pediu pra sair de São Paulo.
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Hely & Enna
Teen FictionQuanta diferença oito minutos podem fazer na sua vida? Para Enna Wilson, 8 minutos é a diferença no tempo e espaço entre uma vida perfeita e uma vida cheia de azar. Depois de perder seu tão desejado estágio de verão, Enna decide arquitetar um plano...