Quanta diferença oito minutos podem fazer na sua vida? Para Enna Wilson, 8 minutos é a diferença no tempo e espaço entre uma vida perfeita e uma vida cheia de azar. Depois de perder seu tão desejado estágio de verão, Enna decide arquitetar um plano...
A resposta de Alice para mensagem enviada por Hely vem no exato instante em que eu pego o quinto envelope. Ele tem uma cor verde e um desenho de bolinhas. Como os outros, ele tem meu nome escrito em letra caprichosa, mas a diferença é que dá pra sentir que tem algo além de uma carta dentro dele.
Eu estou curiosa pra abrir, mas antes respondo Alice.
"Tudo bem?" pergunto. Eu não sei como prosseguir. Mas acho que vou aceitar o convite pra sair. Pode ser legal e eu acho que preciso começar a "fazer coisas da vida". Eu não tenho lá grandes histórias pra contar. Nem amigos pra chamar de meus. Não costumo sair muito de casa, exceto para coisas como a faculdade e os passeios diários do Bowie, que são coisas obviamente essenciais a vida de Enna na casa dos Wilson. Ainda que Alice se interesse realmente por meninas (o que eu não sei se é verdade) e ainda que ela esteja dando em cima de mim - e não apenas me chamando amigavelmente pra sair - essa pode ser uma experiência válida.
E eu não preciso beijar ninguém se não quiser.
"Tudo bem" ela responde depois de alguns instantes. "Um amigo meu vai tocar num barzinho de música ao vivo amanhã. Vou com uma galera, você quer ir?" ela envia.
"Parece legal" respondo. Eu nunca fui num bar com música ao vivo. O lugar mais parecido com um bar que eu frequento, é o Brooklyn Bar, que é aquele lugar onde eu encontrei o Henry antes de ele terminar com a Hely; e é também muito mais uma lanchonete pra pessoas desajustadas do que um bar propriamente dito.
"Então você vem?" ela pergunta, mandando em seguida um emoji de olhos estrelados que parece animado.
"Sim!" respondo imediatamente.
"Tá bom, te vejo na estação de trem amanhã as oito" ela responde. Em seguida chega um emoji sorridente e grande. Eu sorrio comigo mesma ao pensar que eu tenho uma amiga que vai me levar pra sair com os amigos dela e tenho um cara que secretamente gosta de mim. Muitas coisas mudaram nos últimos dois dias pra cá.
Deixo o celular de lado e abro quinto envelope.
"27 de maio de 2017
Cara Enna,
Carol e eu terminamos. Sim, duas semanas depois de termos começado alguma coisa, colocamos fim em tudo. Eu achei que a coisa certa era dizer pra ela que eu gostava de outra garota. Achei que ela fosse entender, quando contei a história de como tinha te conhecido e me apaixonado. Queria esclarecer que ainda sentia isso, mas que estava disposto a tentar me relacionar com ela de verdade. Mas não deu muito certo aparentemente. ela disse que eu era lunático e obsessivo e que eu não podia sair por ai dizendo que estava apaixonado por uma garota com a qual eu nem conseguia conversar.
Bom, então essa semana eu falei com você. Você tinha ido até a biblioteca da faculdade. E eu sempre vejo você entrando e saindo de lá com livros na mão. Nunca são livros de matéria, mas sim de leitura e eu fico na duvida sinceramente de qual curso você está cursando. Não tive coragem de te perguntar.
Só perguntei se o livro que você estava devolvendo era bom. Era Dom Quixote. O que você disse que pegou o volume errado, por isso estava devolvendo. Aquele era o segundo e você ainda não tinha lido o primeiro. Eu disse que estava procurando algo pra ler e pedi opinião, então tivemos o seguinte diálogo.
– O que você gosta de ler? – você perguntou.
– Acho que me dou melhor com os clássicos – observei. Eu queria parecer legal, e você deu um sorriso, como se soubesse que é mentira.
– Procura pelo "Apanhador no campo de Centeio" ou "O Sol é para todos" – você disse e depois disso me deu as costas e foi pegar seus próprios livros.
Bom, eu peguei os dois.
A história de Holden, de "O apanhador" é triste e ao mesmo tempo cômica. É um bom retrato da adolescência e da depressão. Eu li em um dia, o que me deixou meio triste, porque a gente espera mais quando acaba. Descobri que o livro nunca virou um filme, porque o Holden não gostava de cinema. Achei isso muito conveniente e sensato.
Depois eu li "O sol é para todos" e eu acho que esse sempre vai ser meu livro favorito na vida. Eu adorei a história das crianças, a forma como o Atticus defende o homem negro mesmo que isso basicamente lhe custe a carreira. Acho que você sabe do que eu estou falando. Você me indicou o livro. Enfim, depois eu vi o filme, que é bem antigo, ainda em preto e branco e com o Gregory Peck. Eu prefiro o livro. Mas é só porque sei lá, os personagens da minha cabeça são mais legais.
Queria poder te contar as coisas que eu achei em detalhes. Ouvir o que você tem a dizer sobre as mesmas leituras.
Queria conseguir falar com você mais vezes.
Carol está certa afinal. Eu não posso me apaixonar por uma garota com que eu nem consigo falar.
Eu deveria tentar, Enna."
Eu fecho os olhos, porque finalmente eu sei quem é essa pessoa que me escreve.
Porque existe uma história muito louca permeando isso tudo agora. Uma história em que ninguém acreditaria se eu contasse.
Eu abro o envelope pra pegar a outra coisa que havia dentro dele, além da carta. É um colar de pássaro, feito de um material escuro e rosado que lembra bronze. E eu sei porque esse colar: Porque o titulo original do livro que eu indiquei é "To kill a Mockingbird", o que poderia ser traduzido literalmente como "Para matar um passarinho", mas na verdade quer dizer "Para matar a esperança".
Naquela semana, ele falou comigo mais uma vez, apenas pra dizer uma frase:
"Não mate os pássaros, Enna".
E agora eu sei que ele estava falando de eu não acabar com as esperanças dele. Só que naquela época eu não entendi. Eu nem lembrava desse dia na biblioteca pra ser sincera.
Mando uma mensagem pra ele:
"Oi Eric".
"Olá" ele responde "Achou o pássaro?".
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