Capítulo 6 - Mais Enna

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Hely chega em casa quando eu estou prestes a abrir o segundo envelope. No momento em que escuto o barulho de chaves na porta, junto todas as minhas coisas que estão espalhadas na bancada e tento esconder os envelopes dentro do caderno.

– Enna? Tudo bem? – ela pergunta. Eu faço um sim com a cabeça e sorrio nervosa.

Provavelmente ela acha que eu estou nervosa, porque ela chegou em casa e vamos ter "a conversa". Eu não tenho medo de brigar com Hely. Tenho medo que ela veja o que estou escondendo. Porque estou pulando de felicidade e não quero que ninguém saiba.

É a primeira vez em muito tempo que uma coisa legal acontece comigo. Não quero ver Hely estragar tudo e sinto que se eu contar pra ela, algo ruim pode acontecer.

– Queria pedir desculpas por como falei com você mais cedo – ela diz. Mas sinceramente, ela não parece se importar muito.

– Tá bom – faço. Eu quero apenas ir logo pro quarto, formular teorias que expliquem quem era aquela pessoa e porque eu só recebi as cartas agora. Acho que estou tendo um crush por alguém que eu não sei quem é.

– Bom, eu acho que você está chateada – diz organizando as coisas dela no sofá, e pondo pra trás uma mecha do seu reluzente cabelo loiro – Eu queria pedir desculpas. Estou triste pelo Henry e eu só descontei em você.

– Tudo bem – repito. Penso comigo "Porra, Hely! Para de falar eu quero ler minhas cartas!"

– Posso fazer uma pergunta?

– Pode.

"Por favor, vai logo". Penso.

– Você me odeia?

– Não – eu digo. Eu não odeio minha irmã. Eu só odeio o que ela faz na minha vida. Eu só queria poder ser mais Hely e menos Enna.

Quer dizer, não agora.

Agora eu quero ser eu. Recebendo cartas e tudo mais.

– Henry terminou comigo – ela diz. Ela é tão perfeita e ao mesmo tempo tão clichê, que ela prende o cabelo num coque bagunçado e frouxo e ele fica simples e lindo. No meu cabelo esse penteado "prático" parece um ninho de ratos. – Eu menti.

– Hely, eu sei. Eu sai com ele ontem.

– O que você disse pra ele? – ela pergunta com um tom de voz que não tem raiva, mas tem certa amargura.

– Nada. Ele ficou falando e só – digo – Ele disse que talvez não gostasse mais de você, porque você é linda, mas também é difícil. E foi só isso. E eu disse pra ele fazer o que achava melhor pra ele, porque de todo jeito eu não ia querer você com um cara que nem te ama. Você merece alguém que goste de você de verdade.

Hely ficou estática. A beleza dela pareceu ficar fosca naquele instante. Ela abriu a boca, mas não disse mais nada.

– Desculpa – falei, mas nem sabia se devia me desculpar, esperar um agradecimento, abraçá-la ou correr. Então apenas subi as escadas.

Eu e minhas coisas secretas.

Entrei no quarto e larguei todas as coisas na cama. Olhava as cartas como se fossem preciosas. Como se pudessem mudar a história da humanidade.

Bom, elas podiam mudar a minha vida.



Pego o envelope rosado da carta 2. Nele tem flores, e não parece tão antigo quanto o primeiro. Ele parece ter sido escrito há pouco tempo. Olho todas as cartas pela cama, com minha agenda, meu computador e tudo. E eu não sei no que pensar.

Quem escreveu não uma, mas OITO cartas para mim? Que pessoa maluca. E também que ser humano adorável! Às vezes eu penso que Hely tem sorte de ser diferente de mim. Muita sorte mesmo. Sorte por ter nascido oito minutos antes e ser a filha mais velha. Por ter covinhas adoráveis, que combinam com suas sardas. Por ter o nome que lembra algo cintilante, por parecer uma fada doce que saltita por aí. Ela tem sorte de não se chamar Enna e não ser como eu.

Eu sou a filha azarada. Zero covinhas, zero sardas. Pareço uma espécie de bruxa que não se formou em artes das trevas. Eu obedecia as ordens, porque sou a filha mais nova. Oito minutos mais nova! Eu não tenho sorte. Nem amigos como Hely.

Mas eu tenho um cara, em algum lugar dessa cidade que me amou e escreveu cartas para mim.

Eu também tenho um cachorro, que é meu melhor amigo, e cujo o nome devia ser Boe, mas é Bowie. Esse mesmo cachorro amarelo e atrapalhado que está comendo tranquilamente a escova de cabelo do meu pai no tapete do meu quarto enquanto abana o rabo despreocupadamente. Bowie teve seu nome escrito errado nos seus documentos de cachorro, o que é engraçado. Ele poderia ser diferente se fosse Boe. Eu podia ser diferente também se fosse Hely, ou Helena.

Mas será que eu seria realmente mais feliz?

Essa é a primeira vez na vida que eu estou feliz em ser menos Hely e mais Enna.

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