Vícios e Vínculos

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O táxi cursava as ruas numa velocidade moderada, dentro dele, Victor se pôs a pensar. Tinha opinado por um conjunto mais despojado _ calça jeans escura com alguns rasgos sob a coxa, camisa polo cor chumbo e colete com animal print de pele de cobra e alguns acessórios como relógio, corrente com pingente de cruz, pulseira e o par de brincos masculino em forma de argola que não usava a tempos _ não sabia a que lugar a morena iria escolher para jantarem ou simplesmente passear, seus cabelos estavam presos num rabo-de-cavalo alto que deixava apenas a franja solta e jogada para trás da orelha, os olhos cerúleos miravam para fora do vidro do automóvel. Yuuki tinha marcado de se encontrarem num parque que ficava um pouco longe de seu hotel então demoraria um pouco para chegar, estava um pouco atrasado e esperava que ela não se importasse muito com isto. Por alguma razão seu coração estava apertado e um ar de angústia e expectativa pairava sobre ele, estava mais sério que seu normal e sentia, no fundo de seu ser, que aquela noite o traria muito mais do que poderia imaginar.

***

Este mundo é cruel, esta era a visão do loiro. O quarto estava escuro, apenas um abajur iluminava a cama em que Yuri Plisetsky estava sentado em posição de lótus, o silêncio era quase que sepulcral, sendo cortado apenas pelo barulho da borracha que ele amarrou em seu braço, fazendo as veias se encherem com o sangue vermelho e ficarem mais evidentes na pele branca. Pegou a pequena seringa que continha uma quantidade razoável de um líquido amarelado e transparente e perfurou a veia mais protuberante, despejando lentamente o líquido para dentro de si. Os dentes claros e perfeitamente alinhados se fecharam contra o rolinho de tecido que impedia o som de escapar enquanto a dor lhe percorria o braço, aquela que era sua velha amiga, sua companheira de longa data que após o fazer sofrer lhe trazia prazer.

A heroína não era um saída muito saudável para seus problemas, mas era a mais eficaz. Se largou contra o colchão quando terminou todo o processo a qual estava tão habituado, tão acostumado que tudo era automático. Sua visão começou a embaçar e seu coração acelerou, era quase como correr ou ter uma noite intensa de sexo. Apesar desta última não ser tão agradável ao loiro, pois foi justamente o sexo que o levou ao vício, a vala mais profunda que um ser poderia chegar.

“Este mundo é cruel; somos nós que fechamos nossos olhos e ignoramos esta realidade, a maquiamos com fantasias e cores, sonhos que nunca se concretizaram… Mas mesmo assim nos agarramos a estes mesmos sonhos impossíveis, pois este mundo seria frio demais sem eles

Kurorra”

Ainda lembrava quando não tinha que recorrer a estes artifícios destrutivos para se tranquilizar, quando corria para os braços de sua mãe ou ao escritório de seu pai para ouvir histórias de guerreiros e dragões, princesas indefesas e príncipes heróicos, quando era tão pequeno que encaixava perfeitamente em baixo do piano de sua avó junto com seu irmão e o Terrier negro, o mascote da família Plisetsky. Essa era sua Belle époque, onde tudo era sonhos, cores e sorrisos, era caloroso e acolhedor... antes deste mesmo paraíso o jogar em direção ao inferno.

Sua vida foi um completo Éden até sua adolescência, seus pais, executivos poderosos e ambos alfas, eram carinhosos consigo e com seu irmão gémeo Andrey. Foi uma festa esplendorosa quando seu irmão despertou como um alfa, mas ele se atrasou em apresentar um segundo género, o que fez com que todos acreditarem que ele era um beta.

E como desejava que fosse verdade.

Mas, numa noite que tinha tudo para ser a melhor de sua vida, seu aniversário de quinze anos, passou muito mal e foi acudido por um de seus primos, este por quem guardava secretamente uma paixão.

Ele havia entrado no cio, despertado tardiamente e violentamente como um ômega, e antes que desse conta disso, seu cheiro atraiu seu primo ao coito. Poderia dizer que foi uma noite maravilhosa pois a pessoa que desejava o havia tomado, de uma forma profunda e prazerosa, mas não, foi sua perdição. Seu primo era noivo da herdeira de uma poderosa família de herança militar russa, Mila Babichieva, e o pai dela os pegou naquela situação. Isto ocasionou um problema diplomático que só teve fim quando o patriarca da família Plisetsky entregou seu filho mais velho, Yuri, para o pai da noiva _ mesmo com a moça insistindo que o ômega não tinha culpa sobre o que aconteceu, que era apenas uma fatalidade ocasionada pelos instintos primitivos. Deste dia em diante não houve paz para o ômega durante torturantes dois anos. Abusos, humilhações e medo era tudo o que teve durante este tempo. Não tinha direito a nada, a palavra liberdade não existia para ele, era apenas um objeto para ser usado ao bel prazer do patriarca daquela família, até o homem se cansar e vendê-lo para um bordel.

Foi lá que conheceu o mundo ilícito das drogas, e este foi seu refúgio de tudo aquilo. E durante um ano e meio, não houve dia em que não tivesse seu corpo tomado por algum alfa a qual tanto detestava ou que não tivesse que dançar sobre um palco para diverti-los. Odiava aquela vida, odiava seu pai por ter valorizado os negócios acima de seu laço sanguíneo com seu primogénito, odiava sua mãe por não ter feito nada além de chorar, odiava a tudo aquilo. Odiava a todos!

Conseguiu fugir quando enganou um de seus clientes em um motel, enchendo sua bebida com algum sonífero potente _ que conseguiu com o traficante que lhe conseguia suas válvulas de escape. Comprou uma passagem só de ida para São Petersburgo, onde planejava encontrar seu avô Nikolai, que vivia separado do restante da família por ter discutido com sua filha, mas o idoso já não morava mais naquela cidade. Não sabia quanto tempo ficou nas ruas roubando para sobreviver, mas com certeza era melhor do que estar naquele lugar. Foi em uma dessas noites que tentou assaltar Yakov, usando a mesma tática que sempre,uma abordagem furtiva e ameaça de morte com um canivete no pescoço, não vira que este estava acompanhado e notou apenas quando Victor já o tinha rendido contra a parede de um beco. Naquele momento, onde aqueles dois alfas o tinham obrigado a falar tudo, não sabia se tinha tido sorte ou azar. Achou que iria morrer ou que serviria de brinquedo novamente.

Se desesperou quando estes se entreolharam depois de ouvir tudo o que o ômega dissera, e sem falarem nada um com o outro, Victor o arrastou até um carro branco de vidros escuros estacionado a alguns metros de onde estavam. Tinha pensado que era seu fim, imaginou todas as formas possíveis deles o matar. Mas estava enganado. Eles o acolheram, o devolveram tudo aquilo que havia perdido junto a sua dignidade, chegou até mesmo a confundir a gratidão que tinha pelo prateado mais novo com amor _ mas tinha desmentido isto para si mesmo.

Todavia, mesmo estando feliz e seguro de si novamente, tudo vinha a sua cabeça durante a noite. Pesadelos com os abusos horrendos, medo dos olhos que o observavam e o nojo do coito, a dor do maldito nó. Passava noites em claro, chorando e soluçando como uma criança perdida e nem todos os cobertores que tinha naquela grande cama o conseguia esquentar. E foi nessas noites que começou a buscar novamente por aqueles escapes rápidos e eficazes, para recuperar seu sono, sua tranquilidade. Sua paz.

Sabia que era errado, sabia que estava se envenenando pouco a pouco, porém…

Quando se cai para o fundo de um poço; é impossível sair sem que alguém estenda a mão.

Heart Of Kaleidoscope [Victuuri/ Otayurio]Onde histórias criam vida. Descubra agora