Três

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Acordei um pouco tonta. Era terça feira e eu ainda estava empolgada para ir a faculdade. Olhei a tela do meu celular e abri uma mensagem enviada por Mika as duas da manhã.

"Passo aí às sete. Beijos."

Fiquei impressionada com a hora que ela mandou a mensagem, contando que ela devia descansar para as aulas.

Bocejei e me levantei, ciente de que ainda tinha um bom tempo até às sete. Arrumei a minha cama e fui para o banheiro, pois minha bexiga parecia prestes a explodir.

Escovei os dentes e tirei a roupa, me enfiando em baixo do chuveiro. Eu gostava da água bem quente, naquela temperatura capaz de derreter a pele, ou então não tinha graça em tomar banho quando se está frio.

Me enrolei na toalha e abri a porta, só para depois congelar. Não era com o frio e nem nada, mas sim com o homem apenas de cueca parado na minha frente enquanto esfregava os olhos. Quando ele os abriu e me viu, senti meu rosto ficar vermelho. Ele me olhou de baixo a cima e prendeu o lábio inferior entre os dentes. Tentei conter a ânsia e fui para o meu quarto, trancando a porta.

Eu odiava homens me olhando como se fosse minha obrigação dar alguma visão privilegiada a eles. Era nojento, patético e machista.

Me vesti com roupas bem quentes e escovei os cabelos, deixando-os soltou em volta do meu rosto. Coloquei uma touca verde e amarelo na cabeça e peguei meus materiais.

—... Mas não daquele jeito, rapaz. —Uma voz grave falava de dentro do quarto de Gabriel.

Passei pela porta entreaberta antes que aquele homem me visse e olhasse daquela forma novamente para mim. Eu precisava falar com Gabriel. Papai não ia gostar de saber que ele levava homens mais velhos enquanto eu dormia no quarto ao lado.

Cheguei na cozinha e preparei um café, colocando minha xícara em cima do balcão e me servindo.

—Esse cafezinho cheira tão bem.

Olhei para ele, me encarando descaradamente enquanto se apoiava na soleira da porta. Dessa vez estava vestido com  um casaco cinza e calças  jeans. Fiquei tão nervosa com aquele olhar carregado de segundas intenções que acabei queimando a minha mão.

—Cuidado, benzinho. —Ele disse, vindo até uma das cadeiras e se sentando. —Será que você pode me dar?

Aquela frase saiu lenta e cheia de pretensões. Eu não conseguia me sentir pressionada e nunca antes estive tão próxima de alguém que me olhasse daquele jeito. Ele parecia a qualquer momento partir para cima de mim a fim de tentar alguma coisa.

Foi a primeira vez na vida que eu quis que Gabriel estivesse ali.

Sem dizer nada, coloquei café na xícara e empurrei pra ele, me virando para pegar outra xícara para mim. Me inclinei sobre a pia e o ouvi atrás de mim.

—Hum... —Saiu de sua garganta de forma lenta e nojenta. Apertei os olhos e alcancei a xícara, sem me virar —Uma delícia.

Pisquei para afastar as lágrimas. Aquilo era horrível, eu nunca tinha passado por algo parecido antes. Era como se ele fosse um tipo de aproveitador. Meu Deus, o cara tinha o dobro da minha idade, aparentemente. Não tinha um pingo de educação ou respeito.

E o pior era saber que Gabriel não estava nem aí. Ele sabia que eu tinha medo de coisas assim.  Acompanhava noticiários sobre estupro e tentativas de estupros. Eu não suportaria passar por isso algum dia. Nunca.

Desisti de tomar café, não queria ficar mais um minuto ali dentro. Falaria com Mika e tomaria café em algum outro lugar.

Peguei meu material em cima da bancada e fui surpreendida quando o homem, que até agora eu não fazia ideia de quem era, segurou o meu pulso e sorriu, me olhando de canto.

—O gato comeu a sua língua, princesa? —Me soltei com um puxão e passei por Gabriel, que havia acabado de chegar na cozinha, empurrando seu ombro com força.

Só do lado de fora eu deixei alguma lágrima besta escorrer dos meus olhos.

Eu tinha muito o que aprender com a vida. Lhe dar com gente assim, principalmente.

(...)

—Mais que grande imbecil! —Exclamou Mika, quando lhe contei o ocorrido.

Ela estava tomando um capuccino e eu um café com algumas torradas. Mika estava emburrada, enquanto parecia pensar um pouco. Ela se sentou na mesa a minha frente e me olhou.

—Esse seu irmão é bem babaca, né?

—Não o considero irmão, mas que ele é babaca você ainda pergunta? Nos odiamos desde sempre, muitos anos se passaram e ele continua o mesmo idiota. Se o meu pai soubesse...

—Porque você não conta? —Me interrompeu ela.

—Ah, não. Ele não ia gostar.

—Por isso mesmo, Louisa. Se faça mais de vítima do que você realmente é. Liga pra ele e faça uma cena, dizendo que se sentiu mau e que não foi a primeira vez que Gabriel fez isso, desde que chegou. —Ela se inclinou e me olhou de forma tão engraçada que eu ri —Você o odeia, né? Então, foda com ele.

—Eu o odeio mais que tudo. Só que eu não posso. —A olhei, pensando por um momento —Ou posso?

—Você só não pode, como também vai fazer.

—Você tem razão, Mika. Eu sou boazinha demais. Tá na hora de ele pagar o que eu tive que passar hoje de manhã.

—É assim que se fala, amiga. Vou ir no banheiro, aproveita isso pra poder ligar.

Balancei a cabeça e peguei o celular, vendo Mika se afastando. Conferi as horas, quase dez minutos para as sete. Eu sabia que o meu pai se levantava cedo por causa do trabalho, o que significava que ele me atenderia.

Só que quando eu ia discar seu número, Gabriel me ligou.

Fiquei uns segundos olhando pra tela e de repente sai de transe. Ignorei a chamada e liguei para meu pai.

—Lou, como você está?

Sorri. Eu adorava voz entusiasmada do meu pai. Ele era animado até com constipação. Uma pena que ele e mamãe não deram certo.

—Eu não sei bem. —Falei baixo. Ele sempre notava quando eu estava triste.

—Filha, o que foi? —Logo senti sua preocupação.

Respirei fundo.

E se eu não devesse contar? Não queria dar preocupações demais pra ele. Ele não merecia.

—Gabriel, não é?

Aquilo tornou as coisas mais fáceis. Com o tom de voz suavemente baixo e entrecortada, contei a ele o que houve pela manhã. Exatamente como eu me senti e como o amigo de Gabriel havia me olhado. E realmente, foi a pior sensação da minha vida.

—Não é porque não nos damos bem que ele tem o direito de colocar um marmanjo dentro de casa pra me assustar, papai. Eu realmente tô com medo de voltar e ainda encontrá-lo.

—Ah, Lou. Eu não acredito que o Gabe fez uma porra dessas. —Ele suspirou —Desculpe pelo palavrão, filhinha. Eu vou ligar pra ele. Papai promete que você pode voltar sem medo algum. Gabriel nunca mais vai levar homem para perto de você, meu amor.

Sorri. Eu amava o meu pai. Nos dávamos tão bem e ele me tratava como a caçula que eu era. Pensava que depois da separação meu pai nos abandonaria, mas na verdade ele soube dividir exatamente o tempo dele para os três filhos, apesar de Gabriel não ser filho dele de sangue, meu pai o cria desde seus quatorze anos.

—Obrigada, papai. Eu amo você.

—Eu amo você, meu amor. Não se assuste com aquele besta do seu irmão.

Revirei os olhos. Todos insistiam em dizer que éramos irmãos, mas por Deus! Nem daríamos certo como primos distantes.

—E aí? —Mika estava de volta.

—Meu pai disse que vai dar um jeito. —Eu sorri e agarrei meus materiais —Vamos?

—Sim, preciso te apresentar para algumas pessoas.

Atração sem LimitesOnde histórias criam vida. Descubra agora