Dois

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Ainda não havia conseguido um emprego, mas não significava que eu tinha que ficar em casa com as pernas pra cima.

Principalmente se a casa fosse de um inútil que não conseguia mantê-la organizada.

Fui até uma loja do outro lado da rua e procurei por um lençol novo e um cobertor quentinho. O dinheiro que Daphne me entregou no aeroporto foi um dinheiro bem gasto. Também comprei um porta-retrato para colocar a foto de mamãe e Daphne ao lado da cama, em um pequeno criado mudo velho e amarelado.

Limpei a casa e lavei a louça que estava acumulada na pia. Meu pai disse que Gabriel não estava ali mais do que uma semana e ele já conseguiu deixar a casa empoleirada com seus lixos desordenados, era até engraçado. Mas não podia esperar coisa melhor vindo dele, Gabriel sempre foi um desorganizado em relação a bagunça.

Por último, foi a vez de arrumar o quarto dele e eu realmente fiquei me perguntando se ele merecia. Mas quando abri a porta e senti cheiro de suor e sexo, fiquei completamente convencida de que eu precisava desinfetar o lugar.

Seu quarto tinha paredes escuras, não sabia se eram pretas ou azuis de um escuro profundo. Ele não tinha nenhuma foto, nem com sua mãe e nem com amigos. Havia um violão ao lado da cama e eu fiquei me perguntando se ele tocava. Se sim, eu nunca saberia. Eu e Gabriel nos conhecíamos bastante, a muitos anos, mas nem tudo sobre o outro, até porque usaríamos isso de alguma forma para atingir o outro.

Quando terminei a faxina, achando uma ou duas calcinhas que peguei com a luva de limpeza e joguei no lixo, fui para o banheiro e tomei um banho bem longo e quente. Eu desinfetei seu quarto, agora precisava me desinfetar.

Fui para o quarto enrolada em uma toalha e separei um pijama de moletom bem quentinho e aconchegante para usar. Mantive meus fios loiros presos em um grampo e fui para a cozinha, quando senti a fome me incomodar.

Olhei no freezer, a procura de algo para o comer e tudo que encontrei foi Nuggets e uma lasanha congelada. Fiz o bastante para dois, eu não sabia se Gabriel iria ou não jantar em casa, já que ele estava fora o dia todo.

Contive a vontade de sabotar o jantar, caso ele decidisse comer e arrumei tudo sobre a mesa.

Não esperei por ele, queria estar dormindo quando ele chegasse, só para não nos esbarramos. Mas infelizmente, assim que me sentei na mesa com o prato de comida cheirando deliciosamente a minha frente, a porta se abriu e fechou atrás dele, que balançava a chave enquanto se aproximava da cozinha.

Revirei os olhos como de costume toda a vez que estávamos perto.

—O que você fez com a minha casa? —Perguntou, olhando em volta e notando tudo impecável.

—O que você deveria ter feito antes. —Respondi, dando uma garfada na lasanha e tentando ignorar sua silhueta ao meu lado.

—Não gosto de saber que você tá por aí fuçando o que não é da sua conta.

Ignorei e continuei meu jantar tentando não ficar irritada. Ele finalmente se virou e foi para o quarto, batendo a porta.

Meio segundo depois, ele soltou um "puta merda" e saiu do quarto feito uma bala.

—Você entrou no meu quarto?

Huhum.

—Com permissão de quem, sua retardada? Não sei se você sabe, mas só entra lá dentro quem eu quero comer! Você tá longe de ser essa pessoa, o que significa que você tá proibida de voltar lá de novo!

Hum.

Hum? Ah, idiota!

—A propósito, Gabriel —Olhei pra ele pela primeira vez desde que chegou —encontrei duas calcinhas que estavam embaixo da sua cama e agora estão no lixo. Espero que não se importe. —Sorri, de maneira debochada e continuei meu jantar.

Gabriel bufou, se virou e voltou para o quarto. Não o vi durante o resto da noite.

(...)

Acordei animada para voltar a famosa faculdade da Inglaterra. Eu tomei um banho rápido e quente e usei meu conjunto de moletom peludo e aconchegante, com um sobretudo marrom. Calcei minha sapatilha com um pingente que nunca de fato descobri o que era e me olhei no espelho. Aquela roupa realmente era quente.

A universidade de Cambridge estava cheia, eu realmente duvidava que poderia conhecer cada canto dela. Acho que nunca me cansaria de olhar o extenso gramado, tão verde que deixava tudo a sua volta mais alegre. Parecia um castelo, ou um palácio, exatamente da forma que eu vi em fotos. Exatamente como eu esperei.

As pessoas passavam por mim entretidas com seus telefones, namorados ou alguma conversa aleatória em um grupo de amigos. Caminhei sorrindo e alegre para dentro, a fim de começar meu segundo dia e mais tarde poder conhecer logo o resto de tudo aquilo.

Mika, uma linda garota com seus olhos azuis e cabelos platinados, que tinha um corpo de dar inveja mesmo sobre toda aquela roupa e um jeito tão natural que me fez adora-la logo na primeira conversa, foi a encarregada de me apresentar o lugar. Ela cursava Bioquímica e morava na mesma rua do apartamento de Gabriel. Tinha uma linha extensa de médicos e farmacêuticos na família. Ela era incrível. Eu havia achado uma amiga com quem ir para a aula e para me apresentar a cidade também.

—Você vai adorar isso aqui —Disse, depois que me mostrou o máximo que pôde —É só se destacar entre os alunos e os professores vão logo te paparicar. Não sei como não me avisaram de você ontem.

—Obrigada, Mika. —Sorri, encantada com toda aquela beleza de Cambridge— Não sei como poderia te agradecer.

—Você acabou de fazer isso. —Ela me deu um beijo no rosto e se virou —Me espere lá fora depois da aula, eu te levo pra casa.

Mika caminhou elegantemente até virar no corredor e eu já não conseguia mais respirar de forma pacífica, enquanto caminhava para meu primeiro horário.

(...)

Depois das aulas, de conhecer mais um pedaço da faculdade e alguns outros professores, esperei Mika no estacionamento. Acabei descobrindo que ela morava em um casarão na mesma rua que o apartamento de Gabriel. Prometeu que também logo sairíamos e que todos os dias me levaria pra aula. Eu não reclamei, afinal, aquilo era perfeito. Eu poderia sair com ela e seus amigos e assim passar menos tempo ainda em casa com aquele estropício.

No final da noite, quando eu já estava deitada pronta para dormir, liguei para Daphne. Eu havia falado com mamãe duas vezes depois de chegar, mas ainda não havia falado com Daphne.

—Oi. —Ela atendeu, depois de um tempo.

—Oi. —Suspirei. Estava contente com a faculdade e queria contar para alguém. —Conheci uma amiga hoje.

Contei para Daphne exatamente como era Mika e todo o pessoal de Cambridge. Ela ouviu em silêncio e atenção. Quando terminei, ela suspirou.

—Eu fico feliz que já tenha feito amizades e que tudo esteja indo bem.

—Tirando o fato de que eu estou morando com a pessoa que eu mais odeio. —Murmurei e me deitei de bruços.

—Ignora o Gabriel e tenta focar na faculdade. Eu não entendo muito bem como vocês dois juntos pode dar certo aí, mas o papai deve confiar nele.

—É. Não é como se ele realmente fosse me matar. —Sorri e olhei para minhas unhas com esmalte desbotado. —Mas eu, ao contrário, poderia fazer isso facilmente.

—Só não faz cagada, Louisa. Eu sinto falta de você e não quero que esse tempo longe seja em vão. Você só precisa ter foco.

—Você me conhece, Daff. Eu sou centrada. E não sei que tipo de cagada eu poderia fazer que...

Ouvi alguns risos vindo do corredor e olhei para a porta com um pouco de preocupação. Pareciam mais homens do que geralmente eu já havia ficado sozinha antes.

—Eu tenho que ir agora.—Falei para ela —Eu te amo, Daff.

—Eu te amo também, Lou. E por favor, não faz cagada. Boa noite.

Sorri e desliguei o celular. Não sei que insistência toda era aquela com cagada. Qual poderia ser a pior coisa que eu faria longe dela?

Bocejando, fui até a porta e a tranquei.

A última coisa que queria era os amigos bêbados daquele idiota invadindo meu quarto de madrugada.

Atração sem LimitesOnde histórias criam vida. Descubra agora