Adeus Reformatório

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Se a ideia central dos reformatórios for fazer com que os jovens se arrependam e repensem seus atos, sinto informar que não funcionou comigo. Ainda sou a mesma pestinha imprudente e impulsiva de oito longos meses atrás, vou sair daqui da mesma maneira que entrei. Finalmente vou estar de volta à civilização, de volta para minha casa e para os meus amigos, ou melhor dizendo, minha única amiga.

Amanhã minha mãe virá me buscar e vou ter meu quarto de volta, terei internet novamente, vou voltar a ser feliz. Depois que resolver meus assuntos pendentes, claro, ai sim vou me permitir a felicidade.

Acabei de jantar aquela gosma de carne, arroz e feijão e agora estou arrumando minha mala. Não tenho muitas coisas para organizar, já que aqui se usa uniforme e não tenho a mínima intenção de levar esses pijamas azuis comigo. Já guardei as peças íntimas, meus livros e fim, tudo pronto para minha volta ao mundo real, o assustador lado de fora. Acreditem, por mais que Rasclood possua diversos "reclusos" perturbados, a minha cidade ainda consegue superar esse lugar. Lá os demônios se escondem e é muito mais difícil se defender daquilo que se perde por trás de máscaras, que não mostra sua verdadeira face do que de loucos escandalosos.

Tento dormir cedo para acordar bem disposta, mas estou ansiosa demais para isso. Fico pensando no plano e em como será voltar para escola no meio do ano letivo, em como será a reação daqueles imbecis ao ver que eu estou de volta ao jogo. Estou pronta para mexer nos escombros, vou revirar todo aquele lixo humano até que todos os segredos fiquem visíveis.

Depois de muitos devaneios, finalmente consigo pegar no sono, porém desperto de meia em meia hora, às vezes por ansiedade mesmo, mas na maioria delas por causa dos pesadelos de sempre. No último eu estava no colégio e uma criatura loira com o rosto desfigurado me perseguia, mais um sonho onde a vida e a morte a minha volta se misturam.

Acordo suando, olho para o relógio e são cinco da manhã, resolvo não dormir mais, daqui à uma hora virão verificar se me levantei e as seis e quinze estarei tomando café pela última vez nessa prisão.

Pego um livro para terminar de ler e quando olho as horas outra vez, já estou atrasada para o café. O lado bom dos uniformes é que eles parecem pijamas e por isso me acostumei a dormir com eles. Só escovo os dentes e vou, não preciso pentear o cabelo por que ele é curto, tipo Joãozinho.

No refeitório me sento sozinha em uma mesa afastada. Mas eu não passei esses oito meses sentando sozinha, arrumei, por incrível que pareça, um namorado. As pessoas acham que sou lésbica, porém isso não passa de outra mentira que aquele ser odioso inventou. Elliot é um cara legal, tirando o fato dele ter passado um tempo no reformatório por tráfico e consumo de drogas, enfim, agora isso é irrelevante .Há três semanas ele foi liberado, depois de dezessete meses aqui, por estar limpo (esqueci-me de dizer que ele veio parar aqui depois de uma overdose, pequeno detalhe). Vou vê-lo quando sair daqui, minha mãe vai surtar quando eu contar essa novidade, mas foda-se, ela nunca conseguiu me impedir de nada mesmo.

Termino meu café e vou para o meu quarto/cela pegar minhas malas, minha mãe chegará na hora do almoço. Já me despedi de todo mundo que acho importante e isso quer dizer duas pessoas; minha psicóloga extremamente doce e gentil e meu professor louco de matemática que de vez ou outra me emprestava seu celular para eu falar com minha mãe. Dou uma última olhada em tudo e vou esperar minha carona na sala de visitas.

Assisto televisão enquanto espero, está passando um programa sobre distúrbios mentais, odeio esses programas médicos, mas isso é a única coisa transmitida por aqui. O tempo demora a correr e eu começo a andar de um lado para o outro até a hora em que a recepcionista com cara de ''odeio esse trabalho'' me chama.

A Noite Dos PavõesOnde histórias criam vida. Descubra agora