CAPÍTULO DEZENOVE

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PARTE DEZ
> Alexander Lightwood<


     Com exceção da falação desenfreada de Tavvy e, ocasionalmente, de Drusyla, a mesa permaneceu em um silêncio quase mórbido durante todo o tempo em que comíamos a comida mexicana que Isabelle e Clary haviam pedido. Arthur trazia no rosto uma expressão de puro desdém, mas eu imaginava que não fosse o único a enxergar a ansiedade por baixo da máscara que ele exibia. Aquela situação deveria estar enlouquecendo o homem. Só podíamos supor quais argumentos Zacariah tinha usado para conseguir convencê-lo a cooperar sem saber nada do que estava acontecendo.

     Era quase onze horas quando as crianças subiram para dormir e, como se fosse possível, o silêncio até então mórbido se tornou quase catastrófico. Arthur encarava Talita com um olhar homicida agora que seus sobrinhos já não estavam mais conosco. E, se tratando de Talita, obviamente o olhar foi retribuído à altura.

     Se eu fosse Arthur, naquele momento, estaria no mínimo assustado. Covardia? Não, eu chamaria de prudência. Ficar sob o olhar fixo daqueles olhos enluarados era apavorante para qualquer pessoa com sangue nas veias.
 

   — Precisamos fazer uma reunião — Talita falou com uma voz serena demais para ser segura — E é melhor que seja ainda essa noite.
     Troquei um olhar rápido com Jace. Meu irmão visivelmente reparou na tensão que emanava quase em ondas do corpo daquela mulher. Havia algo errado.
     — Imagino que eu esteja proibido de participar dessa reunião — Arthur disparou, colocando um forte tom sarcástico na última palavra.

     Vi uma assustadora veia saltar na têmpora de Talita. Com o máximo de sutileza possível eu saí do meu lugar e me posicionei ao lado dela, minha mão apoiada no encosto de sua cadeira.
 

   A imobilidade total de suas feições me dizia que aquilo não terminaria bem.
     — Sim, Arthur — ela disse — Você está proibido de participar dessa reunião.
     Arthur se colocou de pé.

     — Até quando você acha que pode me deixar no escuro, menina? — rosnou — Você invade nossas vidas, atrai minhas crianças até aqui, convence Zacariah a me persuadir a...
 

   Ninguém nunca ouviu o final daquela frase.
     Talita saltou, agarrou o colarinho de Arthur e o segurou contra a parede mais próxima. Demorou alguns segundos para que eu percebesse que os pés do homem não tocavam o chão.
     Mas o que mais acendeu meus alertas de perigo foi o fato de que o rosto de Talita permanecia inexpressivo. Calmo. Frio.
     Ilegível.
     — Preste atenção, Arthur Blackthorn — ela falou pausadamente — Você não sabe quem eu sou, certo? E continuará sem saber até que eu decida pelo contrário. Mas deixe-me dar um breve resumo da atual situação: Eu não sou alguém com quem se deve brincar; minha capacidade de ser paciente é a única coisa em mim que pode acabar se mostrando medíocre; eu estou longe, muito longe, de minha casa, o que está me deixando bem chateada. Então, resumidamente, você não vai querer me testar.
     E, soltando-o, completou:
     — Mantenha-se longe da biblioteca até que eu termine de conversar com os outros. Chegue vinte metros perto daquela porta e você entenderá o significado da palavra "ira".
     Encarei-a, atônito, e mantive o olhar por tanto tempo que ela se obrigou a me olhar. Assim que nossos olhos se encontraram, seu semblante mudou. Foi uma alteração mínima, quase imperceptível, mas foi o bastante para que eu vislumbrasse um lampejo de algo por trás da calma e da frieza demonstradas.
     Talita estava cansada. E, por algum motivo, triste.
     Não vislumbrei mais nada além de cinco segundos de sentimentos, não quando ela endureceu o maxilar e fez com que a camada inexpressiva lhe cobrisse novamente.

Os Instrumentos Mortais - Cidade dos Anjos Renascidos (concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora