CAPÍTULO TRINTA E CINCO

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     Jace e eu seguimos Alec ao andar inferior. De início pensei que um novo problema havia surgido, mas ele nos disse que havia um conflito interno a ser resolvido e, como não parecia nervoso e sim divertido, assumi que não seria algo importante. O que quer que eu estivesse esperando, no entanto, certamente não era aquilo com que me deparei.
     Zacariah segurava um gato nos braços, o bichano ronronava e aceitava de bom grado o carinho recebido atrás das orelhas pontudas. Isabelle observava aquilo com um misto de diversão e irritação.
     — Então você realmente roubou nosso gato, Zacariah? — Jace surpreendeu-se.
     O outro sorriu.
     — Não. Church era meu primeiramente, portanto apenas o recuperei.
     — Tenho certeza de que ele é nosso — Alec contestou.
     O gato ergueu a cabeça peluda, atento ao assunto, e rosnou para Alec.
     — Isso é fácil de ser resolvido — disse Isabelle — Coloque-o o no chão, Zacariah. Vamos deixar que Church escolha quem ele prefere.
     Não me passou despercebido o leve tremor no canto esquerdo da boca de Zacariah.
     Era isso o que ele queria. Havia trazido o gato com o propósito de desviar o foco da guerra, mesmo que fosse por breves instantes. Assim como Jace ao procurar a sala de música, Zacariah entendia a importância de manter pequenos momentos de alegria.
     O gato, Church, foi colocado no centro do cômodo. Alec, Isabelle e Jace uniram-se lado a lado e iniciaram uma tentativa épica de conquistar a preferência do animal. Zacariah, por sua vez, apenas colocou um joelho no chão e aguardou. Esperei e esperei enquanto o pobre gato virava a cabeça em uma clara indecisão. Minha vontade era simplesmente sair e deixá-los com sua competição descabida, mas percebi que aquela talvez fosse uma de minha últimas oportunidades de desfrutar de um pouco de tranquilidade.
     E, observando o semblante jovial de Zacariah, achei que era uma boa hora para começar a jogar sujo.
     — A regra de que o gato pertence a quem ele escolher ainda está de pé? — perguntei, só para confirmar.
     — Aham — Jace resmungou. Estava totalmente concentrado, como se Church fosse escolhê-lo só pela força de seu pensamento.
     Troquei um rápido olhar com Alec e ele, vendo algo em minha expressão, praguejou.
     — Você não vai fazer isso, Talita — reclamou ele.
     — Desculpe, mas vou sim — e, voltando-me para o gato: — Psiu!
     Church olhou-me no mesmo instante. Abanou a cauda, animado, e saltou em meu colo. Deixei que subisse em meus ombros e cheirasse meu cabelo.
     — Bem — falei — Então acho que ele é meu.
     Isabelle ergueu-se, pronta para discutir, mas Alec segurou-a pela cintura e a levou dali antes que ela conseguisse fazê-lo. Fiquei verdadeiramente aliviada que meu amigo tivesse levado a sério meus conselhos. Mesmo agora, semanas depois, eu não conseguia olhar para sua irmã sem desejar socá-la. Era um impulso, uma raiva mais forte que eu. Quanto mais distante de mim Isabelle Lightwood ficasse, melhor seria.
     Mais tarde naquele dia eu devolvi Church a Zacariah. Ele tentou recusar, alegando que havia sido uma vitória justa. E eu expliquei que, na verdade, não tinha sido. Qualquer animal, em qualquer circunstância, teria me escolhido. O sangue de Anjo era um apelo grande demais para que o bichano conseguisse resistir. Então Zacariah segurou o gato com tocante delicadeza. E, como sempre, avançou em minha direção antes que eu o detivesse.
     Durante toda a caçada naquela noite, minha testa formigava no local onde ele tinha plantado um pequeno e rápido beijo de agradecimento. E cada demônio que matei naquela empreitada foi em nome de um mundo onde aquele Nephilim lindo e bondoso em cujas mãos estava meu coração pudesse recomeçar sua vida. Um mundo onde James Carstairs pudesse voltar a viver.

               🗡️   🗡️   🗡️

     — Houve uma chacina em um restaurante em Londres. Nenhum sobrevivente entre sessenta e sete mundanos. Outras duas famílias foram mortas por bandos de Rahab, uma no México e outra na Tailândia. E o Instituto de Los Angeles foi vandalizado por servos de Seelie. Partes da estrutura estão em pedaços.
     Uma reunião de última hora havia se formado sem grandes alardes. Magnus estava presente, bem como Julian e Emma – que tinham insistido em participar –, mas nenhum de nossos aliados estava ali.
     Ouvimos os relatos perturbadores de Alec em silêncio, mas a adrenalina percorria de forma óbvia a todos. Não, não todos. Eu não sentia-me agitada, apenas resignada. Desde a última caçada, minhas veias pesavam e o Fogo implorava para ser libertado.
     Estava muito, muito próximo agora.
     — A Clave enfim está reagindo — Zacariah disse — Os Caçadores de Sombras estão lutando.
     — Temo que seja tarde demais.
     Ouvi o murmúrio agourento de Magnus, a entonação exausta e quase desolada de sua voz. Com uma descarga de frieza entorpecendo qualquer emoção, eu pensei que talvez não fosse uma má ideia jogar-me aos pés do feiticeiro e implorar. Implorar para que Magnus revelasse qual era o mal que lhe afligia, que contasse porque seus olhos, outrora cheios de vida, agora pareciam mortos. Eu me contentaria com qualquer resposta, desde que ele respondesse algo.
     Os relatos continuaram. Palavra após palavra, a monstruosidade de nossos inimigos assumia as vezes de correntes fechando-se em torno de nossos pescoços. A cada nova informação mórbida, eu relembrava o aconchego do abraço de Tavvy. A cada morte relatada, eu sentia mais uma vez o toque dos lábios de Zacariah em minha face. A cada opinião proferida, o azul dos olhos de Alec preenchia minha mente.
     Sem prévio aviso, a calmaria da batalha assentou-se sobre mim. Cheguei a olhar em volta e, não contente, observei através das janelas. Não havia ameaça alguma por perto. Lá fora tudo se resumia à rotineira confusão de carros e pedestres. Mas meus instintos haviam​ despertado e eu queria saber qual era o motivo.
     Então Zacariah se pôs de pé.
     — Eu sei que o momento não é adequado — disse ele — mas há algumas​ coisas que preciso falar. E temo não ter outra oportunidade para fazer isso.
     Aquilo me fez hesitar. Não podia ser a causa de meus instintos despertos, mas certamente era preocupante.
     — Meu verdadeiro nome é James Carstairs — Zacariah prosseguiu — Portanto, devo desculpas a você, Emma. Escondi minha identidade porque eu estava perdido, mas agora me reencontrei. Você é sangue do meu sangue, Emma, e não pretendo me esquivar disso. A partir de hoje, se você assim desejar, serei o responsável por você.
     Sem esperar que a menina se recuperasse do choque, ele voltou-se para Jace.
     — Fui amigo e Parabatai de Will Herondale — declarou — E essa é a razão pela qual devo tanto à sua família, Jace. Will era meu irmão, minha família. A morte dele fez com que parte de mim morresse também.
     E quando aquele par de olhos castanhos encontrou meu rosto, eu soube.
     Zacariah – James – havia entendido minhas palavras. Ele tinha enfrentado de frente seus fantasmas e, ao que parecia, tinha saído vencedor de sua guerra pessoal. Ao mesmo tempo em que isso me enchia de alegria, também horrorizava-me. Eu havia prometido que, no dia em que ele conquistasse a libertação de seu passado, eu seria sincera sobre meus sentimentos.
     Depois de mentir, depois de fazer com que ele acreditasse que eu me considerava boa demais para um reles humano como ele, eu simplesmente não podia fazer isso. Dar esperança a James – e a mim – seria cruel. Eu o amava... E fazê-lo sofrer me destruía.
     — Talita — começou ele — Você pediu que eu me curasse, então agora estou aqui. Estou curado. E eu te amo. Independente de quem já amei um dia, independente de qual seja sua origem, independente das circunstâncias em que nos encontramos, eu amo você. Quem eu sou – meu corpo, minha alma e minha mente – pertence a você.
     E agora ele cobraria minha promessa.
     Eu tinha a impressão de que ninguém ali respirava. Queixos caídos e olhos arregalados, bem como um ou outro sorriso de canto de boca, predominavam.
     Certa vez dialoguei com Uriel sobre a irrealidade de um livro que havia lido. Shakespeare, Romeu e Julieta. Aquela história, aquele amor platônico entre o casal protagonista, me parecia excessivamente ilusório. Como poderia alguém amar a ponto de deixar tudo e todos, abandonar o mundo, apenas por esse amor? Abandonar a vida. Abandonar a si mesmo. Em minha existência longe dos sentimentos inerentes à raça humana eu simplesmente não conseguia compreender que aquilo era, sim, possível. Na época eu talvez fosse cega demais para enxergar que o amor verdadeiro, em geral, é o tipo mais inconveniente que existe. Ele nos prende e nos muda e nos encanta a ponto de nada ser mais importante do que a pessoa amada. E James era isso para mim. E eu seria a Julieta disposta a abandonar meu destino, não fosse o fato de ter sido tão bem treinada. Minhas convicções balançavam, mas não se rompiam. Porque James e eu éramos como fogo e pólvora... E um beijo, um único toque, seria o suficiente para a explosão resultante consumir-me por inteiro. Eu o amava com tudo o que era, o desejava de corpo e alma. Tudo em mim vibrava e clamava para que eu gritasse ao mundo que retribuía seus sentimentos.
     Porque aquele já não era mais Zacariah, o Irmão do Silêncio que foi curado, tampouco era James, o rapaz cujos fantasmas o assombravam. Ele era um novo homem e isso estava estampado em seu rosto, em seus olhos e até em sua postura. Um homem renascido em tempos de guerra... Um renascimento conquistado pelo amor.
     Mas junto das emoções despertas em mim por James, remexia-se a premonição de algo por vir. Logo abaixo da superfície de minha pele, chamando-me à realidade.
     O que estava havendo?
     — James...
     No segundo em que me preparei para dissuadi-lo daquela insanidade, a campainha do Instituto tocou. Todos saltaram de pé, as armas já em mãos, o drama do momento esquecido. Julian correu para a janela mais próxima e observou a rua atentamente antes de anunciar que havia uma fada lá fora. Apenas uma.
     — Jace, Alec, comigo — ordenei — O restante fique de olho nas crianças.
     Nós três rumamos para o elevador. Era evidente que ambos os rapazes queriam fazer comentários sobre as revelações de James, especialmente sobre a dita declaração de amor, mas minha expressão não os encorajou a isso.
     Eu não acreditava que James havia feito aquilo. Sempre soube que ele era mais do que capaz de curar a si mesmo, que conseguiria se reerguer, mas era inacreditável que tivesse colocado-se diante de todos e simplesmente... Declarado seu amor por mim. O que ele esperava conseguir com isso? Minha honestidade? Ela apenas traria mais dor a nós dois.
     A fada que nos aguardava era um membro da Corte de Unseelie. Não era um Cavaleiro, então presumi que não havia nenhum perigo iminente. Era um jovem extremamente alto, com pele em vários tons de verde. Seus olhos sem íris ou pupilas cravaram-se em mim enquanto ele curvava-se em uma reverência profunda.
     — Senhora — disse o rapaz — Trago um recado de minha Rainha.
     Havia pouco mais de duas semanas que os servos de Unseelie haviam passado a me tratar com tamanha formalidade e, portanto, tamanho respeito. Após entrar em Faerie e ajudá-los a combater o batalhão de Cavaleiros enviado por Seelie, eles agora viam-me como uma igual.
     Conquistar a admiração do orgulhoso Povo das Fadas não era algo que acontecesse tão facilmente.
     — Milady precisa de mim? — perguntei.
     A fada negou com um aceno.
     — Minha Rainha deseja oferecer-lhe um conselho. Ela vem refletindo há muito tempo sobre a vossa situação, filha do Anjo, e chegou a conclusões perturbadoras. Ela pede que eu a alerte sobre isso.
     — Não sei se compreendo onde você quer chegar — falei.
     — Não considera uma coincidência sem tamanho que, justo quanto planejava conhecer o Clã de vampiros meses atrás, um Demônio Maior tenha sido enviado para matá-los?
     Eu desejei que o abismo sob meus pés se abrisse em toda sua extensão e me engolisse completamente. Desejei não ser uma anciã cujo raciocínio corria na velocidade da luz. Desejei não ser capaz de entender o que aquela fada dizia. Desejei que Jace tivesse vencido nosso embate de alfas meses atrás e que agora recaísse sobre ele o peso da constatação a que cheguei. Porque aquilo era inconcebível, impensável. Impossível.
     Retornei no tempo em um átimo de segundo e relembrei cada acontecimento desde o dia em que cheguei à terra. Encontros inesperados, olhares desagradáveis, momentos de tensão, frases soltas ao acaso, segredos. Cheiro de demônio, explicações pouco convincentes. Uma inflexão que revelava a mentira por trás de algumas verdades. Afastamento repentino. Medo oculto. Olhos sem vida.
     Tudo tornou-se claro e meus instintos berraram um sonoro "finalmente!" em minha mente conturbada. O destino zombava de mim sem qualquer escrúpulo ou piedade. Eu não queria, não podia aceitar nada daquilo. Mas era isso... Eu sabia que era. Em algum momento no decorrer de minha jornada na terra, um aliado havia me traído.
     Dei as costas ao rapaz sem preocupar-me com gentilezas. Corri para o elevador, Jace e Alec em meu encalço. Meu amigo questionava o que estava acontecendo, mas Jace calou-se de modo que eu soube, eu tive certeza, que ele havia entendido tão bem quanto eu.
     Cá estava eu, acusando os humanos de serem cegos...
     Cheguei à sala onde todos estavam, as crianças agora presentes. Pedi a Julian que os tirasse dali, pedi à Emma que os mantivesse entretidos em seus quartos. E pedi aos Céus, em uma oração mental, que eu estivesse errada.
     Pulei sobre a mesa extensa de doze lugares e caí a centímetros de outro alguém. E Alec gritou.
     — Talita, não!
     Em uma confirmação de que tinha assimilado o novo problema que encarávamos, Jace passou os braços ao redor do peito de Alec e o conteve enquanto eu agarrava o colarinho de Magnus Bane e o arremessava de encontro à parede. Afirmei suas costas contra o concreto e o ergui até que seus pés não tocassem mais o chão.
     Aquilo causava-me desespero. Agir como se o feiticeiro fosse meu inimigo, fingir indiferença enquanto meu amigo – meu melhor amigo – gritava às minhas costas para que eu parasse com aquilo. Ouvir suas palavras, ver o alarme nos olhos de gato de seu namorado, reforçava minha vontade de estar enganada. Talvez eu estivesse. Eu já tinha cometido tantos erros, por que não mais um?
     Só que eu não estava equivocada. Porque era por esse momento que meus instintos clamavam desde que vi Magnus Bane pela primeira vez.
     — O que você estava fazendo no metrô na noite em que nos conhecemos? — exigi.
     Magnus debatia-se na vã tentativa de quebrar meu aperto de aço. Rosnou, ordenou que eu o soltasse e chamou-me de psicopata angelical.
     Segurei seu braço, girei seu corpo no ar e o derrubei no chão com força suficiente para fazer o ar escapar de seus pulmões.
     — O que você estava fazendo no metrô naquela noite, Magnus? — tornei a perguntar. Eu torcia seu pulso de forma a fazê-lo sentir uma quantidade persuasiva de dor.
     Nesse momento Alec livrou-se de Jace e avançou em nossa direção. Eu não sabia o que ele pretendia, mas sabia que não iria revidar se tentasse me atacar. Era seu namorado quem estava sob mim, sendo interrogado. Eu não impediria Alec se seu desejo fosse me bater.
      Mas ele não chegou até nós. Com o horror nos olhos, Alec parou ao ouvir Magnus berrar "eu não sei!".
     Eu não sei.
     Magnus não sabia por que motivo tinha ido ao metrô naquela maldita noite.
     Eu o larguei e permiti que sentasse no chão. Eu queria afastar-me. Queria colocar distância entre aquelas constatações e eu.
     — Eu não sei — Magnus tornou a dizer . Encarando as mãos como se seus incontáveis anéis possuíssem as respostas que necessitava, prosseguiu: — Eu estava voltando ao Brooklyn depois de fazer compras. Iria ligar para Alec e chamá-lo para jantar, mas então lembrei que ele havia prometido caçar com Simon. Depois eu simplesmente dei por mim nos corredores do metrô, seguindo o som da voz de uma desconhecida.
     Jace e eu nos fitamos em uma dolorosa compreensão. Todos ao nosso redor estavam confusos, alarmados, mas nós dois tínhamos solucionado os mistérios por trás das ações de Magnus. E nós dois sentíamos o pavor nos percorrendo.
     Magnus havia revelado nossos planos a Asmodeus na véspera do ataque ao Dumort. Eu quase morri naquele dia, dando minha vida pela de Alec e de James. Quantas outras vezes o feiticeiro teria nos delatado? Quão terrível era a mudança que havia acontecido nele para que tivesse se voltado contra mim?
     Eu não pude me dar ao luxo de lamentar nada daquilo. De repente veio a dor. O familiar puxão no estômago e a fisgada alucinante na Runa em meu quadril fizeram-me perder o equilíbrio. Jace, sem hesitação, lançou-se à frente e me amparou em seus braços. As mãos de James estavam em meu rosto segundos​ depois.
     Aquilo era insano. Jamais tive duas visões em um mesmo século. Mas ali estava ela, nítida e preocupante. Imagens de um hotel dilapidado e de uma velha delegacia de polícia. O aroma pútrido de Vetis, Kuri, Imp e Raum invadiu minhas narinas. Junto ao aroma de selva e sangue.
     — Haverá um ataque duplo — anunciei — Seelie atacará Maia, os demônios atacarão Lily. Vinte minutos.
     Xingamentos foram disparados enquanto a correria tinha início. Vi Simon e Isabelle ligarem para avisar os vampiros e os licantropes para que se preparassem. Clary correu a fim de se armar e Arthur foi buscar as crianças.
     Ignorei James, que tocava meu rosto com ambas as mãos; Alec, que parecia dividido entre vir até mim ou ir até o namorado; e Magnus, que ainda encontrava-se no chão. Voltei-me para Jace.
     — Eu vou ao Dumort, vocês...
     — Não — ele interrompeu — Vá ajudar Maia, eu fico com o Dumort.
     Minha disposição para discutir era nula.
     — Leve todos eles com você — concordei — Alec irá comigo. E, depois, nos encontramos aqui.
     Jace partiu para a sala de armas com um aceno afirmativo.
     Permiti a mim mesma uma olhadela para os olhos escuros de James. Nos encaramos pelo mais breve dos momentos e uma torrente de palavras não ditas passou entre nós dois. Medo e paixão e cuidado. Tantas coisas reluziram em seus olhos, e espelharam-se nos meus.
     — Não tenho bons pressentimentos quanto a tudo isso — ele sussurrou.
     — Tudo está prestes a acabar — respondi — Para o bem ou para o mal, James, esse é o início do fim da guerra.
     Sua mão desceu para minha cintura e seus dedos apertaram-me como se aquele pequeno gesto fosse conseguir me manter ali, junto dele.
     — Eu amo você, Talita.
     Eu também amo você.
     Mas não foi isso o que eu disse. Aliás, eu nada disse. Deixei-o para se preparar para mais uma batalha e andei até Magnus, agachando diante dele e segurando seu queixo de modo a obrigá-lo a me olhar.
     — Você ficará aqui — decretei — E isso é uma ordem, Magnus. Você não tem permissão para sair até que eu retorne. Entendeu?
     Ele assentiu.
     E aí precisei concluir a pior parte daquilo.
     Aproximei-me de Alec e segurei com firmeza seus ombros largos. Ele estava tenso e seus punhos tremiam, seus olhos azuis indo e vindo entre Magnus e eu. Preocupação e indecisão estavam evidentes em seu semblante.
     — Alec, eu quero que você preste atenção em mim — falei — Eu sei que está assustado e, acredite, eu também estou. Mas nós vamos resolver isso. Você e eu. Depois que resolvermos o problema com as fadas, voltaremos aqui e colocaremos tudo em pratos limpos. Mas eu preciso que me diga se está em condições de sair daqui agora e lutar ao meu lado. Do contrário, você não sairá do Instituto.
     Alec perscrutou meu rosto e disparou baixinho alguns xingamentos. Era muito evidente que ele estava dividido, confuso. Ele olhava para seu namorado caído no chão e queria sentir raiva de mim por tê-lo deixado naquela situação. E ao mesmo tempo, Alec olhava para mim e via uma amiga prestes a entrar no campo de batalha, uma amiga que pedia que ele adiasse suas emoções e lutasse ao lado dela. Eu não sabia o que havia o feito decidir, no fim. Talvez o fato de que Magnus estaria ali, seguro, enquanto eu me lançaria em um novo confronto, ou talvez fosse por medo de permanecer ali com o feiticeiro e acabar descobrindo algo que o fizesse sofrer. Seja lá qual fosse a razão, Alec fez um movimento afirmativo e seguiu para a sala de armas... Para lutar, mesmo enquanto ainda infiltrava-se em todos nós a certeza de que Magnus havia nos traído.

Os Instrumentos Mortais - Cidade dos Anjos Renascidos (concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora