EXTRA - A Cura

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    Eu os encontrei em uma floresta ao sul do Canadá. Estavam acampados em uma área de pouca vegetação e se preparavam para a noite. Em um cercado improvisado ali perto, enormes cavalos negros de cascos vermelhos encontravam-se. Cães de caça pretos, cujos olhos eram de um brilhante tom de laranja, ficavam amarrados ao lado. Tinham o tamanho de touros.
    A Caçada Selvagem, os Coletores dos Mortos, era formada por fadas que não deviam lealdade a nenhuma Corte. Muito menos à Clave e aos Acordos. Eles eram imunes às fraquezas comuns ao Povo das Fadas, portanto ferro, sal e terra de sepultura não tinham qualquer utilidade contra eles.
    Não que eu precisasse de qualquer uma dessas coisas.
    Anulei o efeito da Runa de Invisibilidade e saí da proteção das sombras das árvores.
    — Onde está Gwyn ap Nudd? — perguntei.
    Os membros da Caçada sobressaltaram-se. Mas foi uma surpresa breve, pois imediatamente estavam armados e preparados para todas as situações.
    — Quem é você? — uma voz retumbou.
    O homem que vi era grande e de ombros largos. Tinha um queixo quadrado e coberto por uma espessa barba castanha, bem como olhos de cores diferentes: Um preto, outro azul. Essa era uma característica que marcava todos os homens que pertenciam à Caçada: A heterocromia.
    Retirei o capuz e, em seguida, a jaqueta. Eu queria que eles me vissem claramente.
    — Não sabe quem eu sou, Gwyn?
    Aqueles olhos díspares estreitaram-se.
    — O que você deseja, filha do Anjo? — o líder da Caçada Selvagem perguntou. Mas não parecia exatamente disposto a me entregar o que eu desejava.     
    Desembainhei casualmente um punhal. Eu o girava entre os dedos quando falei:
    — Quero que liberte Mark Blackthorn. Entregue-me o menino e podemos fazer com que tudo seja fácil.
    Um grunhido coletivo espalhou-se pela multidão de fadas.
    — Você não tem qualquer autoridade sobre nós — Gwyn desdenhou — Nem você, nem ninguém. Aconselho que volte para o lugar de onde veio antes que arrependa-se.
    Eu abri um largo sorriso.
    — Sou filha do Céu, Gwyn ap Nudd. Eu tenho autoridade sobre todos — e, erguendo a voz, chamei: — Mark? Eu venho em nome de seus irmãos. Os Blackthorn o querem de volta.
    Um menino loiro, um olho verde e outro dourado, ultrapassou os dois brutamontes que o mantinham escondido de mim. Fitou-me seriamente.
    — Eu posso curá-lo, Mark — assegurei — Se for sua vontade, eu posso retirar de seu corpo o sangue dos Coletores dos Mortos.
    Enquanto a indecisão e o receio permeavam a expressão do rapaz, Gwyn acenou para que seus homens agissem. Os enormes cães foram soltos das correntes e, a um sinal de seus treinadores, avançaram sobre mim.
    — Quietos! — ordenei.
    As fadas encararam boquiabertas quando as criaturas interromperam o avanço e deitaram, obedientemente, aos meus pés. Tal qual Church, as feras eram incapazes de resistir ao apelo de meu sangue.
    — Vou simplificar as coisas aqui — falei — Vocês libertam o garoto, por livre e espontânea vontade, e encerramos o assunto pacificamente. Agora, caso você se negue a colaborar comigo, Gwyn, eu simplesmente arrancarei sua cabeça e deixarei que um de seus homens assuma a liderança da Caçada Selvagem. A escolha é sua.
    Gwyn ap Nudd rosnou e mostrou-me os dentes.
    — Não ligo a mínima para quem você pensa que é, mulher. Desapareça de minha frente antes que…
    O punhal saiu de minha mão. Com um barulho oco de pancada, a cabeça do líder dos Coletores dos Mortos rolou pelo chão. Seu corpo, de repente flácido, tombou.
    O tempo para sutilezas havia muito tinha acabado.
    — Suas opções são as seguintes — eu disse — Colaborem comigo e sejam perdoados pelo auxílio que ofereceram a Sebastian Morgenstern e Seelie no passado, ou sigam o exemplo de Gwyn e morram aqui e agora.
    “Não tenho a intenção de matá-los, mas o farei sem qualquer remorso.”
    Alguns deles estavam furiosos; outros, resignados.
    Mark, por sua vez, parecia prestes a chorar.
    — Você pode mesmo me curar? — perguntou ao aproximar-se de mim — De verdade?
    Deixei que minhas feições se tornassem mais suaves e assenti.
    — Será doloroso, mas sim, Mark. O Fogo Celestial irá curá-lo completamente.
    E, dirigindo-me ao pequeno exército feérico, questionei:
    — Qual vai ser? Escolhem me ter como inimiga ou como aliada?
    Apesar de muitos demonstrarem contrariedade, eles não eram tolos. A Caçada Selvagem já tinha visto, feito e vivido o suficiente para saber quando e onde deveria combater… E eram espertos o bastante para compreender que seria muito mais saudável cair em minhas graças do que provocar minha ira.
    — Leve o garoto — um deles consentiu — E fique longe de nós.
    Estiquei o braço e Mark, prontamente, segurou minha mão.
    — Qual o seu nome? — perguntei à fada que tinha se pronunciado.
    Ele hesitou, mas, por fim, respondeu:
    — Me chamo Kieram.
    Inclinei o rosto em assentimento.
    — Desde que se mantenham longe de Mark e dos demais Blackthorn, Kieram — falei — creio que não teremos problemas. E, a propósito, eu o nomeio novo líder da Caçada Selvagem.
    Deixando que os caçadores lidassem com aquilo, peguei Mark e nos levei para longe dali. Levei o irmão de meus filhos de volta para casa.

Os Instrumentos Mortais - Cidade dos Anjos Renascidos (concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora