Minha maior dificuldade foi omitir de Juliana a verdade. Ao mesmo tempo em que eu tinha de mentir, dizendo que estava brincando com crianças, eu precisa agir como se Bernardo ainda estivesse em coma. Por conta disso, coloquei a imagem do garoto chorando em minha mente e, fechando minha expressão facial, eu fui até o encontro da enfermeira, para conseguir meu comprovante de participação por aquele dia. Por mas que eu ainda tivesse de lidar com Helena e minhas aulas pelo resto do dia, a única coisa que me mantinha motivada, de certa forma, era que eu visitaria Bernardo no dia seguinte.
Quando o sábado chegou, eu já estava de pé, preparando café, quando meu pai entrou na cozinha.
— Ué, já está de pé? — ele pediu, a voz sonolenta. Eu virei meu rosto até ele e sorri. Recebi um beijo na testa de bom-dia.
— Estava sem sono. — respondi. Servi duas xícaras de café e entreguei uma a meu pai. Nós nos sentamos na mesa e começamos a nos servir das comidas que eu havia posto sobre a mesma.
— Você? Sem sono? Essa é nova. Eu sei que, se você pudesse, dormiria por dias.
Eu segurei um riso. — É, você me conhece. É que, na verdade, tenho um compromisso. — falei, dando de ombros. Meu pai arqueou as sobrancelhas, curioso.
— Hmm, com a Helena? — e deu um gole em seu café.
— Não, sozinha. Bom, não totalmente. Eu vou visitar o garoto do hospital.
— Mas você precisa fazer o projeto nos finais de semana? — ele quis saber.
— Eu vou por conta própria. A enfermeira me disse que ele está melhorando. Acho que, se eu fizer uma visita fora da rotina, posso adiantar a melhora dele, entende?
Eu vi os olhos de meu pai se fecharem com o sorriso que ele abriu.
— Espero que sim. Você está fazendo uma coisa boa. Quer uma carona?
— Olha só quem está falando! Vai trabalhar hoje, também? — indaguei.
— Sabe como é. Preciso cumprir a escala do plantão. A polícia não para.
— Tudo bem. Eu aceito a carona. Mas é melhor você se arrumar logo, tenho planos de voltar para casa antes das três da tarde! — falei, brincando, enquanto o empurrava para fora da cadeira. Rindo, papai saiu da cozinha e eu o ouvi subir as escadas até o seu quarto. Fiquei ali, em silêncio, terminando de tomar o meu café, apenas no aguardo de meu pai.
Ele apareceu na porta da cozinha, usando seu uniforme, um broche com seu nome legível estampado: Carlos Pardal. Eu sorri ao vê-lo em posição de sentido, brincando com a farda que usava.
— Pronta para entrar no meu camburão pessoal? — ele pediu, em tom de brincadeira. Eu peguei minhas coisas e o segui até o carro, trancando a casa atrás de nós. Papai deu partida no veículo e, em seguida, aumentou o volume do rádio, para que cantássemos juntos toda vez que uma música familiar tocasse. Fora isso, não conversamos sobre coisa alguma.
Quando ele parou em frente ao hospital, beijei sua bochecha e me despedi.
— Quer que eu te busque? Posso dar um jeito. — ele sugeriu.
— Não tem problema. Volto de ônibus.
Ele sorriu e me deixou partir. Eu atravessei as enormes portas de vidro do hospital e me dirigi até a recepção.
— Alice? — a moça ecoou, surpresa ao me ver. — Hoje não tem projeto comunitário — seu tom era de pesar.
— Ah, eu sei. Eu vim visitar um paciente.
Ela franziu o cenho.
— Não sabia que tinha familiares por aqui.
— Na verdade, é um amigo. Será que posso vê-lo?
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O projeto.
RomanceAlice Pardal não está preocupada com as notas que terá durante o semestre de sua faculdade de Psicologia; ela sabe que é inteligente e que, se estudar um pouco, já dá conta do recado. O problema é os projetos comunitários que ela precisa fazer, para...