Capítulo 11.

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Eu estava terminando de lavar as louças quando a porta de casa foi aberta bruscamente, um prato escapando de minha mão e se espedaçando pelo chão. Bernardo se pôs em minha frente, protetor, enquanto esperávamos a pessoa aparecer na porta da cozinha.

Meu coração se aliviou em ver meu pai.

— Pai? Que susto que você me deu! O que houve com a porta? — eu perguntei, enquanto ele tirava os olhos de mim e Bernardo e começava a vasculhar as gavetas da cozinha.

— Querida, vá até seu quarto e pegue algumas roupas. Pegue algumas minhas. Não esqueça dos seus documentos e de dinheiro. Nós precisamos sair daqui. — a voz dele, por mais alterada que estivesse pela respiração afobada, tentava parecer calma. Eu e Bernardo nos entreolhamos.

— O quê? O que está havendo?

— Nós estamos no jornal. Não acredito que tenha sido Juliana, a enfermeira, mas acho que alguém já estava de olho em Bernardo há algum tempo. Há imagens minhas, suas e de Bernardo escapando do hospital. Estão nos procurando por sequestro.

— Isso é loucura! Vocês me ajudaram! — Bernardo soltou.

— Não é o que a mídia está dizendo. Quando cheguei no trabalho, hoje — papai continuava a procurar por algo; ele encontrou uma maleta e a pôs em cima da mesa da cozinha —, meu superior me chamou imediatamente, antes que todos vissem. Ele me pediu sobre a situação. Eu expliquei a verdade; tive de contar. Ele apenas me aconselhou a sumir. E é o que precisamos fazer, até que a situação se acalme. Se nos encontrarem, eles vão nos prender, Alice. Não importa o que Bernardo diga.

Eu balancei a cabeça, meus olhos cheios de lágrima. Papai abriu a maleta e eu vi algumas armas guardadas na mesma, bem como pacotes com munição.

— Sabe usar uma arma, filho? — ele pediu a Bernardo.

— Infelizmente, eu sei. — Bernardo respondeu. Meu pai assentiu e lhe entregou uma. Bernardo acionou a trava de segurança e guardou-a atrás de suas calças. Eu não fiquei ali para ouvir mais sobre o que papai tinha a contar; subi até os quartos, peguei uma mala qualquer de um de meus guarda-roupas e comecei a socá-la com roupas que considerava importantes. Mas, merda, o que seria importante em um momento daqueles? Estavam atrás de nós por algo que não cometemos. E havia pessoas más, de verdade, querendo matar Bernardo.

Eu já estava colocando as roupas de meu pai na mala quando parei em sua cama, desnorteada, e comecei a chorar. Eu estava tremendo de medo. Levei as mãos até o rosto, escondendo-o, e tentei parar o quanto antes. Confesso que o fato de Bernardo aparecer e sentar ao meu lado, passando seu braço por mim, facilitou com que eu parasse.

— Ei, vai dar tudo certo. — Bernardo falou, acariciando meus cabelos. — Eu tenho um lugar para ficarmos.

— Não é com isso que estou preocupada — eu funguei. — Estão me acusando de coisas que não fiz! E tem gente querendo te matar! — eu o encarei, sem me importar com o rosto inchado pelo choro. Ele tirou as mechas bagunçadas e colocou-as atrás de minhas orelhas.

— Nada de ruim vai acontecer. Nós vamos até a minha casa e vamos pegar o que precisamos, amanhã. E, então, partimos.

Partimos? Como assim, partimos?

— Nós vamos pegar o tesouro antes que o peguem de nós. Acha que aguenta alguns dias sem ter de ir para faculdade?

— Se eu fosse para lá, estaria ferrada. Estou mais do que pronta — falei, assentindo. Ele sorriu e limpou a última lágrima que caía por minha bochecha.

— Isso é bom. — ele tocou em minha mão, entrelaçando a sua com a minha. — Pronta para irmos?

Eu fiz que sim. E nós fomos.

+++

O apartamento que os pais de Bernardo haviam deixado de “herança” para ele, caso um dia quisesse cursas uma faculdade na cidade, ficava em um bairro um tanto afastado do centro; o lugar, entretanto, era enorme. Tinha o mesmo tipo de decoração que a mansão em que ele morava (e eu imagina que ele gostaria que aquilo se parecesse com um pedaço de seu lar, mesmo), e tinha enormes janelas de vidro por todo o lugar. Até mesmo a varanda era grande — e era nela que eu estava, sentada à porta que dava para ela, observando a lua que reluzia no céu estrelado.

Papai havia pegado no sono no sofá e eu estava ali, enquanto Bernardo verificava as coisas pelo apartamento e tomava banho e vestia suas próprias roupas. Eu soube que ele havia sossegado quando ouvi seus passos lentos se aproximarem. Bernardo se sentou o meu lado, em silêncio, e eu pude sentir o que era ser verdadeiro cheiro. Seu perfume leve, bem como o aroma de shampoo masculino vindo de seus cabelos molhados. Eu olhei-o e não pude deixar de sorrir.

— Você gosta de ver o céu?

— A lua, em particular — respondi, voltando meu olhar ao satélite natural. Com o canto do olho, vi que Bernardo fez o mesmo. — Eu e minha mão costumávamos ver as estrelas, quando eu era pequena. Quando ela ficou doente... e eu não sabia... ela me disse que iria para a lua, em breve. E me contava histórias sobre como era lá.

Bernardo passou seu braço pelos meus ombros e me trouxe para perto de si, minha cabeça se deitando em seu ombro.

— Isso foi legal da parte dela. Aposto que você quis ir para lua junto — ele comentou. Eu sorri.

— Eu implorava para que ela me levasse! — e segurei o riso, para não acordar meu pai. Dei uma leve olhada para trás e percebi que ele ainda estava jogado no sofá da sala, adormecido. — Papai sofreu tanto quando ela se foi. Quando foi chamado para ser policial... ele aceitou. Eu fiquei com medo que isso acabasse com ele, mas, de forma ou outra, ele se encontrou, sabe? Ajudando a proteger os outros. Ele tem sido muito bom em minha vida.

— Eu posso dizer o mesmo de meus pais. Se eu quisesse ser como alguém, seria como eles.

Eu ergui meu olhar até o rosto de Bernardo, vendo seus olhos cheios de lágrimas enquanto ele observava a lua.

— Sabe — eu comecei, tentando melhorar a situação —, eu vi uma fotografia sua na internet. Quando pesquisei sobre sua família e tudo mais. Acredito que estava na África; havia crianças perto de você e seus pais estavam juntinhos. Era uma fotografia linda.

Bernardo sorriu. — É minha favorita, também. Por mais que eu não goste de toda a mídia em cima do que eu e meus pais fazemos, eu gostei daquele dia. Minha mãe estava insistindo para que tirássemos fotos das crianças que estávamos ajudando, sabe? Queria pendurá-las por nossa casa para sempre nos lembrarmos do bem que estamos fazendo pelo mundo. Mas o fotógrafo era ganancioso demais; ofereceram a ele uma fortuna para divulgarem as fotos na internet, em vez de dá-las em privado aos meus pais. Agora, qualquer um que quiser as pode ver. Não me importo, claro; mas preferia que não fossem divulgadas. Parece que estamos fazendo caridade para aparecer, entende? Da boca para fora. E não é isso.

— Eu sei, Bernardo. Eu acredito em você e vejo isso em seu rosto.

Ele se virou para mim.

— É mesmo? O que mais você vê em mim? Porque, sinceramente, eu estive perdido por um bom tempo.

— Você é bom — eu comecei a sussurrar. — Você tem um coração enorme. Você tem um jeito meigo e paciente coma s pessoas. Você é protetor. E você tem a cura para todas as dores.

Ele franziu o cenho. — E o que seria?

— O seu sorriso, é claro.

Ele balançou a cabeça, desviando o olhar.

— Eu estou falando sério — frisei.

— Eu sei. É por isso que não me sinto mais perdido. — ele me olhou e voltou a desenhar as covinhas em seu rosto, ao que seu sorriso se abria. Eu deitei minha cabeça em seu ombro e nós ficamos em silêncio, observando a lua. Eu não me importava com a quietude que se fez; eu queria aproveitá-la o máximo que conseguisse.

Algo dentro de mim me dizia que os próximos dias não seriam tão calmos — e eu tinha toda a razão.

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