Capítulo 14.

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Quando eu senti que a febre de meu pai já havia baixado, eu soube que ele estava, mesmo, melhor. Eu dificilmente conseguiria dormir durante a noite, então, saí do quarto e deixei que papai descansasse em paz. Eu encontrei Bernardo sentado na porta da varanda, como nós havíamos feito no dia anterior, observando a luz que ainda estava em nosso céu. Eu me juntei a ele.

— A garota está bem? — eu perguntei.

— Está.

— E você? Está?

Ele se virou para mim e sorriu. — Sabe, quem deveria estar fazendo essa pergunta sou eu. É seu pai que está naquela cama.

— Ele está bem. A febre baixou.

— Isso é bom. — ele suspirou e abaixou o olhar. — Eu acho que estou bem, também. Com tudo o que aconteceu... com seu pai, com Bruno, com o que eu tive de fazer para ajudar ambos... eu não pude deixar de me lembrar da África. Foram tantas pessoas... e tantas que se foram.

— Ei, você fez o seu melhor e salvou os dois. E salvou muitas vidas. Você é bom, Bernardo.

Ele balançou a cabeça.

— Eu não sei se acredito nisso, às vezes. Mas, definitivamente, eu me sinto bom perto de você.

— Isso é bom. Porque eu me sinto assim perto de você, também. — eu falei, erguendo minha mão até os seus cabelos. — De onde você conhece o Bruno?

Bernardo balançou a cabeça e escondeu um sorriso. — É uma longa história. Mas tem a ver com a África. Foi lá que eu o conheci.

Eu franzi o cenho. — É mesmo?

— Bruno é jogador de pôquer. Seu pai é um jogador profissional, então, nada mais razoável que o filho aprendesse a jogar. Mas Bruno nunca quis jogar com o intuito de ganhar dinheiro. Ele queria ajudar as pessoas. E, quando quase faliu um cassino depois de tanto lucrar em uma noite, ele foi para a África. Conheceu a instituição de meus pais por lá e nós ficamos amigos. Ele ajudou em muitos investimentos por lá.

— Isso é muito gentil da parte dele. — eu falei. — E continuaram a amizade por aqui?

— Claro que era difícil de nos vermos, afinal, ele não mora em Santa Catarina. Mas mantivemos contato, quando podíamos. Quando eu falei, no hospital, que havia um amigo da faculdade que eu poderia ligar... eu me referia a ele. Ele sabe da verdade, mas eu não podia correr o risco de envolver mais pessoas. Parece-me que o destino nos uniu quando eu menos esperava.

— Você e essa coisa de destino... acho que estou começando a acreditar.

— É mesmo? — ele abriu um largo sorriso, virando o rosto até mim. A luz da lua o iluminava de uma maneira maravilhosa.

— É. Principalmente porque você está indo muito bem tentando provar para mim que gosta de mim.

Ele semicerrou os olhos, curioso. — Está funcionando?

— Depois de tudo o que aconteceu, já funcionou. — eu falei, ainda acariciando seus cabelos.

— Bom... — ele começou a se virar ficando de frente para mim. — Isso é bom. Eu só estava esperando isso acontecer para que eu pudesse te mostrar uma coisa. — ele se pôs de pé e estendeu a mão. — Você vem?

Eu aceitei a mão e me pus de pé, enquanto Bernardo nos guiava silenciosamente até o terceiro quarto livre de seu apartamento. Nós entramos no mesmo e ele fechou a porta atrás de si; ao lado da mesma, havia três interruptores. Ele apertou um deles e, na mesma hora, todos os abajures e luzes fracas do cômodo se acenderam, de modo que parecia que estávamos à luz de velas.

Eu estava parada ao lado da cama que ali havia e tive de dar passos para trás conforme Bernardo vinha em minha direção. Eu só parei quando minhas costas atingiram a parede. Ele levou até meus cabelos, tocando-os até onde eles acabam. Seus olhos seguiram suas mãos e eu mantive meu olhar preso no rosto dele, tentando ignorar meu peito, subindo e descendo aceleradamente.

— Por que está respirando tão rápido? — ele murmurou, erguendo seus olhos negros até mim.

Eu senti minha garganta travar.

— Eu não estou — menti.

Ele esboçou um sorriso torto, desafiador.

— É mesmo? Porque eu diria que está nervosa com o que eu estou prestes a fazer.

Eu mordi os lábios, não querendo responder e dizer que ele estava certo. Bernardo apenas se virou de costas; suas mãos foram parar na bainha de sua camiseta e, em um milissegundo, ele já a tinha tirado, revelando seu corpo forte e as tatuagens que haviam na parte de trás de seus braços. Suas costas, para a minha surpresa, pareciam tatuadas com alguns borrões espalhados de cima abaixo. Eu franzi o cenho, erguendo os dedos e tocando os pontos e borrões tatuados.

— Não estou entendendo... — murmurei. — Você tem datas, frases, desenhos específicos pelos braços... mas o que são estes desenhos?

Foi aí que Bernardo se virou.

— Estes desenhos são o mapa. — ele sussurrou de volta. — E é por isso que eu precisava de toda a sua confiança para te mostrar. Você precisa pegar uma caneta e ligar os pontos; o desenho final mostrará onde está o tesouro.

Meu queixo caiu.

— Você tatuou o mapa nas costas? Bernardo, você é maluco! Não é à toa que as pessoas te queriam morto... queriam sua pele para encontrar o tesouro! Você não poderia fazer uns rabiscos e guardar, sei lá, na carteira?

— E perder a oportunidade de ter alguém de confiança com quem compartilhar a situação? Acho que não. — ele sorriu. — Eu queria que fosse assim, Alice. Era disso que e falava com meus pais no carro, antes do acidente. Nós estávamos voltando de um tatuador de confiança. Ele fez o desenho metodicamente, para que pudesse ser ligado com uma caneta e, quem quer que o fizesse, tomasse conhecimento do mapa.

— Mas, assim, você nunca mais veria o mapa. — eu tentei manter meu olhar no dele; mas, com um corpo daqueles, era difícil de se concentrar.

— Não até eu encontrar alguém com quem compartilhar minha história, da mesma forma que aconteceu com meu pai, que encontrou a minha mãe. Agora, eu tenho. — Bernardo de aproximou da mesinha ao lado da cama e, de uma das gavetas, ele tirou uma canetinha preta. — Se importa em desenhar em minhas costas?

Eu balancei a cabeça, sorrindo, enquanto pegava a caneta. — Você é maluco, Bê.

— Eu acho que sou, mesmo. Mas não mais do que sou por você. — e, dito aquilo, ele se jogou na cama, as costas para cima, para que eu começasse a ligar os borrões e pontos em sua pele.

Lentamente, eu me pus sentada ao lado de seu corpo, analisando o modo como seus músculos se contraíam com a minha presença. Ele estava com a cabeça afundada nos braços dobrados e, antes de eu começar, ele virou o rosto para a direção que eu sentava.

— Não precisa ter medo, Alice. — ele murmurou. Sua voz calma me deixou da mesma forma.

— Você não está nervoso?

— E por que estaria? Estou compartilhando o meu maior segredo com a garota que me rouba os pensamentos. É uma troca justa.

Eu sorri e aproximei meu rosto do dele, deixando um beijo em sua bochecha antes de começar. Seriam longos traços e desenhos até que eu completasse o mapa nas costas de Bernardo.

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