Capítulo 22.

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Bernardo estava segurando a minha mão, enquanto nós seguíamos Jah'ni pela instituição. Eu conheci todos os caminhos, todas as diversas instalações. Por onde Bernardo passava, as pessoas acenavam com felicidade e, principalmente, com uma expressão de gratidão em seus rostos. Eu sentia tanto orgulho dele que era difícil de conter as lágrimas em meus olhos.

Jah'ni nos guiou até a quadra poliesportiva. Ela ficava mais aos fundos e, assim que chegamos, nos deparamos com a imensidão da mesma. Ainda assim, não vi tesouro algum. A mulher caminhou por entre os assentos da arquibancada e nos levou até o meio da quadra. Parou em frente a uma das cestas de basquete. Eu e Bernardo nos entreolhamos, sem entender. Jah'ni olhou para cima, em direção a arquibancada, onde estava parado um dos homens que havia nos seguido até ali. Com um aceno de cabeça, ele entendeu e apertou um dos botões à parede. Imediatamente, a enorme estrutura da cesta começou a deslizar para o lado, revelando um buraco quadrado e, dentro do mesmo, uma escadaria que descia pela escuridão.

— Ideia da minha mãe? — Bernardo perguntou, um sorriso nos lábios. Jah'ni fez que sim. Ela foi a primeira a descer, Bernardo e eu logo atrás. Conforme Jah'ni andava, ela ia apertando os interruptores de luz, iluminando o caminho.

A verdade é que nós não continuamos a andar. Porque Jah'ni estava caminhando, naquele andar subterrâneo, como se percorresse todo o perímetro da quadra, acendendo as luzes do cômodo retangular e aparecendo, pouco a pouco, as pilhas de moedas douradas, as estatuetas de ouro e de madeira, baús de joias... o lugar parecia em chamas, de tanto ouro que ali havia. Bernardo levou a mão à boca, sem acreditar. Eu sorri por ele, feliz em saber que havíamos percorrido todo aquele caminho para que ele encontrasse o tesouro.

Havia uma prateleira cheia de pergaminhos, cadernos antigos. Havia enfeites, pedras preciosas, muitas coisas já catalogadas pelas pessoas dali.

Naquele momento, eu mal conseguia acreditar que um projeto comunitário havia me levado àquela parte perdida da história do Brasil. E com o garoto mais perfeito que existia.

— Sua mãe nos ajudou com toda a transição. Foi durante os períodos que vocês visitaram outras instituições, tanto no Brasil, quanto pelo continente africano — Jah'ni explicou. — Tivemos tempo o suficiente para construir esse esconderijo e arrumar algumas coisas, como pode ver — ela apontou para os pergaminhos, os quais estavam organizados por data. — Então, você já sabe como vai fazer?

— Fazer o quê? — Bernardo ecoou.

— A mudança do tesouro para o Brasil. Para criar um museu.

Eu vi Bernardo engoli em seco.

— Eu não sei. Vendo tudo isso, agora, vendo a verdade... é quase que surreal. Estou me perguntando se é o certo a fazer. Se eu deveria alterar a história do meu país com tudo isso aqui. Será que iriam acreditar, mesmo assim? Será que eu não me tornaria um alvo fácil para sequestros ou algo do tipo? Será que... o próprio governo português me procuraria por conta dessas verdades não ditas? Talvez eles mesmos soubessem e quiseram omitir...

Eu segurei a mão de Bernardo e ele virou o rosto para mim.

— O que for que você escolher, eu estou com você.

— Bernardo, meu querido, a escolha, no fim, será sua. Mas tem uma coisa que, antes que você tome uma decisão, eu quero que leia. — Jah'ni falou e, na mesma hora, foi até as prateleiras de pergaminhos e tirou, dali, um envelope. Pela forma que estava, eu podia deduzir que também era da mãe de Bernardo.

Eu nunca soube o que estava escrito nela. Bernardo a enterrou junto com seus pais, quando voltamos para o Brasil, dias depois, e fizemos uma cerimônia, finalmente. A verdade é que, enquanto ele lia, eu via a felicidade em seu rosto, apesar das lágrimas que escorriam. Eu sabia que a mãe dele tinha o dom com as palavras e que, independente do que ela dissesse, Bernardo havia tomado a melhor decisão. Ela sabia, afinal, que haveria pessoas atrás do tesouro. Não o mudou de lugar em vão. Mas, ali, na instituição, ele estava seguro. E ele continuaria sendo protegido e tudo continuaria normalmente como sempre foi.

Ah, claro que haveria a lenda. A lenda do tesouro dos Cabral e toda a parte omissa da história que deu origem ao Brasil. Essa é a parte boa da lenda: ela está ali para fazer com que sua mente viaje para situações inusitadas e inesperadas, sempre se perguntando “e se?”. Bernardo agiu bem em deixá-lo ali. Talvez para que outra geração de Cabral decidisse o que fazer. Por ora, aquilo era bom. Bernardo continuaria ajudando todas as instituições e, com Jah'ni e, mais tarde, meu pai o ajudando, tudo estava certo. Eu fui descobrir que a África era meu lugar, no fim das contas.

Posso dizer o mesmo do meu pai. Depois de Bernardo ter desmentido toda a história de que eu e meu pai o havíamos sequestrado e, ainda, dado aos policiais o nome da verdadeira criminosa, Cordelia — apesar de eu acreditar que ela esteja morta —, tudo se encaixou. Mas papai não quis mais ser policial. Ele se encontrou no continente africano e Juliana também. Mas a história da minha nova madrasta fica para outra hora.

Neste exato momento, papai e Juliana estão com Jah'ni no cômodo subterrâneo, organizando e catalogando o tesouro. E eu, pela segunda vez, estou sendo levada para o cômodo das mulheres africanas, onde estão passando panos por mim e os laçando da mesma forma que fizeram da outra vez. Mas, agora, eu não via as cores. Estava vendada durante todo o percurso. Eu senti pulseiras sendo colocadas em meus braços, colares passados por meu pescoço e, até mesmo, desenhos sendo feitos em meu rosto. Quando haviam terminado, me guiaram pela instituição, até o lado de fora. Desta vez, não ouvia muitas vozes ou pessoas por perto. Percebi que elas haviam me colocado em uma espécie de tenda e, sem mais, nem menos, me abandonaram. Eu fiquei parada, sem saber se deveria tirar a venda, até que ouvi vozes masculinas e, entre elas, a voz de Bernardo. Meu coração acelerou e eu abri um sorriso, mesmo sem vê-lo.

— Oi, Alice — ele me disse, ao parar em minha frente e tocar as minhas mãos. — Sabe por que você está aqui?

— Ai, Bê, não faço a menor ideia. Fala logo — eu esganicei, querendo tirar a venda.

— Você está aqui porque tenho um novo projeto para nós. Mas, desta vez, você não precisa ler histórias para mim no hospital ou me ajudar a escapar de pessoas malucas. Esse projeto envolve a sua ajuda a mim, e a minha a você.

Eu apertei os dedos dele com força. Ele pegou as minhas mãos e as levou até os panos que cobriam seu peito, por mais que eu não o enxergasse.

— Esse projeto envolve uma cor, apenas. — ele disse e, enquanto eu continuava tocando os panos, as mãos dele vieram até meus olhos e tiraram minha venda. Tanto eu quanto Bernardo estávamos com panos vermelhos e até mesmo a tenda tinha tal cor. — O vermelho é a cor do amor. Da paixão. Do que eu preciso pelo resto da minha vida, se for você que estiver lá para me proporcionar isto.

Eu estava sorrindo, vendo os desenhos em linhas pretas feitos no rosto de Bernardo, imaginando se meu rosto também estava daquela forma. O cabelo dele estava penteado para trás, revelando toda a face, deixando-o perfeito.

— Esse projeto do qual estou falando envolve um ritual de passagem de uma das tribos africanas ajudadas por esta instituição. E, para que duas pessoas se unam em uma só, elas devem estar na cor vermelha, com os mesmos desenhos cósmicos que as irão unir para sempre. E eu quero me unir a você, se você aceitar unir-se a mim.

Eu sorria, mesmo que sem saber o que dizer.

— Isso me parece um pedido de casamento — eu disse, brincando.

— Eu poderia conseguir um anel, se você quiser — ele arregalou os olhos, prontamente.

— Não — eu gargalhei, e passei meus braços por seus ombros. Nossos rostos estavam próximos e ele abriu um sorriso conforme eu falava. — Não preciso de aneis, colares ou qualquer joia. Você é meu tesouro, Bernardo. E eu não preciso de mais nada.

Entre os panos vermelhos, as pinturas faciais borradas e as respirações ofegantes, Bernardo e eu nos unimos para o resto de nossas vidas. 

FIM.

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Mais uma história finalizada com muito amor e carinho para vocês! Espero que tenham gostado da história do Bernardo e da Alice! E, se ainda não conhecem minhas outras obras, corre lá para descobrir! [momento propaganda] E se ainda não adquiriu o seu exemplar de "Ligue-me amanhã", clique no link no meu perfil e garanta o seu! Um beijão a todas, amo vocês <3

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