Eu nunca pensei que correr pela mata fosse algo tão cansativo. Depois de ter corrido até a praia, eu corria, agora, floresta adentro, conforme a bússola estragada me guiava. Aquela merda de ponteiro não se mexia e tudo o que parecia que ia acontecer era que eu chegaria do outro lado da ilha e nenhum tesouro seria encontrado. Eu corri até chegar na beira da montanha de pedra da ilha.
A areia em meus pés descalços estava úmida; as ondas iam e vinham calmamente, a água tão límpida que eu conseguia ver alguns peixes. Eu havia atravessado a ilha e chegado na ponta da rocha. Não havia para onde ir... a não ser a rocha.
Eu parei de frente para ela, erguendo meu rosto e franzido a vista, observando até onde ela ia.
Não, o tesouro não estaria escondido em um lugar alto e inescalável. Ainda mais se ele estivesse ali desde os tempos de Cabral... não. Eles teriam de ser engenhosos, mas não ao ponto de ser algo impossível para quem tivesse o acesso ao tesouro.
Ainda próxima da pedra, eu comecei a tocá-la, procurando algum fecho, algum trinco, alguma passagem secreta. Percorri a sua extensão até onde a mata começava e não encontrei coisa alguma. Agora, o resto da superfície da pedra de estendia pela água. Eu teria de me molhar, mais do que meu corpo já suava de nervosismo.
Molhei meus pés e continuei a analisar a rocha, tocando-a na expectativa de encontrar qualquer porta milagrosa.
Eu já estava com a água em meu umbigo quando percebi que a rocha ficava em uma forma arrendondada, fazendo-me passar em seu meio. Se não fosse pelas ondas que iam e vinham, lançando-me contra a rocha, eu não teria continuada. Mas eu estava com aquela bússola me guiando e, quando encontrei aquele pedaço redondo, retirado da rocha, como se servisse de encaixe para o pequeno objeto, eu não hesitei; enfiei a bússola ali e girei-a.
Imediatamente, meu corpo foi sugado para dentro da rocha, ao mesmo tempo em que a parede rochosa se moveu para seu interior, como em uma porta, fazendo todo o seu interior inundar. Eu deixei que a água levasse meu corpo, sem tentar me movimentar muito, para não me machucar. Quando a água se estabilizou, eu pude ver o verdadeiro esconderijo dos Cabral.
Havia criado uma espécie de gruta no interior da rocha, tendo espaço o suficiente para guardar o tesouro ali, sem que se perdesse pelas águas. Assim, toda vez que a porta fosse aberta, a água preencheria uma parte, em forma de piscina, sem que tocasse as partes interiores em que serviriam de suporte ao ouro.
Mas...
que ouro?
Eu dei um mergulho, pegando impulso para subir nas pedras dentro da própria rocha.
Os raios de sol que refletiam na água e entravam pela gruta eram a única coisa que iluminava a minha visão, mas o lugar era pequeno o suficiente para eu perceber que não havia tesouro algum ali. Comecei a olhar em volta, procurando por qualquer indício que pudesse me guiar para outro lugar, outra pista, qualquer um que pudesse ter roubado aquele tesouro de Bernardo. Eu não conseguia acreditar.
A única coisa que havia ali dentro era um pequeno baú, escondido atrás de algumas pedras. Não estava trancado e não precisava de chaves para abri-lo. Eu respirei fundo antes de fazê-lo.
Em seu interior, várias fotografias antigas e um caderno envelhecido; em seu interior, havia um pedaço de papel mais novo, o que me fez deduzir que fora colocado ali há pouco tempo.
Eu abri a carta e comecei a lê-la.
“Bernardo, meu anjo, meu amor, minha vida. Se você chegou até aqui, é porque devo estar morta, bem como seu pai. Não quero que fique triste ou que se sinta frustrado com o que está vendo aqui. Espero que entenda o que tenho a te dizer. Desde que você manifestou seu desejo de criar um museu com os tesouros de Cabral, de modo a contribuir para a fascinante história de Portugal e do Brasil, eu soube que aquela era a ideia mais genial que eu poderia ter ouvido. Assim, você poderia cobrar uma entrada ínfima de quem quisesse visitá-lo e não precisaria passar a vida preocupado com o tesouro, como seu pai e eu passamos. Mas você sabe como seu pai é. Teimoso e um tanto ambicioso. Ele nunca deixaria isso acontecer. Foi por isso que eu encarreguei uma equipe segura para fazer a retirada do tesouro de seu lugar, deixando, aqui, apenas este baú com esta singela carta. Junto, há um diário de Isabel, contando tudo o que aconteceu nos anos que se seguiram, tanto sobre o tesouro quanto as mudanças que se instalaram no Brasil. Quanto ao tesouro... Qual o seu lugar preferido do mundo? Você o encontrará lá. Um beijo da sua mãe, que te ama tanto, tanto”.
A água salgada que escorria de meus cabelos se confundia com as lágrimas que escorriam de meus olhos. Eu ouvi o barulho de corpos entrando na água, prestes a entrar na gruta. Guardei a carta de volta no baú e coloquei-o atrás de algumas pedras.
— Ora, ora, o que temos aqui? — eu ouvi a voz de Cordélia, antes de aparecer à entrada da gruta. Todos ali estavam com a água na altura de suas cinturas, e a mulher mantinha sua arma mirada nas costas de Bernardo; seu olhar se aliviou ao me ver ali. — Que merda temos aqui?! — ela repetiu, intrigada ao ver o lugar vazio, sem tesouro algum. — Onde está a merda do tesouro?
— Eu... — Bernardo começou.
— Não tem nada aqui — um dos homens disse. — Você nos fez procurar um mito todo esse tempo. — ele se virou com raiva para Cordélia.
— Nós deixamos nossas casas com promessas de ouro e riqueza. Eu tinha uma mulher e filhos! — ele esmurrou a água.
— Isso não pode ser o fim! — ela birrou consigo mesmo. Virou Bernardo para si, apontando a arma em seu rosto. — Me diga, seu moleque de merda, onde está a porra do tesouro ou eu meto bala em você!
— Sabe, nesse ponto da história, eu não ligo para quantas balas você quer “meter” em mim. Você já matou meus pais.
— Você não acha que sei disso? Eu quero saber do tesouro! — ela apontou a arma em mim, fazendo-me tropeçar nas pedras, tentando me livrar da mira. — Diga, ou atirarei nela!
— Eu não sei, porra! Deixe Alice fora disso! Acredite, se eu soubesse que não havia tesouro algum, não teria perdido meu tempo. — Bernardo grunhiu.
— E, agora, você nos fez perder o NOSSO tempo. As nossas vidas. E você vai pagar por isso — um dos homens disse.
— Vocês não veem que o garoto está mentindo? — Cordélia começou a se afastar pela água, os homens tentando encurralá-la.
— O que o garoto tem a ver? O lugar está vazio. Você está ferrada, Cordélia — o outro homem disse. Mas eu não estava mais concentrada na conversa deles. Eu estava mais preocupada em apertar firmemente o corpo de Bernardo, ao que ele viera ao meu encontro e me abraçara forte. Sentir sua respiração ofegante, seu toque quente... eu me senti em casa.
Bernardo se afastou e segurou meu rosto com as duas mãos.
— Você encontrou o lugar. Você é demais. — e seus lábios grudaram nos meus. Eu retribuí o beijo até ele se afastar, o cenho franzido. Olhou em volta, sem entender. — Sabe, eu podia jurar que havia um tesouro. Todo esse tempo... não acredito que não havia coisa alguma.
Eu sorri bestamente, ao mesmo tempo em que me virei, indo até as pedras que escondiam o baú que eu havia encontrado.
— Acho que você deveria ver isso — falei, entregando a ele.
— Um baú? — ele ecoou.
— O tesouro — eu respondi.
E ele viu cada uma das coisas, enquanto ria e chorava com o que sua mãe escrevera. E ele soube que a história ainda não tinha acabado.

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O projeto.
Roman d'amourAlice Pardal não está preocupada com as notas que terá durante o semestre de sua faculdade de Psicologia; ela sabe que é inteligente e que, se estudar um pouco, já dá conta do recado. O problema é os projetos comunitários que ela precisa fazer, para...