Como eu previra, ao que a música de meu celular pausou do nada, Helena estava me ligando. Ela sabia o quanto eu me sentia cansada por ter de acordar cedo para fazer projetos da faculdade e, ainda assim, insistia em falar comigo.
— Fala, Lena — eu resmunguei, ao atender.
— Jesus, hein, Alice? Sua voz está péssima — ela disse, como se estivesse acordada há horas e seu ânimo fosse o melhor que existisse no mundo.
— Talvez porque são sete da manhã e eu estou em um ônibus, em vez de minha cama? — rebati.
— Sorria para a vida, amiga. As portas estão se abrindo ao seu redor, você só precisa se agarrar ao trinco antes que uma delas se feche.
Eu rolei meus olhos. Filosofia barata de Helena logo pela manhã. Eu mereço.
— Que é que você quer? — perguntei, enquanto meus olhos observavam as ruas centrais de Joinville passando pelas janelas.
— Quero saber se você quer almoçar comigo, no shopping, depois do seu projeto. E aí, topa?
Eu bufei. Eu não tinha como escapar.
— Tudo bem. Vemo-nos lá, então?
— É disso que gosto. — ela fez um barulho de beijo e desligou. Eu voltei a olhar para o meu celular e, apertando na tela, a música começou a tocar em meus fones. A melodia era a única que podia me manter acesa àquela hora. Contentei-me com minha banda preferida e mexia os lábios de acordo com a letra. Se não fosse o fato de eu estar atenta às paisagens, certamente teria perdido o meu ponto.
O ônibus parou e eu pude descer. Ajeitei minha bolsa sobre meus ombros e fiz o percurso, a pé, ate o final da rua, onde ficava um dos hospitais da minha cidade. Se eu não tivesse de cumprir as horas dos projetos comunitários fornecidos pela faculdade, eu reprovaria. Mesmo relutante, eu decidi fazê-lo logo, para não ter de deixar para o último semestre. Afinal, eu ainda não estava em semanas de provas ou coisas do tipo. Era agora ou nunca.
O enorme prédio hospitalar foi se desenhando em minha visão, tornando-se cada vez maior ao que eu me aproximava. Eu podia ver pessoas vestidas de branco, entrando e saindo, ao mesmo tempo em que eu percebia, pelas paredes de vidro, que o lugar estava lotado. Eu senti um frio na barriga ao ver aquilo. Pessoas com parentes ali, esperando por uma resposta, qualquer que fosse. Eu respirei fundo e impedi qualquer lembrança de me invadir. Eu tinha de ser forte.
Atravessei a enorme porta automática de vidro e dirigi-me até o balcão da recepção.
— Pois não? — a atendente falou, erguendo o olhar e me analisando. Eu sorri, sem jeito, e segurei com força a alça da minha bolsa.
— Hã, oi. Eu estou aqui para o projeto comunitário? — a frase soou como uma pergunta.
— Está? — ela ergueu uma sobrancelha.
— Estou — frisei, me acalmando. — Para brincar com as crianças.
— Ah, claro — ela disse. Ergueu o braço e sinalizou para uma mulher que estava passando por ali. A mesma vestia branco e tinha um estetoscópio ao redor de seu pescoço. — Essa aqui é outra do projeto. Pode acompanhá-la até a ala das crianças?
A mulher parou ao meu lado e me analisou. Tinha os cabelos presos em um coque e me aparentava ser uma das enfermeiras mais jovens por ali.
— Qual seu nome? — ela pediu.
— Alice — respondi. Ela assentiu, como se soubesse que eu viria. Começou a andar e sinalizou para que e a seguisse. Fomos até o final do corredor do andar térreo e, ali, havia alguns elevadores. Entramos em um e o botão para o último andar foi apertado. Fiquei ali, em silêncio, até que chegássemos no lugar desejado.

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O projeto.
RomansaAlice Pardal não está preocupada com as notas que terá durante o semestre de sua faculdade de Psicologia; ela sabe que é inteligente e que, se estudar um pouco, já dá conta do recado. O problema é os projetos comunitários que ela precisa fazer, para...