Apesar dos hoteis que haviam na ilha, o movimento naquela parte estava escasso. Eu mesma não vira ninguém passando por ali, fora os homens daquela mulher repugnante. Agora, enquanto eu me culpava por tudo o que havia acontecido até agora, e rezava para que Bernardo não aparecesse, eu me encontrava amarrada em uma cadeira, amordaçada, em um casebre abandonado, perto de uma das enormes rochas na ponta de Fernando de Noronha. Eu só conseguia ouvir passarinhos e os homens caminhando do lado de fora, o mato nos rodeando.
Como eles esperavam que Bernardo nos encontrassem ali?
— Bernardo está aqui. — eu ouvi um dos homens dizer.
Meu coração acelerou.
— Cordélia está na praia e está vendo um barco se aproximar. Disse que, pelos binóculos, era ele. Nós temos de ir.
— Quem vai cuidar da garota? — outro cara perguntou.
A porta se abriu e eu vi o rosto de quatro homens me olharem, com uma expressão de desdém.
— Ela não vai fugir daí. Não possui facas, apetrechos, ou qualquer coisa que possa tornar possível a sua fuga. Vamos todos. Cordélia pode precisar de reforço, caso algo dê errado. — um deles disse e a porta foi fechada. Os passos se afastaram e eu percebi que estava sozinha com os passarinhos.
Tudo bem, eles estavam certos — eu não tinha faca ou qualquer coisa que pudesse me ajudar a cortar as cordas que me prendiam. Mas havia uma coisa que eles tinham esquecido: eu não havia perdido a vontade de lutar e proteger Bernardo. Enquanto eu estivera presa, eu percebi que a cadeira em que eu estava era de madeira. Tudo o que eu precisava era de força em meus pés, para me tirar do chão, e do impulso que fosse para me jogar com força para trás, o suficiente para a cadeira se quebrar e eu dar o fora dali.
Concentrando-me em minha respiração, eu comecei a pender o peso do meu corpo para a frente, até que eu conseguisse deixar meus pés rente ao chão e tirar todos os pés da cadeira dele. Tentei esticar a perna o máximo que conseguia e, sem pensar muito no que eu estava prestes a fazer, pulei o que dava e me joguei para trás. O barulho da cadeira se quebrando se confundiu com alguns ossos que eu certamente tirara do lugar. A dor penetrou em todo meu corpo e, se não fosse a adrenalina do momento, eu não teria saído dali. Ainda assim, tirei as cordas que ainda estava por entre minhas mãos, pernas e boca, peguei um pedaço de madeira afiado e saí do casebre. Eu só precisava saber para onde ir.
Eu conseguia ver parte da rocha enorme na ponta da ilha e decidi usá-la como referência. Eu não sabia se aquela seria a melhor das ideias — ir até a praia; mas eu precisava tentar. Por isso, mesmo com o corpo dolorido, eu coloquei meus pés para correr e fui com toda a velocidade que era possível alcançar. Quando comecei a ouvir o barulho de água, eu parei. Comecei a caminhar, sempre permanecendo atrás de árvores. Parei atrás de um coqueiro grosso o suficiente para me esconder.
— Onde está ela? — eu ouvi a voz de Bernardo grunhir. Espiei e pude enxergá-lo, próximo do capitão do navio e outro marinheiro. Eles vieram sozinhos, em um barquinho ridículo de pequeno.
— Alice está bem. Está escondida em um casebre e será entregue quando você nos der o que nós queremos.
— Que diabos vocês querem? — ele ecoou para Cordélia.
— Não seja tolo, Bernardo. Não queremos te matar como fizemos com seus pais. Queremos apenas o tesouro.
Eu vi os punhos de Bernardo se fecharem.
O capitão segurou o ombro de Bernardo e cochichou algo em seu ouvido. Naquele mesmo instante, os olhos de Bernardo vieram ao meu encontro, seu punho se soltando e sua respiração se acalmando. Eu vi o quanto ele se esforçou para não sorrir, mas eu não consegui evitar. Sorri e voltei a me esconder. Ele sabia que eu estava segura.
— Tudo bem, tudo bem. — ele falou, mais calmo. — Não vamos nos exaltar. Então, vocês querem o tesouro. E precisam de algo que eu tenho para encontrá-lo. Não é isso?
— Exatamente. — Cordélia assinalou.
— E, se eu der a vocês o que precisam, vocês libertam a garota? E nos deixam ir?
— Isso mesmo! — Cordelia bateu palmas.
— Certo. Então, eu entregarei o que precisam assim que eu vê-la. Para ter certeza que ela está bem. Tudo bem assim? — Bernardo pediu.
Cordélia ponderou por alguns segundos.
— Certo. Homens, vigiem-no enquanto eles nos seguem pela mata. — ela mandou, os homens indo até Bernardo e sinalizando para o capitão e o marinheiro os seguirem também. Conforme Bernardo se aproximava da mata com todos aqueles capangas, eu me agachei, entre as plantas rasantes, e observei seu olhar brevemente em minha direção e, em seguida, descendo até a mão dele. Ele segurava a bússola e, sem mais nem menos, a soltou. O objeto caiu ao chão, sem que ninguém mais visse. Bernardo não olhou mais para mim, mas eu vi que ele estava sorrindo.
Ele queria que eu pegasse a bússola e fosse atrás do tesouro.
Eles perceberiam muito rápido que eu não estava mais no casebre.
Eu precisava ser rápida. Quando não mais podiam me ver, corri até o objeto, peguei-o e deixei que sua agulha fixada em um ponto me guiasse.
Eu rezava para que a família Cabral me guiasse dali em diante.
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O projeto.
RomanceAlice Pardal não está preocupada com as notas que terá durante o semestre de sua faculdade de Psicologia; ela sabe que é inteligente e que, se estudar um pouco, já dá conta do recado. O problema é os projetos comunitários que ela precisa fazer, para...