Capítulo 13.

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Nós entramos no carro rapidamente, desta vez Bernardo atrás e eu na frente. Sem dizer uma palavra, meu pai deu a ré e nos tirou dali. Só então que eu percebi que estava dirigindo com apenas uma mão; a outra estava sobre sua costela, pressionando o sangue que escorria pela camisa embaixo de sua camiseta xadrez.

— Pai! — eu falei, desesperado. — O que foi que houve?

Ele balançou a cabeça e segurou um gemido.

— Eu vi aquelas pessoas indo em direção à sua casa... estavam armadas. Eu atirei uma vez, em forma de aviso. Elas atiraram de volta. — ele se limitou em dizer. — Eu acho que pegou de raspão, não analisei, ainda.

— Eu posso ajudar — Bernardo falou, de trás do carro. — Precisamos ir até o meu apartamento. Acha que consegue dirigir até lá? — ele perguntou. Meu pai fez que sim e ajeitou sua rota. Eu sentia meu coração sofrer a cada batida, temendo o que poderia acontecer com meu pai. Eu esperava, ainda, que não tivéssemos de voltar até lá, que seguiríamos para longe dali.

Infelizmente, em poucos minutos, estávamos estacionando na garagem do prédio de Bernardo. Eu fui até a porta de meu pai e o ajudei a sair, enquanto ele passava seu braço pelos ombros de Bernardo. Nós o seguramos até pegarmos o elevador e chegarmos no andar certo; meu pai se contorcia a cada movimento brusco que fazíamos ao ajudá-lo.

Bernardo abriu a porta e entrou no lugar, correndo até o quarto em que ele dormia; eu fiquei sustentando o peso de meu pai até que ele voltasse com um lençol e um kit de emergência. Estendeu o pano pelo chão da sala e nós ajudamos papai a se deitar. Eu sentei-me de um lado e Bernardo do outro. Antes de abrir a caixa, Bernardo ergueu a camiseta onde estava o ferimento de bala; parecia, mesmo, que fora um tiro de raspão, mas estava profundo e precisava ser esterilizado e costurado.

— Alice, há álcool na cozinha. Será que pode pegar para mim? — Bernardo pediu. Eu fiz que sim. Fui até o lugar e comecei a abrir todos os armários e gavetas até encontrar uma garrafa de álcool. Levei-a de volta até a sala. Bernardo a pegou e jogou um pouco do líquido em suas mãos e deu-me para que eu fizesse o mesmo. — Vou precisar da sua ajuda.

Eu obedeci e esterilizei minhas mãos. Ele pegou um dos pedaços de pano que havia no kit e molhou-o com álcool; em seguida, passou-o em volta do ferimento, fazendo meu pai se contorcer com a ardência que provavelmente lhe causara.

— Não atingiu nenhum órgão e ele não corre risco de vida — Bernardo falou. — Eu só preciso que você ajude-me a segurá-lo enquanto eu costuro o ferimento. Tudo bem, Alice?

Eu apenas assenti, sem saber o que dizer. Estava apavorada e não conseguia discernir coisa alguma. Apenas passei os braços pelo corpo do meu pai, segurando-o firme, enquanto Bernardo pegava uma agulha e fios biodegradáveis para fazer a costura. Era difícil ignorar os gemidos angustiantes de papai a cada agulhada que Bernardo dava. Quando finalmente terminou, a pele onde havia um corte estava unida por fios, e Bernardo passava, mais uma vez, um pano com álcool por cima. Depois, enfaixou a região com pressão, para que o ferimento se curasse rápido. Papai havia desmaiado de dor, mas parecia que iria melhorar.

Eu me peguei sentada ao chão, as costas apoiadas em um dos sofás, abraçando minhas pernas. Bernardo largou os equipamentos e se sentou ao meu lado, as mãos tão ensaguentadas como as minhas.

— Ele vai ficar bem — ele disse. Eu assenti, sem conseguir chorar ou sentir coisa alguma. — Você está bem? — ele pediu. Eu fiz que sim de novo. Sua mão veio até meu queixo e ele me fez olhá-lo. — Alice?

— Eu estou bem — consegui dizer. — Só estou com a adrenalina em meu corpo ainda. — eu balancei a cabeça, tentando ignorar tudo o que havia acontecido. — De onde você sabe fazer o que fez com meu pai?

— Quando você conhece a realidade na África, acaba aprendendo algumas coisas. Isso é algo que já tive de fazer para salvar algumas vidas.

Eu o abracei, sem ligar para o sangue que se espalhava em nossas roupas.

— Obrigada — eu consegui murmurar. Ele me segurou firme e não deixou que eu saísse de seu abraço. E eu realmente não teria o feito se não fosse o interfone do apartamento tocando, fazendo-nos pular com o barulho e ver do que se tratava. Bernardo atendeu o telefone.

— Bruno?! — sua voz parecia impressionada. Ele ficou em silêncio por alguns segundos. — Então, você sabe. — Pausa — Tome cuidado. Vou abrir o portão — Bernardo falou e desligou.

— Quem era? — eu perguntei.

— Um velho e confiável amigo — Bernardo respondeu.

+++

Eu esperava qualquer coisa, menos um garoto de vinte e tantos anos ajudando a carregar uma garota com o rosto ferido. O corte em sua bochecha era profundo e ela parecia estar em muita dor. Não ligava para os cabelos louros sujos de sangue e muito menos o amigo de Bernardo parecia ligar para o sangue em suas roupas. Eles estavam tão péssimos quanto nós.

— Meu Deus, cara, o que houve? — Bernardo se aproximou, ajudando a levar a garota até um dos sofás. Eu acompanhei a cena sempre perto.

— Longa história — o tal do Bruno respondeu. — Que diabos aconteceu aqui?

— Alice e seu pai me ajudaram a fugir. Há pessoas atrás de... você sabe. — Bernardo explicou. O garoto entendeu. — Nós tivemos alguns problemas, mas o pai dela já está melhorando.

Eu e Bernardo olhamos para papai desmaiado sobre o lençol na sala.

— Você acha que consegue ajudar Clarice? — Bruno pediu, sentado ao lado da garota. Ela deitava seu rosto no ombro do garoto, mas parecia cansada. — Estamos dirigindo há horas.

— Claro. Alice, você me ajuda? — Bernardo pediu. Eu me prontifiquei, na hora, sentando onde, antes, Bruno sentava. — Bruno, se importa em pegar uma toalha no banheiro? Irei apoiar a cabeça dela aqui no sofá.

O garoto foi rápido e logo a trouxe; eu posicionei a toalha no topo do sofá, onde a garota deitaria com a cabeça. Sem que Bernardo pedisse, eu peguei o álcool e nós esterilizamos nossas mãos. Ele começou a limpar o rosto dela e eu pude ver o quão profundo estava o corte; ele precisaria costurá-lo, também. Por um momento, eu me perguntei se ela já sabia o quão feio estava a situação e se ela sabia que ficaria com uma cicatriz; mas, ao mesmo tempo, eu sabia que Bernardo faria o possível para ajudá-la.

Clarice gemeu com o álcool que era usado para limpar seu rosto. Bernardo olhou para mim e eu entendi que deveria segurar o rosto dela para que ele o costurasse. Eu o fiz e ele, então, pegou uma agulha nova e novos fios. Começou a suturar o corte e eu percebi o esforço da garota em tentar não mover os lábios. Suas bochechas foram, pouco a pouco, tendo sua pele unida pelos fios. Assim que Bernardo terminou, Bruno se agachou em frente a garota.

— Clarice, está me ouvindo? — Bruno pediu.

Ela fez que sim.

— Ela precisa descansar, até a dor passar. Eu tenho um pouco de morfina, pretendo dá-la a ela e ao pai de Alice. Tudo bem por você? — Bernardo pediu. Bruno assentiu. — Podem ficar com um dos quartos. Será que pode levá-la até lá, enquanto eu arrumo o remédio? — Bernardo explicou. O garoto obedeceu.

Eu me sentei ao lado de meu pai, Bernardo indo até o outro; eu o ajudei a carregá-lo até outro dos quartos que havia no apartamento. Deitamo-lo na cama e eu esperei Bernardo buscar seu kit, de onde ele tirou uma injeção enorme. Ele segurou o braço de meu pai e, exatamente na veia saltada, injetou a morfina.

— Fique aqui, tudo bem? Eu vou ajudar a garota e já volto.

— Bê, nós estamos seguros? Com eles aqui?

— Estamos. Fique tranquila. — e ele saiu do quarto.

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