Capítulo 16.

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Trinta minutos. Trinta minutos foi o quanto meu corpo aguentou em cima daquele navio imenso. A sensação de estar flutuando sobre as águas, toda a estrutura se movendo de um lado para o outro... eu corri para a primeira janela que vi, deixando sair de dentro de mim qualquer coisa que fosse.

— Pelo amor de Deus, me tragam um balde! E remédios! — eu ouvi Bernardo pedir. Nós estávamos na cabine do capitão, para ver a vista dali, mas eu não conseguia evitar; com a cabeça para fora, sentindo ainda mais evidente o cheiro da maresia... parecia que eu não pararia de vomitar nunca mais.

— Mas, senhor, nós não temos remédio para enjoo aqui. No máximo, para dor de cabeça ou algo do tipo. Estamos todos acostumados com isso — um dos marinheiros disse.

— Espere — eu ouvi o capitão dizer. — Aqui está. Posso estar anos no mar, mas isso não me impede de carregar um pouco desse líquido mágico. Dê a ela o remédio e leve-a para o meio das cargas, bem ao meio do navio. Lá a estabilidade é maior. Tudo bem?

Bernardo disse que sim enquanto eu soltava um barulho horrível e vomitava mais um pouco.

— Ei — ele murmurou, tocando as minhas costas. Eu tentei esconder meu rosto para que ele não visse o estado deplorável em que eu me encontrava. — Eles trouxeram um balde. Será que consegue andar até o centro do navio? Eu vou te dar o remédio quanto chegarmos lá.

Eu me virei imediatamente e abracei o balde, me segurando para não vomitar com todos aqueles olhos em mim. Bernardo, o capitão, e outros dois marinheiros. Bernardo assentiu, guiando-me com sua mão em meu cotovelo, e abrindo espaço entre as pessoas e cômodos pelos quais passávamos. Tivemos de descer escadas internas e externas, e eu tentava me controlar toda a vez que via o mar e percebia o quanto o navio chacoalhava. Eu só fui deixar o meu estômago se libertar quando chegamos no centro do navio, em meio a inúmeros contêineres. Apoiei-me em um deles, segurei o balde e deixei sair.

Quando ergui meu rosto, limpando delicadamente meus lábios, eu vi Bernardo se aproximando, trazendo um caixote, uma garrafa de água e um frasco de remédio.

— Desculpe-me por não ter um banquinho melhor. — ele chegou, se escusando.

— Não tem problema, sério. Não é sua culpa que eu sou fraca para essas coisas.

Ele deixou um sorriso escapar e eu me sentei na pequena estrutura de madeira. Aquele era, definitivamente, um lugar estranho para se estar. Em meio aquelas caixas enormes de ferro, que, como Bernardo disse, estavam vazias apenas para camuflar nossa ida até o norte do Brasil, o cheiro de mar, o piso sempre úmido e molhado por conta de ondas nervosas que quebravam... eu apoiei as costas em um dos contêineres e olhei Bernardo em minha frente. Ele se agachou e me entregou o frasco de remédio.

— Beba isso. Dê dois goles e, depois, beba água. Você vai melhorar.

Eu assenti e obedeci. Abri a tampa do remédio, levei-o, sem pensar muito, à boca e dei os goles necessários. Depois, arranquei a garrafa de água da mão dele e bebi quase tudo, tentando tirar o gosto ruim do líquido medicinal.

— Isso e horrível — eu grunhi, depois de beber a água.

— Eu sei. — ele se agachou e tocou meus joelhos para se apoiar. — Como está se sentindo?

— Um pouco melhor. Aqui não balança tanto. — e eu respirei fundo, sentindo-me menos pior. Olhando para o sorriso alinhado de Bernardo, meu corpo se acalmou.

— Vai dar tudo certo, Alice. O seu projeto “acorde o garoto do suposto coma para descobrir que ele é herdeiro de um tesouro e o ajude a encontrá-lo em Fernando de Noronha” vai dar certo.

Eu segurei um riso. — Tem sido interessante até aqui.

— Mas não seria a mesma coisa sem você. — ele estendeu o braço e arrumou o meu cabelo para trás da orelha.

— Honestamente, a minha ficha ainda não caiu. Por Deus, estou em navio cargueiro com o cara mais lindo que já vi em minha vida. E nós estamos atrás do tesouro de Cabral, para criar o museu que você tanto que e para que, depois, você continue tocando a instituição dos seus pais. É uma loucura.

— É mesmo. Mas você esqueceu um detalhe importante.

Eu franzi o cenho, sem entender.

— Eu não vou criar o museu ou continuar com a instituição sozinho. Eu quero você lá comigo.

Eu arregalei meus olhos.

— Bê, isso é uma coisa sua. Eu estou te ajudando, mas não posso...

— Eu confio em você. Falo quantas vezes você ache necessário. Eu preciso de você comigo. Eu deixo você ficar com os créditos, se quiser. — ele brincou. — Mas não me deixe sozinho.

— Então, você está dizendo que quer que eu vá até a África? Para ajudar crianças e pessoas que lutam para sobreviver por lá? E, tudo isso, ao seu lado?

Ele fez que sim, receoso com o que eu tinha a dizer.

— Por que não disse antes?! — eu falei, fazendo seus ombros relaxarem. — Afinal, eu e meu pai precisaremos sumir por um tempo, você não acha? Até que fique comprovado que nós não te sequestramos e só estávamos te ajudando... — eu falei, em tom de brincadeira, fazendo Bernardo rir da situação.

— Vai dar uma boa história, mas vocês não terão que se preocupar com isso.

— Você está certo. Temos uma gangue de caça-tesouros com que se preocupar. E algo me diz que eles não estão muito longe de nós.

Bernardo fez que sim. — Também penso isso.

Pensativa, eu me encolhi com o vento frio que fazia e olhei para os contêineres em volta.

— Está com frio?

— Um pouco — respondi.

— Se você se sente melhor, nós podemos entrar. Os dormitórios são mais quentinhos e estáveis.

Eu fiz que sim. Bernardo se pôs de pé e ergueu a mão para que eu me levantasse e se equilibrasse. Com seu braço sobre meus ombros, ele foi me esquentando até chegarmos nos quartos do navio.

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