Eu não faço ideia de que horas peguei no sono. Deveriam ser quase três horas da manhã, enquanto eu vasculhava a internet em busca de imagens relacionadas aos diários e à vida de Cabral. Tudo o que eh me lembrava, quando abri os olhos pela manhã, foi que a última coisa que eu vira era uma fotografia de Bernardo com seus pais, em uma viagem à África. Suas tatuagens estavam expostas graças à regata branca que usava, e seus lábios esboçavam um leve sorriso em direção às crianças que brincavam ao seu redor. Ao lado, seus pais se abraçavam e pareciam mais apaixonados do que nunca. Eu tive vontade de fugir para ouvir todas as histórias que Bernardo tinha a contar.
Por sorte, quando me levantei e desci até a cozinha, papai não estava em casa. "Tive uma emergência no trabalho. Não sei que horas volto. Se cuide, princesa", dizia o bilhete sobre a mesa. Eu guardei o papel em minha bolsa e, ao mesmo tempo, tirei alguns trocados e meu celular, afinal, não precisaria de muito para o dia agitado que eu teria. Não me preocupei em comer algo pesado. Algumas bolachinhas salgadas deram conta do recado.
Faltavam cinco minutos para as duas horas da tarde, quando me pus em frente a minha casa. O carro de Helena entrou em minha rua pontualmente com o combinado e, conforme o combinado, eu percebi seu nervosismo. O cabelo bagunçado, o cenho franzido, os lábios mordidos. Eu entrei assim que ela parou em minha frente.
— Trouxe o que eu pedi? — perguntei.
Ela sinalizou para trás, com a cabeça, e eu segui com o olhar. No banco traseiro, havia uma mochila entreaberta, duas armas aparecendo de dentro. Eu voltei a olhar para frente.
— Em que foi que você se meteu, hein? — Helena perguntou, sem me olhar.
Eu senti o medo em sua voz e sabia que ela não entenderia se eu não contas a verdade. Eu sequer havia pensando e ensaiado algo; a verdade saiu facilmente. Contei-lhe sobre o projeto, sobre Bernardo, sobre o acidente de seus pais e sobre a teoria que lera sobre sua família. Por mais que Helena parecesse ter dúvidas sobre a história, eu somente permiti que saíssemos dali quando ela jurou que não contaria aquilo para ninguém. Em seguida, ela dirigiu até o endereço que eu lhe passara — a casa de Bernardo.
Ficamos em silêncio durante todo o percurso. Eu não poderia pedir a Helena mais do que já havia pedido; eu sabia que ela estava tão nervosa quanto eu, e eu não queria estragar o momento falando alguma besteira sobre todas as merdas que podiam acontecer se algo desse errado.
Quando estávamos nos aproximando do endereço, sinalizei para que ela estacionasse em uma vaga mais distante, ainda mais por ser um bairro residencial. Eu peguei a mochila do banco de trás e saí do carro. Helena o trancou e logo veio até mim.
— Você tem certeza do que está fazendo?
— Tenho certeza que não quero que matem Bernardo. E eu preciso vir até aqui para pegar o celular dele. Foi o que ele pediu.
— Por Deus, um celular? Não acha que, se alguém invadiu a casa, alguém já teria levado?
Eu dei de ombros. Não fazia a menor.
— Se eles têm um tesouro, por que levariam um celular? — eu rebati. — Talvez há outras coisas interessantes na casa.
Nós desaceleramos o passo quando a casa — mansão — de Bernardo se desenhou em nossa frente. O jardim frontal era enorme, com um caminho de pedras até a porta de entrada; a garagem era fechada, mas não havia qualquer muro ou proteção para se andar pelo terreno da casa. Nós olhamos em volta, certificando-nos de que não havia ninguém nos olhando, e, então, caminhamos pela lateral da enorme casa cor bege claro. Eu procurava por uma janela, uma porta, qualquer coisa que nos permitisse entrar.
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O projeto.
RomanceAlice Pardal não está preocupada com as notas que terá durante o semestre de sua faculdade de Psicologia; ela sabe que é inteligente e que, se estudar um pouco, já dá conta do recado. O problema é os projetos comunitários que ela precisa fazer, para...