TRÊS MESES

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Quando Beca acordou de uma soneca e olhou ao redor do berço, viu o djinn pela primeira vez. Ela ainda não sabia que tinha somente três meses. Nem mesmo sabia o que eram três, ou meses. Não sabia que era uma menina e que, apesar de seu nome ser Rebecca, todos a chamavam de Beca desde o primeiro dia de vida. Portanto, certamente não podia imaginar que aquela criatura ao lado do berço era um djinn, o seu djinn particular.

Mesmo assim, no desconhecimento que cerca os humanos ainda jovens, Beca achava aquilo muito divertido. "Divertido" era outra palavra que ainda não conhecia, mas entendia muito bem o significado. Sempre que aquela coisa brilhante e calorosa se aproximava do berço, sentia borboletas que voavam e faziam cócegas dentro de sua barriga. Para ela, isso era diversão.

Nessa época, o djinn de Beca não se fazia muito grande para não assustar a menina. Claro que ele poderia ser grande, pois como todo djinn ele tinha poderes para se transformar em qualquer coisa. Podia ser do tamanho ou formato que quisesse, ou do tamanho e formato que fosse necessário. O djinn também fora abençoado com a capacidade de realizar qualquer desejo que uma pessoa – mesmo muito pequena e com somente três meses de vida – soubesse desejar.

Beca ainda não tinha desejos mundanos, desses que chegam com o passar do tempo e o conhecimento das coisas. Nutria som ente vontades pequenas e simplórias. Seus prazeres cotidianos eram o peito da mãe, o bigode e a barba do pai, os óculos ou os brincos de alguma visita que se aproximasse do berço. Estendia as mãos para tudo, assim que teve controle sobre elas, ávida pelas múltiplas sensações que um simples toque podia causar. O djinn somente observava. Eram "desejos de bebê" – ele pensava – desejos satisfeitos pelas pessoas que rodeavam a menina.

Beca também desejava trocar as fraldas de vez em quando. Como se fossem controladas por um relógio, vez que outra as fraldas ficavam em um estado lastimável. Era inacreditável que uma criatura que só bebia leite e era tão minúscula fosse capaz daquilo. Nessas horas, ela sentia uma sensação esquisita na parte de baixo do corpo, um desconforto úmido, por assim dizer, e desandava a chorar. Chorar era quase um passatempo, a linguagem particular que todo bebê humano aprende a controlar. Ela descobriu que havia vários modos de se comunicar chorando. Podia pedir comida, avisar que estava suja, que tinha dor no ouvido ou cólicas. Chorava porque queria dormir ou acordar, sentar ou morder alguma coisa. Conseguia quase tudo abrindo o berreiro, e logo se tornou fluente na arte. Eram gemidos sofridos aos ouvidos da mãe ou gritos estridentes que assustavam até mesmo o djinn. A julgar pelo início da vida, e o modo como ela conseguia demandar por seus múltiplos chorares, ninguém diria que aquela menina, um dia, precisaria de qualquer gênio para satisfazer seus desejos.

Apesar de prestar muita atenção nela e ler suas vontades continuamente, o djinn tentava não interferir no dia a dia de Beca. Esperava que eles se acostumassem mais rápido um com o outro desse modo. Ele praticamente passava os dias e noites sentado na cômoda, entre a babá eletrônica, as miniaturas de Fórmula Um e o abajur de pantalha forrada com bolas de futebol e basquete, empoleirado no berço ou na posição de lótus sobre o tapete felpudo. Se alguém levava a menina para um passeio ou ia para outro cômodo da casa, ele a acompanhava. Algumas vezes, ensaiava caretas engraçadas ou fazia piruetas no ar deixando um rastro de fagulhas coloridas que prendiam a atenção da criança fazendo-a gargalhar. Mais de uma vez, a mãe de Beca sorriu ao ver as expressões da filha, seu revirar dos olhos arregalados e a gargalhada banguela. Muitas vezes se perguntou o que a pequena olhava tão atenta, mas nunca seria capaz de imaginar o que a criança realmente via.

À noite, quando Beca ia para o berço na hora de dormir, o djinn se transformava em brasas amenas e a aquecia se estivesse frio. Quando fazia calor, se transformava em pequenos cristais de gelo e a refrescava. A menina ficava serena desse modo, e quando ela adormecia, o djinn plantava em sua mente sonhos doces, infantis e divertidos. Antes mesmo de saber o que significa três, Beca já entendia o que era ser feliz.

O djinn passava a noite acordado dentro do quarto. Criaturas mágicas criadas do fogo divino não precisam dormir. A única exceção de sua constante presença era quando estava amanhecendo. Os djinn nutrem um grande apreço pelo amanhecer, um momento mágico de transição entre o dia e a noite. Nesta hora, ele gostava de voar bem alto sobre a casa, até onde conseguisse vislumbrar a curva geodésica da terra sendo rompida pela luz do novo dia. De algum modo, visto ali de cima, o horizonte infinito lhe recordava sua casa. O brilho do sol sobre as planícies trazia à memória o fulgor de seu castelo de cristal e areia, invisível aos olhos humanos. Seu lar se erguia majestoso onde o deserto nascia no reino dos djinn, ao pé das Montanhas Káf, que circundam o mundo. Mas, apesar da vontade que sentia de conhecer os outros djinn – dos quais somente tomou conhecimento no dia em que fora soprado pelo Criador – o djinn sabia que enquanto a menina vivesse suas vidas estariam conectadas. Todos os seus poderes mágicos deveriam ser usados para concretizar os desejos daquela coisinha pequena e risonha, cujos grandes olhos castanhos lhe arrebataram desde o primeiro minuto em que a viu, deitada no colo da mãe, ainda na sala de parto.

A menina e o djinnOnde histórias criam vida. Descubra agora