Em certo momento da vida de Beca, o djinn chegou a pensar que havia uma maldição que acometia o comportamento dos humanos a cada dez anos de vida. Isso foi quando a menina completou treze anos. Já fazia dez anos que passaram da fase terrível em que ela fazia birras e teimava com o pai e mãe de toda maneira possível. No que tocava ao djinn, parecia que aquela fase estava de volta.
"A adolescência é mesmo um momento singular", pensava ele. Talvez o mais desumano dos processos humanos, a difícil arte de transformar o corpo e a mente de uma criança em um corpo e mente de um adulto. Um desafio mágico para a natureza. Não só mágico, mas grandioso. Era preciso que todas as células do corpo trabalhassem coerentemente nessa mudança para alterar a voz, crescer os seios, complementar os órgãos genitais, liberar os óvulos, expulsar parasitas indesejáveis pelos poros da face, recompor redes neurais, estender músculos, tecido e ossos, tudo sem comprometer a sanidade mental e as relações com seu grupo social. Era mesmo uma das maiores mágicas da vida.
Por outro lado, por causa da grande quantidade de variáveis aleatórias, nem sempre essa transformação funcionava de maneira equilibrada, principalmente, porque envolvia alterações na estrutura do cérebro. O novo adulto em formação desenvolve uma mudança radical na capacidade de perceber. Na adolescência, os humanos passam a pensar em possibilidades, são capazes de criar hipóteses que nunca existiram, elaborar – de uma maneira abstrata – sobre tudo o que os cerca. É um novo dom e, ao mesmo tempo, uma nova armadilha. A grande emboscada para a felicidade humana sempre foi perceber como realidade algo que não existe.
Talvez isso explicasse o mau humor quase constante de Beca. Considerando que ela estava abandonando o pensamento infantil e que seu pensamento agora era multidimensional, ela passou a ter a habilidade de questionar diversas coisas que antes não era capaz. Fazia parte das mudanças no cérebro. O mais difícil deste processo era que, mesmo assim, apesar de ser capaz de questionar e argumentar em seu favor, isso não lhe dava autonomia para gerenciar a própria vida. Devia ser mesmo frustrante, pensava o djinn: imaginar que sempre se está com a razão e acreditar que se tem todas as respostas, mas nunca poder tomar uma decisão em seu próprio favor.
Agora, ela era capaz de questionar e argumentar sobre a determinação dos pais para que fosse dormir em tal horário. Sentia-se confortável para pedir explicações que fundamentassem a proibição de ela usar aquela minissaia que todas as colegas de classe estavam usando. Queria que detalhassem a decisão de não poder ir a algum lugar, dormir na casa de uma amiga, ou chegar mais tarde em casa. Qual era o real motivo para comer brócolis se podia comer os mesmos nutrientes em coisas mais saborosas? Comparava suas responsabilidades com as responsabilidades do pai e da mãe, e exigia que alguém lhe explicasse por que não podia tomar suas próprias decisões. Por outro lado, a falta de experiência a tornava ignorante para as consequências óbvias de algumas de suas ideias sobre atos impulsivos. Também era ignorante sobre o papel da mãe e do pai de manterem alguma lógica social em seu desenvolvimento emocional. Beca era uma adolescente clássica: uma mistura bombástica de determinação, ingenuidade e ignorância, regada por hormônios disparados em todas as direções e um celular conectado na internet.
Se o djinn não fosse uma criatura mágica e capaz de compreender toda a ansiedade humana, com certeza também teria perdido as estribeiras com Beca nessa fase. Em certos dias, ele tinha certeza de que algo estava errado, e que ela havia enlouquecido. Mas ao despertar do dia seguinte, uma nova Beca florescia, toda sorrisos e carinhos. O djinn se perguntava se havia mais de uma Beca, e se elas eram substituídas durante a noite por alienígenas. A menina vivia uma espécie de roleta emocional. Um jogo composto de todas as nuances existentes entre um descontentamento completo com tudo e todos, e um amor profundo à vida em suas diversas manifestações. Era quase impossível dizer quantas personalidades Beca teve na adolescência, e era sempre uma incógnita para o djinn saber qual Beca iria despertar na próxima manhã.
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A menina e o djinn
General FictionEsta é a história de Beca, uma menina comum, mas que tem um Djinn todo seu, uma criatura mágica capaz de realizar qualquer desejo. A trama acompanha a vida de Beca mesmo antes de seu nascimento até a idade adulta. A menina recorre ao seu Djinn para...