ACAMPAMENTO

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Finalmente a sexta-feira chegou! Beca achou que os dias estavam mais longos desde a noite de terça, quando os pais autorizaram sua ida ao acampamento na fazenda. Preparou a mochila diversas vezes e experimentou muitas mudas de roupa até descobrir os looks perfeitos para cada dia e noite. Fez uma lista de músicas com muita dedicação, o que delegou a um segundo plano todos os deveres de casa trazidos da escola. "Um efeito colateral", como ela mesma relatou ao professor quando ele cobrou mais atenção da turma na quinta-feira.

Como consequência, o djinn teve de interferir e executar algumas dessas tarefas abandonadas. Ele trabalhou principalmente nos exercícios de química, que demandavam um raciocínio lógico e concentração mais apurados. Beca não conseguia se concentrar e – fazendo uma exagerada dramatização – pediu que ele fizesse o trabalho por ela. A princípio, o djinn se negou, mas após uma enorme pressão psicológica exercida pela menina – quando usou palavras como amizade, parceria, coleguismo e emergência – acabou cedendo. Bastou um fechar de olhos e voilá! estavam descritas e exemplificadas as fórmulas químicas de estruturas moleculares, estrutura plana ou eletrônica, totalmente separadas e redesenhadas. Beca achou tudo espetacular, mas com jeitinho, pediu que a fonte usada fosse algo mais simples, como uma Arial ou Times New Roman, pois talvez o professor achasse um pouco estranho ela escrever com letras que mais pareciam caracteres árabes. "Realmente muito simples", pensou o djinn, "mas não menos interessante".

Beca agradeceu efusivamente e disse que o djinn merecia um beijo, bem, isso se ele fosse feito de matéria, porque era impossível beijar algo imaterial.

– Considere-se beijado – ela disse.

O djinn aceitou isso como uma espécie de demonstração de gratidão, e respondeu que fazer os deveres de casa para ela não poderia se tornar um hábito. Beca não ouviu, estava experimentando diversos chapéus, imaginando qual deles seria mais apropriado para a fogueira de sábado.

Quando finalmente a sexta-feira chegou, a menina acordou animada. Parecia que havia tomado todo o estoque de antidepressivos da casa, mais algumas latas de energéticos, uma dúzia de xícaras de café e corrido na esteira por quarenta minutos. Era pura disposição! O pai e a mãe preferiram não zombar dela, mas acharam divertida a agitação na casa. A mochila que Beca preparou era tão grande que a menina quase não conseguia carregá-la. Além disso, levava uma bolsa, dois álbuns de fotos, barraca para duas pessoas, uma máquina de fotografias, lanterna, saco de dormir, um jogo de tabuleiro de zumbis e a caixa de som portátil. Era uma espécie de excursão ao topo do Himalaia, sem o Himalaia.

O pai de Beca ajudou a colocar tudo no carro, e quando chegaram à escola, as amigas que esperavam por ela carregavam tanta ou mais tralha do que Beca. O pai chegou a cogitar que talvez elas estivessem planejando uma fuga de adolescentes em massa, seguida da fundação de uma comunidade hippie em algum lugar remoto. Aparentemente, tinham material suficiente para sobreviver muitos anos sozinhas.

Logo a bordo da van que levou o grupo de meninas e meninos até a fazenda, e que também pertencia ao pai do menino dono do lugar, Beca voltou a se apaixonar. Dessa vez, era um garoto mais velho, que ela nunca tinha visto na escola. Na certa, algum parente do garoto dono do sítio. Ela não conseguia tirar os olhos dele, e parecia que ele retribuía os olhares. Ela e as amigas se divertiram muito naquela infinita viagem de duas horas. Já era quase metade do dia quando chegaram à fazenda. O verde das pequenas colinas – misturado ao ar puro do campo – trouxe uma inesperada calmaria para o grupo. Reuniram-se em uma grande mesa colocada na varanda que circundava a casa, e o pai do garoto, dono de tudo, definiu algumas regras para o final de semana.

Era proibido nadar na represa, somente era permitido nadar na piscina que ficava próxima à casa – o que todos acharam muito entediante. Não era permitido meninos e meninas na mesma barraca, o que todas as meninas imaginaram que era óbvio que não aconteceria. Na hora do almoço, seria tocado um sino, e quem não viesse ficaria sem refeição – o que não importava absolutamente nada, porque o estoque de coisas deliciosas que Beca e as amigas trouxeram para o acampamento era gigantesco. E, por fim, uma fogueira poderia ser montada no local especificado (longe das árvores e sem capim por perto). Para finalizar, o velho senhor alertou que crianças que brincam com fogo fazem xixi na cama, o que foi seguido por vários gritos desafinados e muitos risos afônicos saídos de jovens gargantas em transformação.

O djinn também viajou. Na noite anterior à viagem, Beca teve uma séria conversa com seu gênio. Basicamente, ela definiu as regras de participação do djinn no acampamento do final de semana.

– Você pode ir – disse ela –, mas não pode ficar me importunando. Vou estar com minhas amigas e não posso conversar com você na frente delas. Vão achar que estou louca ou que voltei a ser criança. Isso seria minha morte social na escola.

O djinn assentiu com um breve movimento de cabeça.

– É provável que tenha alguns animais na fazenda – continuou a menina. – Você não deve deixar que eles o vejam. Ouvi dizer que animais podem ver coisas que humanos não veem, e se virem você e ficarem agitados ou começarem a disparar pela fazenda, isso pode ser perigoso, ou pior, arruinar o final de semana.

Mais um breve aceno de cabeça do djinn, tentando imaginar onde ela teria "ouvido dizer" que animais são capazes de ver um djinn.

– Você não pode entrar na barraca – era a terceira orientação de Beca. – Vamos discutir assuntos muito inapropriados para um djinn, coisas de meninas, então acho melhor você ficar passeando pelo campo enquanto estivermos lá dentro. Mas longe dos animais! Não deve ser difícil para você fazer isso. São regras muito mais simples do que as suas regras do tal Livro Sagrado.

O djinn assentiu e perguntou maliciosamente, fingindo-se menos esperto do que era:

– E quanto à fogueira?

– Oh, meu Deus! – Beca cobriu o rosto com as mãos simulando um pequeno ataque de ansiedade, visivelmente querendo ser engraçada. – Você pode brincar na fogueira, mas não deixe ninguém perceber, vai ser nosso pequeno segredo.

Os dois sabiam da atração que o djinn sentia pelas coisas flamejantes e como ele podia manusear o fogo criando figuras nas chamas. Beca não imaginava como essas peripécias seriam vistas pela turma do acampamento. No fundo, consentiu porque adorava as brincadeiras que ele fazia na fogueira e o doce cheiro de açúcar queimado que emanava do djinn toda vez que ele brincava com fogo.

A menina e o djinnOnde histórias criam vida. Descubra agora