A menina e o djinn

UMA MENINA

Depois que desceu do carro, a mãe de Beca recebeu todo o cuidado que a situação requeria. Apesar do mal tempo que fazia lá fora, os efeitos da tempestade quase não eram sentidos na maternidade. Quando começou o parto, já na sala de cirurgia, o ambiente era tranquilo, e o som da chuva se tornara quase um sussurro encoberto pelo ruído contínuo do ar condicionado. Toda a ansiedade começava a se transformar nas memórias que a mãe de Beca teria no futuro. Ela conduziu tudo com uma tranquilidade que nunca acreditou que pudesse ter numa situação como aquela. Assim que chegou ao hospital, sentiu uma total confiança de que tudo ia dar certo. Talvez, impulsionada por todo amor que sentia pela criança que estava chegando, de algum lugar dentro dela tenha surgido uma força que dizia que tudo iria transcorrer em perfeita harmonia.

Depois que o bebê chorou pela primeira vez, foi colocado sobre o colo da mãe. A mãe ficou em silêncio olhando a criança por um tempo – confusa. Depois, também chorou compulsivamente de alegria.

– É uma menina! – ela gritou espantada.

A mãe de Beca havia tratado toda a gravidez como se a criança fosse um menino. No início da gestação os exames de imagem afirmavam isso. Quando ela fez o teste definitivo da identificação do sexo do bebê na nona semana de gestação, o resultado foi categórico: menino. Não havia nenhum motivo para duvidar. No entanto, diferente do que diziam os médicos, a criança agora em seus braços era mesmo uma menina.

Logo depois do nascimento, o pai de Beca pesquisou exaustivamente sobre o assunto tentando entender o que havia acontecido. Ele descobriu que os exames de sangue da nona semana de gravidez podiam ser contaminados por uma única célula masculina no laboratório de análise. Mesmo que essa fosse uma chance pequena, seria suficiente para justificar o equívoco. Por outro lado, era difícil acreditar que todos os ultrassons feitos durante a gestação haviam se enganado tanto assim. Mas a menina era a prova definitiva e estava ali para derrubar qualquer tese. O pai, que esperava um menino, ficou mais confuso que frustrado quando o médico informou que havia nascido uma menina.

– Isso não é possível, deve haver algum engano – ele retrucou.

Mas não havia engano, era mesmo uma menina. Depois da surpresa inicial, ficou algumas horas atordoado, nunca se sentiu preparado para ser pai de uma menina. Mas quando a enfermeira veio buscá-lo e o levou até o quarto onde estavam a mãe e a criança, e ele viu pela primeira vez os olhos daquela criatura minúscula, de rosto avermelhado e cabelos escassos, frágil e envolta em panos, seu coração deixou para trás tudo o que havia planejado para o futuro menino, e se apaixonou de imediato. Aceitou o novo fato com a mesma felicidade e sorriso nos lábios que aceitara a gravidez.

– Minha filha – orgulhoso, ele repetiu com ela nos braços.

Assim, todo o enxoval de Beca era azul e amarelo. O abajur decorado com bolas de futebol e basquete, as paredes forradas com papel onde pequenos índios montavam cavalinhos coloridos. O tapete era uma pista de corrida, e o móbile sobre o berço exibia adoráveis, pequeninos e sorridentes animais selvagens.

Somente uma criatura sabia a verdade sobre o sexo do bebê, e essa criatura era o djinn. Ao se lembrar daquela noite, a mãe contava que a única coisa diferente que havia sentido – exceto as terríveis dores do parto – era um forte calor na mão que irradiava para todo o corpo. Estranhamente, o calor lhe trazia uma confiança que jamais sentira antes. Dizia que era uma confiança absoluta de que todos seus desejos eram possíveis. O djinn, que segurou firmemente a mão da mãe de Beca na hora do parto, sabia que nos seus maiores e melhores sonhos a mulher sempre desejou ter uma filha. Ela sonhava que a menina se chamaria Rebecca, nome que em idiomas antigos significava "aquela que une dois mundos".

"A um desejo profundo, um djinn jamais pode dizer não", essa era a Primeira Regra do Livro Sagrado dos Djinn.