Quando uma criança completa cinco anos de idade, ela já passou um terço da vida dormindo, um terço fazendo atividades diversas e um terço na pré-escola. Parece ser um destino cruel para seres que foram criados à imagem e semelhança do Criador. Era assim que o djinn pensava. Para ele, a espécie humana estava destinada a grandes feitos. Eram os preferidos da criação, não só o mundo girava ao redor deles, como também havia sido feito para eles. Por uma ironia celestial, os humanos não tinham a menor ideia do que fazer com seu tempo livre e – embora não sejam criativos nos erros – quase nunca percebiam o tempo desperdiçado em coisas inúteis.
Beca ia para a escola todos os dias, o djinn a acompanhava, mas evitava interferir em suas relações sociais. Para ele – cuja sabedoria chegou de súbito num sopro divino –, ir à escola era uma perda de tempo. Beca poderia aprender muito mais convivendo em grupos variados, junto com seus pais e outras crianças, ao invés de manter uma rotina entediante e quase apática. Ele sabia que a maturidade e a sanidade mental de um adulto estavam relacionadas com sua capacidade de lidar com as diferenças e adversidades. Só existem duas formas de aprender isto: lendo livros ou interagindo com outros humanos. Mesmo contrariado, o djinn era capaz de suportar o tedioso dia a dia da escola em troca de um bom futuro para Beca.
A menina era boa nas interações sociais, fazia amigos facilmente. Parecia que o mundo familiar em que ela vivia – seguro e estruturado – propiciava condições para que exercitasse sua empatia colhendo novos amigos. Para alguns poucos, Beca confessava que tinha um djinn particular, mas amigos imaginários não são uma exceção aos cinco anos de idade. Na visão das outras crianças, então, não havia nada de extraordinário em ter seu próprio gênio. Exceto pela diferença de que o djinn dela realmente existia, Beca era uma criança como todas as outras.
Algumas vezes, o djinn se interessava em participar das brincadeiras na escola. Nesses dias, ele acelerava a roda do parquinho mais rápido do que as crianças eram capazes de fazer sozinhas, brincava de pique-esconde ou arremessava alguma criança para fora do balanço retendo sua queda só no último momento. Ele também materializava pequenas criaturas para brincarem no pátio. Quando as cuidadoras tiravam os olhos do celular, não viam nada além de um bando de meninos e meninas rindo e correndo como se brincassem com seres invisíveis. Era exatamente o que acontecia. Beca não contava para seus coleguinhas que aquelas traquinagens eram criadas pelo seu djinn, preferia manter esse segredo. Isso era tão divertido para ela, que algumas vezes teve medo de que o djinn se apegasse a outra criança e fosse embora.
Com esse pensamento se tornando recorrente, sem perceber, Beca começou a se afastar do djinn, culpando-o intimamente. Brincava menos com ele e não aceitava suas gracinhas. O djinn notou que havia algo errado e sondou os desejos de Beca. Descobriu que a socialização começava a deixar a menina insegura, um conceito particularmente humano. O medo em si não é um desejo, mas tem uma força tão grande como qualquer desejo essencial. O primeiro medo da infância é da perda. Beca tinha medo de perder o djinn, de perder sua companhia. Depois, outros medos foram se formando a partir dessa ideia, nutridos pela insegurança que começou a rondar a menina. O djinn sabia o motivo desse comportamento: Beca estava crescendo. Com a idade, começavam a aflorar os desejos de posse, a origem da maioria dos temores humanos. Para compensar, o djinn passou a ficar mais tempo ao lado da menina na escola e sempre que fazia qualquer coisa – que por acaso animasse outra criança – lembrava à Beca que ele pertencia a ela, e que a amizade entre eles nunca estaria em risco por nenhuma outra criança.
– Eu sou seu djinn, pequena – repetia sempre que sentia aquela angústia de uma ameaça externa no coração da garota.
Beca se acostumou com aquela frase e respondia fingindo uma birra.
– Não sou pequena.
O djinn aproveitou os sentimentos contraditórios para ensinar a menina a lutar contra a insegurança e desenvolver sua autoconfiança. Acima de tudo, ela devia saber que a vida não pode ser pautada pelo medo. O medo de perder é um poderoso impulsionador do sofrimento. Toda vez que abrimos mão de alguma coisa por ele, na verdade, estamos vestindo um escudo emocional que não nos deixa sentir dor, por outro lado, esse mesmo escudo também impede que sentimentos bons, alegria e prazer se aproximem de nós. O djinn ensinou Beca de que o importante é viver, lembrando a menina de que o primeiro tombo que ela caiu quando aprendeu a andar de bicicleta não foi suficiente para impedi-la de tentar outra vez.
No fundo, ela desejava aquilo, queria atenção. Foi justamente com o aumento da atenção do djinn, e a recuperação da autoconfiança da menina, que surgiu o primeiro conflito real entre eles.
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A menina e o djinn
General FictionEsta é a história de Beca, uma menina comum, mas que tem um Djinn todo seu, uma criatura mágica capaz de realizar qualquer desejo. A trama acompanha a vida de Beca mesmo antes de seu nascimento até a idade adulta. A menina recorre ao seu Djinn para...