PRIMEIRO DESEJO

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Um dia, Beca retornou da escola com um olhar que o djinn nunca havia visto nela. Foi o dia em que ela descobriu o amor, o amor por uma boneca. Essa não era uma boneca comum. Não! Esta era uma boneca que falava, dava pequenos passinhos, cantava e declamava respostas previamente gravadas numa memória virtual escondida em seu miolo de plástico. Havia também uma coleção de complementos. Uma coleguinha de classe levara esse brinquedo no "dia do brinquedo" na escola, e aquela foi a coisa mais espetacular que Beca viu em seus cinco anos de vida. O djinn sorriu quando a menina contou sobre a boneca.

– Muito bem menina, talvez este seja um bom presente de seis anos – ele disse.

Beca foi surpreendida. Não podia acreditar que o djinn fez uma proposta dessas! A indignação ficou estampada em seu rosto. Com uma calma que mais parecia a de um monge, Beca cruzou os braços e explicou ao djinn que faltava muito tempo para ela completar seis anos, e que talvez, quando os seis anos chegassem, ela não fosse mais criança, e o interesse numa boneca como aquela não existisse mais.

O djinn contra argumentou que cinco meses passam muito rápido, dificilmente a boneca deixaria de ser tão maravilhosa nesse curto espaço de tempo, mesmo para uma criança já com seis anos. Beca não estava disposta a negociar. Não aceitou a ideia de pedir a boneca de presente e esperar até o aniversário.

– Presentes demoram demais – ela disse. – Preciso me comportar, escovar os dentes, juntar meus brinquedos do chão.

O djinn teve que concordar, conseguir presentes realmente demandava muito esforço pessoal.

– E o que a menina sugere? – perguntou, já imaginando a resposta que receberia.

– O que eu sugiro? Simples! Você me dá a boneca agora, e não precisamos esperar até o meu aniversário. Você é meu djinn, não é?

O djinn não disse nada, mantendo o olhar fixo nos pequenos olhos atrevidos da menina, depois deu um sorriso. Primeiro, pensou que isso poderia ser um teste para provar sua fidelidade, mas a postura desafiadora e os olhos duros de Beca esperando a resposta não deixavam dúvida de que ela não estava brincando.

– Os djinn não são uma infinita fábrica de brinquedos – ele argumentou.

– E que diferença isso faz? Infinita fábrica de brinquedos ou não, são feitos para realizar desejos, você mesmo me disse – completou a menina.

Um ar de irritação começou a aflorar na voz dela.

– Nem todos os desejos, menina.

Beca não se deu por satisfeita, fez um estalo de contrariedade com a língua e retrucou com uma expressão de impaciência.

– Você dificulta tudo! Como eu vou saber quais desejos posso pedir e quais são "nem todos"?

– Bem – começou o djinn –, alguns desejos parecem verdadeiros, mas são momentâneos. Você aprenderá as diferenças quando chegar a hora. Digamos que, nesse momento, a boneca parece ser a coisa mais importante de sua vida – e para você ela realmente é. Agora, imagine que você tivesse a boneca e perdesse alguma outra coisa que ama mais do que a boneca, ela ainda seria mais importante do que a coisa perdida?

Beca mordiscava o lábio inferior enquanto ouvia o djinn. Era um misto de curiosidade e pouco esforço para compreender, uma determinação que era facilmente vencida por um crescente desinteresse na lógica, imaginando que aquela falação toda levaria a um desfecho indesejado.

– Não quero brincar de charadas – ela respondeu.

– Veja, pequena – prosseguiu o djinn, ignorando os cinco anos da menina. – Um desejo nasce dentro de uma pessoa e cresce até um ponto onde é preciso fazer algo sobre ele: atender ou esquecer. Os desejos são capazes de vagar por muitos caminhos e movimentar muitas forças até serem atendidos. Mesmo assim, nada garante que todos os desejos de uma vida serão atendidos. Muitas vezes, o que você pensa que é um desejo, na verdade, pode ser só uma vontade.

"As vontades são constantes e aparecem disfarçadas de algo maior o tempo todo, mas um desejo – suspirou –, um desejo nasce em algum lugar na alma onde nenhum humano é capaz de tocar. Ele é gerado lentamente, e a cada dia vai se desenhando, até ter sua forma final. Com o tempo, quando seus verdadeiros desejos começarem a se criar dentro de você, você vai saber distinguir o que é um desejo e o que é uma simples vontade. Também tenho certeza que vai saber como conquistar cada um".

– Pois eu não cresci ainda! Não tenho tempo e nem vontade de esperar. Meu desejo já está formado. Desejo essa boneca, agora! Ordeno que você faça ela aparecer imediatamente – respondeu Beca, atrevida.

– Infelizmente não posso fazer isso, pequena. Não posso revelar meus motivos, só posso dizer que seu djinn não fará isso.

O djiin mantinha um ar desafiador, emoldurado por um resquício de ironia e uma calma compassiva. Por outro lado, Beca estava visivelmente furiosa.

– E por que eu preciso de um djinn se nem sequer uma boneca posso ter? – ela esbravejou.

– Para todas as outras coisas que não são uma boneca – o djinn respondeu irônico.

– Pois a partir de agora não sou mais sua amiga, estou brigada com você! – a menina falou num tom firme, e saiu do quarto batendo os pés.

Bater os pés com força ao caminhar era um de seus recursos mais extremos quando queria demonstrar que alguma coisa realmente a incomodava. Fazia isso na esperança de comover o oponente, como se o gesto fosse abalar a ordem do universo e fazer valer sua vontade.

O djiin encerrou sua argumentação, mas pensou em todas as vontades humanas. Frágeis criaturas abandonadas para construírem o próprio conhecimento, somente sobrevivendo da crença de serem especiais, sem sequer um sinal definitivo de seu verdadeiro valor enviado pelo Criador. O djinn sentiu pena dos humanos, crianças repletas de vontades, confusas entre o que realmente precisam e o que simplesmente querem.

Mais tarde, naquele mesmo dia, o pai de Beca chegou trazendo uma enorme caixa. Beca nem precisou abrir o pacote para saber que, lá dentro, estava a boneca perfeita – gigante – que falava, dava pequenos passinhos, cantava e respondia perguntas simples gravadas em sua memória virtual. A menina se abraçou ao pai agradecendo milhares de vezes. A mãe não entendeu o presente, mas também sorriu ao ver a filha tão animada. Naquela noite, Beca dormiu abraçada na boneca gigante, mas se ficasse acordada por mais tempo, ouviria a mãe perguntar ao pai o motivo do presente. Ele respondeu que comprou a boneca num impulso.

– Nunca se sabe sobre o dia de amanhã – falou antes de apagarem a luz.

O djiin não estava no quarto, mas podia sentir o amor pulsando nos pais e envolvendo a menina. Pensando em como Beca questionou sua atitude sem conhecer a totalidade dos fatos, desejou ele mesmo jamais questionar os caminhos do Criador.

"Para seu humano aprazer, de qualquer um poderá o djinn se valer", assim estava escrito na Terceira Regra do Livro Sagrado dos Djinn.

A menina e o djinnOnde histórias criam vida. Descubra agora