Beca não tinha ideia do que estava acontecendo, mas de uma hora para a outra a casa começou a se encher de cores, adornos, coisas divertidas, doces e deliciosas. Depois de toda essa grande agitação, apareceu muita gente diferente, pessoas que ela jamais havia visto. A menina ficou imaginando se todas essas pessoas tinham saído de dentro daquela coisa dependurada na parede, que o pai olhava todas as noites. Chegavam com enormes sorrisos, tinham muitos cheiros diferentes, usavam roupas coloridas e Beca adorou isso tudo. Era seu primeiro aniversário.
As pessoas traziam pacotes recobertos por uma coisa macia e sem gosto, mas que fazia um barulho adorável. Beca provava todas as folhas de embrulho que embalavam os presentes, mas ainda que achasse isso muito divertido, não se agradou do gosto de nenhuma. Depois, vencida a fase de comer os papéis de presente, iniciou-se a fase de deslumbramento com as caixas. Eram muitas formas, pesadas e leves, grandes e pequenas. Ela adorou porque tinha força para jogar algumas para o alto, e quando elas caíam, faziam um excelente barulho. O interesse pelas caixas começou a se desvanecer logo depois que uma delas caiu sobre sua cabeça. Nessa hora, ela descobriu que alguém estava retirando "coisas" de dentro das caixas, e que essas "coisas" eram muito mais divertidas. Ela podia mexer nelas! Naturalmente essas ideias não eram formuladas em uma ordem tão linear. Naquele período de vida, Beca era uma espécie de interruptor que podia ser ligado em dois modos: Bom e Ruim.
Quando as coisas estavam dispostas ao seu agrado, ela ligava o modo Bom; do contrário, quando estava no modo Ruim, usava todas as armas que tinha para fazer valer sua vontade. No dia do aniversário, ou pelo menos uma boa parte dele, Beca estava no modo Bom. Achava tudo divertido, e seus olhinhos corriam de uma coisa para outra, passeando de rosto em rosto. Até a exaustão chegar, divertiu-se com tudo e com todos. Como toda criança de um ano, teve seu momento de colapso sensorial pela quantidade de informações, e quando o modo Ruim se instalou, o pai recolheu-se com ela na pequena biblioteca para descansarem enquanto os últimos convidados iam saindo.
O momento pitoresco da festa foi a hora do 'Parabéns a Você'. Próximo ao seu primeiro aniversário, Beca já era capaz de cantar a música, mas não exatamente como a mãe esperava. Elas faziam sessões diárias preparando a criança para o momento do bolo, mas na hora de cantar era muito difícil fazê-la dizer as palavras ou emitir qualquer som parecido com a letra da música. A menina conseguia cantar a melodia, mas com outros sons, que para a mãe não passavam de grunhidos infantis. Essa foi uma pequena traquinagem do djinn, ele ensinou para Beca o 'Parabéns a Você' cantado em árabe. A letra nesse idioma é muito mais simples, praticamente formada por uma só frase e requer uma fácil repetição de sons. Muito fácil até para um bebê! Era melhor para Beca cantar com aqueles poucos tons do que decorar todos os sons que a mãe tentava lhe ensinar. Desconhecendo o significado da maioria das palavras, nem um nem outro modo fazia qualquer sentido para a menina. Tudo era pura diversão!
E no dia de seu primeiro aniversário, na hora do bolo, todos os convidados e a família cantaram o 'Parabéns' tradicional. Enquanto isso, Beca cantava a música em seu próprio idioma, batendo palmas com os bracinhos por sobre a cabeça e pura empolgação. A menina não sossegava o olhar de um lado para outro. Vez que outra, interrompia as palmas para acenar para o canto da sala onde o djinn acompanhava a melodia orgulhoso. Divertidamente ele movimentava os braços como se fosse um maestro regendo. Ninguém podia ver, exceto Beca e o djinn, mas unicórnios, coelhos e fadas dançavam ao redor da mesa de doces lançando luzes multicoloridas por sobre os convidados.
Passado algum tempo, um colega de trabalho do pai de Beca – que esteve no aniversário – criou coragem de perguntar por que a menina havia cantado o 'Parabéns' em árabe. Só então o pai pesquisou e entendeu o que aconteceu. Ele e a mãe ficaram alguns dias pensativos sobre aquilo, mas como o próximo aniversário só seria dali a um ano, acabaram deixando a história para trás, imaginando se tratar de uma dessas peculiaridades que cercavam a vida de Beca. A menina jamais cantou a letra na sua língua natal.
Do terceiro aniversário em diante, a mãe de Beca passou a incluir a singular letra do 'Parabéns a Você' – em árabe – no verso dos convites que enviava, para que os convidados soubessem cantar, e Beca não se sentisse excluída. Como não havia maneira de mudar o comportamento da menina em relação à música, a mãe achou por bem ajeitar as coisas de outra forma. Decidiu que se era assim que Beca desejava cantar em seus aniversários, assim seria. Até completar quatorze anos, o 'Parabéns a Você' de Beca foi cantado em árabe, sempre regido pelo djinn, em algum canto da sala, visível somente para os olhos de sua menina.
Exceto o incidente na hora de cantar, o desempenho da garota nos quesitos restantes de um primeiro aniversariante foi perfeito. Ela mereceu um "dez" em bater palmas, ser simpática com as outras crianças e apagar a velinha. Isso não poderia ser diferente, nos meses anteriores ao aniversário – junto com seu djinn –, ela havia soprado centenas de velas verdadeiras, de todos os tamanhos e todas as cores. Ele materializava as velas para que ela soprasse e soubesse exatamente como fazer na hora da festa.
Quando Beca finalmente dormiu, seu dia havia sido tão bom que desejou reviver tudo outra vez. Nessa noite, teve sonhos repletos de magia, nos quais enormes presentes coloridos, unicórnios, fadas e coelhos mágicos dançavam com ela e o djinn ao som do 'Parabéns a Você' cantado em árabe.

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A menina e o djinn
General FictionEsta é a história de Beca, uma menina comum, mas que tem um Djinn todo seu, uma criatura mágica capaz de realizar qualquer desejo. A trama acompanha a vida de Beca mesmo antes de seu nascimento até a idade adulta. A menina recorre ao seu Djinn para...