Capítulo 13 Uma estranha sem ninho

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Eu estava seguindo viagem com o caminhoneiro Zé Maria, ele era mesmo uma gracinha, me contou a história de sua vida, de quando se viu um menino preso dentro do corpo de uma menina, muitas vezes chorou quando era obrigado a usar vestidos e sair como uma linda garotinha, quando tudo que deseja era ser um homem. Sua adolescência tinha sido difícil, chegara a namorar com um rapaz por pressão da família, até que finalmente criou coragem para sair do armário e se vestir como homem e tomar hormônios, então foi expulso de casa e passou a viver pelas ruas fazendo todo tipo de biscate para sobreviver, depois foi para as estradas trabalhando como chapa, um tipo de trabalhador freelance que ajuda caminhoneiros, conheceu pessoas que o ajudaram, com o tempo ele aprendeu a dirigir, mudou sua vida e há alguns anos finalmente conseguira comprar o seu próprio caminhão e encontrara uma mulher que apaixonou por ele e o esperava sempre que retornar de um flete.

Ele não era um homem bonito, mas também não era feio, um moreno por volta dos quarenta anos com uma simpática barba preta, muito convincente, se não tivesse me contado, eu não desconfiaria que não era um homem biológico. Ele se mostrou curioso, para saber a história da minha transição, eu disse que não gostava de falar sobre o assunto, ele disse que tudo bem muita gente não gosta de falar, mas disse conhecia várias garotas trans e eu era de longe a mais linda e convincente que ele já tinha encontrado. Eu agradeci meio sem jeito.

−Você começou a tomar hormônios desde novinha ne? –Quando mais jovem se começa a hormonização melhores são os resultados, você operou a na Tailândia?

−Como assim? Perguntei eu.

−Como sua roupa está transparente e não vejo volume, suponho que você seja operada, eu tenho uma amiga que fez a resignação na Tailândia, dizem que os médicos de lá são os melhores nesse tipo de cirurgia, ela ficou linda, porem você é ainda mais passável.

Eu não entendia muito o que ele falava, pois, minha transformação não tinha sido natural, ou artificial, sei lá acho que posso dizer que foi sobrenatural, fiquei encantada com sua história, é mesmo difícil entender por que algumas pessoas rejeitam o gênero de nascimento, mas agora compreendo que elas devem ser respeitadas, e me arrependi muito quanto lembrei que já tinha praticado bullying contra pessoas assim na escola, quanta ignorância! Teve de acontecer isso comigo para eu entende-las.

O Zé Maria tinha algumas roupas na boleia do caminhão, ele me deu uma calça, uma camisa e um par de botas, ficou até legal, depois de meses eu voltava a usar roupas masculinas.

Ele foi entregar a mercadoria, e eu o ajudei fazendo o papel de chapa, os caras da transportadora ficaram abobalhados quando me viram. Diziam –Aí sim Zé Maria! Esse é o chapa mais bonito que já apareceu até por aqui! Ele sorria e u ficava sem graça, mas acabei me divertindo com a situação. Amarrei a camisa na cintura para ficar mais feminina, aí começaram a assoviar, fiquei com um pouco de vergonha, mas aprendera a gostar de ser uma garota sexy, aquilo já era natural para, mim, fiquei pensando em como estaria Aline tendo que se conformar em ficar no meu corpo, mas eu não iria voltar tão cedo, temia que ela me entregasse novamente para o pastor e aos seus seguidores, sei lá o que aquele tipo seria capaz de fazer para tirar mais grana do Roberto.

Ele conseguiu outro flete para uma cidade da região e eu fui com ele, começamos a viajar pelo interior de São Paulo, não longo de estradas sinuosas o meu novo amigo me ajudou, a esquecer um pouco o drama que estava vivendo, o rancor da minha irmã, o afastamento do Denis e a fuga, dormíamos nos postos de caminhoneiros, foi uma época legal, mas chegou a hora dele voltar para a capital, sentia muita saudade da esposa. Ele me perguntou se eu queria ir com ele, seria bem vida em sua casa pois sua companheira sempre lhe dava apoio, principalmente quando ele decidia ajudar alguém que precisava. Eu tive vontade de aceitar, mas ainda não me sentia pronta, queria ficar longe dos lugares em que tudo aconteceu.

Meu amigo antes de seguir viagem, me deu algum dinheiro, eu quis recusar, mas ele disse que era por meu trabalho, eu fui o melhor chapa que ele teve, também me deu mais uma quantia dizendo que era para eu comprar um vestido bem bonito pois eu ficava muito melhor −vestida de menina, eu sorri e agradeci, então nos despedimos, ficando com um aperto no coração quando o vi dando partida no caminhão e sumindo na estrada.

Eu estava novamente sozinha e em uma cidade que não conhecia ninguém, teria que me acostumar a viver, pois estava em um corpo feminino e a vida costuma ser mais difícil para uma mulher sozinha, principalmente estando com pouco dinheiro e sem documentos.

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