Capítulo 24 Últimos preparativos

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− Deixa para lá Madá, tudo que me interessa agora é definir o que serei pelo resto da vida, principalmente por causa de minha irmã, agora sei o quanto a amo e vela feliz vai compensar a minha frustração.

−Com ou sem frustrações dia chegou, eu levanto vou tomar um banho, a agua está deliciosa como nunca, havia me acostumando a passar o chuveirinho na vagina, isso é bom! Mas uma vantagem de ser mulher, termino o banho, me olho no espelho, novamente sinto angustia pelo que irá acontecer, não é uma sensação agradável, mas preciso fazer a coisa certa desta vez. Eu me seco visto uma roupa e vou tomar o café com meus pais, Aline e Madalena. Mamãe está muito feliz com os filhos a sua volta, coisa que não teve por meses o prazer de servir o café aos filhos e ao marido, ele olha para mim como se percebesse a minha angustia. Claro, as mães percebem essas coisas melhor que ninguém. Ao contrário de mim Aline mostra entusiasmo, ela finalmente terá o seu corpo de volta, perfeitamente em forma para que ela...bem eu já me lamentei de mais, apensar de ter sido difícil passar essa experiência, ela teve seus lances legais. Talvez eu e Aline sejamos as únicas pessoas no mundo que tenha experimentado a vida em um corpo do genro oposto, claro tem muitos trans no mundo, mas nosso caso é diferente de tudo, a gente não optou pela transformação, que não foi gradual mas aconteceu em um passe de magia.

A região onde devíamos realizar a cerimônia ficava no Pico do Jaraguá, o lugar mais alto do Estado de São Paulo, sendo também um ponto de atração turística, onde as pessoas se aventuram em trilhas pelo que restou da mata atlântica, nessa área funciona um parque que recebe considerável fluxo de turistas, porém havia um problema a cerimônia precisa ser feita a noite e o acesso à região é vedada ao público depois do anoitecer. Eu preocupada questiono com Madalena.

−Como iremos fazer para entrar a noite nesse lugar, os guardas irão expulsar a gente, ainda mais se souberem que vamos fazer um ritual de magia?

−Não se preocupe Thiessa, eu tenho um amigo que nos ajudará, o pajé Juraci, ele está disposto a colaborar conosco.

−Pajé? Existem índios vivendo no Pico do Jaraguá?

−Sim existe uma tribo de índios que mora naquela região e estão lutando muito para manter a posse de suas terras que estão sendo questionadas na justiça por um político milionário. –Minha gente já passou algum tempo com eles e fiz amizade com todos inclusive o cacique e o pajé.

−Ainda bem que você é uma pessoa bem relacionada, eu nunca estive com uma tribo indígena, achava que nem existiam mais índios em São Paulo.

−Thiessa tem muitas coisas que você não sabe, acredito que se perguntar a sua irmã Aline, ela saberá contar sobre a história desse povo.

−Sim Madalena, Aline é muito mais antena que eu nestes aspectos, está sempre lendo e fazendo pesquisas na internet, eu sempre fui mais de praticar, esportes, por isso acho que teria sido um jogador de futebol de sucesso se não tivesse acontecido aquilo.

−Bem Thiessa vamos deixar esse assunto para depois, precisamos arrumar as coisas e esperar que o namorado da sua irmã venha para nos conduzir o local da cerimônia. –Você e Aline devem se banhar com as ervas que a gente comprou e vestir os trajes.

−De novo essa história de vestir roupa especifica para cerimonia, eu não tenho boas lembranças desse tipo de coisa.

De fato, apenas lembrar da primeira tentativa de reverter o feitiço já me dava calafrios, lembrei do pastor Abdias e sua trupe, eu nem se que imaginei que ele tinha morrido e eu colaborei com isso, logico sem querer, eu tive medo dele, porém não tive intenção de machuca-lo quando empurrei, mas foi insensatez dele ter ido tão longe na represa já que não sabia nadar. Pelo menos desta vez a cerimônia não envolvia agua.

−A gente vai até a bica d'água;

−Não Madá! Agua não, de novo tem que haver agua no meio?

−Ora Thiessa é a maneira que eu conheço para desfazer o encanto, além disso é apenas uma bica, não há como você matar ninguém afogado lá, se não está disposta, a gente deixa tudo como está.

−Já lhe disse vamos fazer esta cerimônia, foi apenas um questionamento, eu não posso mais manter essa situação, preciso agir para que Aline e eu possamos finalmente retomar os rumos de nossas vidas, já não tenho chances de me tornar um jogador, mas quem sabe depois eu possa cursar uma faculdade de educação física e me tornar um bom técnico, o Parreira nunca foi atleta profissional, mas se tornou um treinador renomado.

−Quem é esse?

Deixa para lá Madalena, eu estou preocupada apenas com a cerimônia, a gente precisa fazer tudo certo desta vez.

−Não me convence Thiessa, eu sei que não deseja fazer isso, está agindo por compaixão com do sofrimento da sua irmã. Pelo pouco que pude ver, ela não merece esse seu sacrifício.

−Pode ser Madá, mas eu não tenho mas para que insistir em permanecer no corpo dela por mais tempo, sendo a pessoa que eu desejava me rejeitou.

−Diga pra mim, você pensou mesmo em passar toda a vida neste corpo, amar um homem, quem sabe casar e ter filhos?

Essa pergunta é pertinente, me deixa ainda ansiosa, realmente eu cheguei a cogitar, não com o Yago e ter dez ou doze filhos, mas quem sabe com Denis ou alguém que me entendesse e visse em mim mais que uma boa foda.

− Mas agora pare de me perguntar este tipo de coisa Madá, não tenho respostas para isso, você me disse que pode reverter o encanto, então faça isso, depois eu verei o que será da minha vida.

O dia foi passando lentamente, como se o relógio estivesse girando mais lento, posso dizer que foi o dia mais longo de minha vida, fiquei olhando incessantemente para o relógio, tentei me distrair assistindo televisão, mas nada adianto, a minha mente vinha imagens do que poderia ser a cerimônia como num flashback daqueles que aparecem nos filmes, mostrando o passado ou o futuro dos personagens.

Aline por sua vez também se mantinha inquieta, ela me olhava como se me admirasse, imaginei que ela estava gostando de como trabalhei para deixar ela mais bonita, magra e sexy, ou talvez ela quisesse me dizer algo, mas não encontrava coragem. A gente se olhava, mas não trocava uma palavra. Eram momentos de verdadeira angustia, mas desta vez realmente acreditei que irá dar certo, afinal a cerimônia agora ficaria por conta de uma pessoa que se tornou minha amiga e confidente e não de um desconhecido.

Eu tinha amadurecido muito nesse período, acredito que Aline também tenha, embora menos que eu, porem ela com certeza tinha sofrido muito mais, estava privada de fazer tudo que sempre gostou e não se apegou a outra vida como eu fiz, eu entendo a posição dela de repente acordar trocada, talvez seja mais ou menos assim que as pessoas transexuais se sintam uma alma presa em um corpo que não reconhecem.

Mas agora, eu e minha irmã poderemos nos entender melhor, cada um sabe o dilema que é ser homem ou mulher, sabemos melhor do que qualquer pessoa, por isso considero ter sido ao menos proveitoso ter me hospedado esse tempo no corpo dela. Papai e mamãe saem para um compromisso social, ficamos apenas eu Madalena e Aline e lá estamos nós arrumando as coisas quando um carro encosta na frente de casa, imagino deva ser o Roberto para nos conduzir ao Pico do Jaraguá.

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