Epílogo

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A loja estava quieta, muito quieta. Os passos de Alisha ecoavam pela estrutura, que havia sido fechada, até que o testamento fosse executado e Alisha se tornasse, oficialmente, sua proprietária. Ela estava tranquila,, sabia que ninguém nunca descobriria o que aconteceu naquele pagode chinês de três andares.

As estátuetas e livros de receitas estavam empoeirados. Os ingredientes exóticos para alimentos haviam sido congelados para retardar o apodrecimento. Sem o chinês, aquele lugar parecia tão vazio.

Ela subiu as escadas, diretamente para o último andar, então, abriu a porta e entrou. Aquele pequeno cômodo possuía suas poltronas cobertas por plástico, enquanto o vitral circular estava descoberto. As grades, que formavam uma estrela de oito pontas, haviam dificultado o trabalho de por a lona, então, deixaram isso para lá, afinal, era apenas uma janela.

Se dirigiu até ela, olhando através do vidro. O dia estava lindo lá fora. As pessoas caminhavam tranquilamente pelas ruas históricas, alheias a grande quantidade de espíritos e magia que elas abrigavam. Ao longe, Alisha pôde ver a torre da igreja, o sino estava parado, esperando a hora de ser tocado.

Desceu para o segundo andar, aquele que Mingzhi usava como casa. Tudo estava coberto e a poeira dominava o cômodo do quarto, fazendo o nariz de Alisha coçar. Ela espirrou, fungando e olhando ao redor, percebeu que os porta retratos haviam sido deitados na cômoda. Na sala e na cozinha, todas as tomadas foram desligadas. Enquanto no banheiro, o fluxo de água fora bloqueado. Tudo isso para evitar que a conta de luz e água viesse cara demais.

Isso é ridículo.Pensou. Eu nem sei se vou ser dona desse lugar.

Então, cansada de olhar aquele lugar e lembrar-se dele, Alisha resolve ir embora, mas não antes de surrupiar do depósito uma pequena estatueta de um dragão branco e a esconder dentro da bolsa, que abrigava o bastão metálico e o Kniga.

Ela suspirou, saindo do pagode chinês e girando a chave na tranca três vezes, garantindo que estava muito bem trancada.

Respirou fundo, então, saiu andando pelas ruas. Caminhando. Pensando no que faria. Decidindo que entraria para as artes marciais, para nunca esquecer o que lhe foi ensinado pelos guerreiros. Lembrou-se de seus amigos de Daechya, então, sorriu tranquila.

Era verdade que havia gritado e xingado Heilos quando ele a empurrou da borda de Dunjoi, no entanto, entendeu o que ele fez assim que acordou. As descargas elétricas em seu corpo a trouxeram de volta a vida, fazendo-a acordar sobressalta e ser abraçada com força por Kauane e Sieron, enquanto Zithar e Nêmesis não desgrudaram mais dela. Obviamente, ela reclamou do ferimento do punhal de Skure, mas a magia - que havia voltado a seu corpo, graças ao fato de Raniel ter arrancado sua pele nos lugares dos símbolos, e a curado - evitava que ela sentisse muitas fores ao caminhar ou fazer qualquer outra atividade.

Suspirou. Ainda estava um pouco frustrada por não ter notícias de Heilos, mas algo nela fazia com que se sentisse totalmente tranquila em relação a isso. Sem falar que o peso e a queimação que o poder da grande serpente causava em seu corpo, havia desaparecido totalmente.

Ela saiu de seus devaneios e percebeu que havia parado em frente a uma casa, observando sua fachada azul celeste e entradas trancadas, então, sorriu. Era como se seu subconsciente soubesse exatamente o que ela queria fazer, agora que estava com os poderes e a magia de volta.

— Senhora  Mullins?

Alisha se viu obrigada a usar seu dom, fechando os olhos, podendo ver além do que estava a sua frente. Era como se até a própria casa possuísse um espírito. Mesmo de olhos fechados, ela podia ver a casa claramente, então, a porta se abriu, revelando a senhora de vestido florido e cabelo grisalho curto.

— Alisha. — ela diz, sorrindo e se dirigindo vagarosa até a mais nova. — Há quanto tempo, minha querida. Não sabe o quanto fiquei preocupada, principalmente quando não parecia me ver.

— É muito bom ver a senhora de novo. Sinto muito por a preocupar, tive problemas com meu dom após a morte do Senhor Mingzhi. — ela engoliu em seco, permitindo que lágrimas, que fundiam alegria e tristeza, molhassem sem rosto.

— Eu sinto muito. — Mullins abraça Alisha, acariciando suas costas e afagando seu cabelo, como uma avó cuidando de sua neta. — Mingzhi era um homem tão bom. Espero que esteja em paz.

Alisha não pôde deixar de sorrir ao lembrar-se de que, após desaparecer, uma estrela brilhante apareceu no céu, visível para todos, principalmente para ela. Nenhuma luz da cidade e nenhuma nuvem de poluição foi capaz de ofuscar seu brilho. Foi então que ela soube, era Mingzhi Gulao cuidando dela.

— Sim, ele está. — ela pôde dizer com convicção, então, abraçou Mullins de volta. — E agora é a sua vez.

A mais velha pareceu surpresa, mas não ousou falar nada quando seu corpo começou a brilhar. Alisha havia finalmente aceitado seu dom e agora, estava fazendo o que Mingzhi a pedia para fazer há muito tempo.

— Espero que encontre seu marido... Adeus, senhora Mullins.

Sentindo a libertação, Mullins sorriu aberto, com os olhos repletos de lágrimas. Então, após sussurrar sua despedida e beijar a testa da jovem, ela desapareceu, ascendendo ao céus, bem como ocorreu com o velho chinês.

***

Os portões de uma cela se abriram. Os guardas, trajando armaduras peculiares, arrastavam um corpo inerte, o jogando sem cuidado algum para dentro da cela. Palavras foram ditas, a cela foi trancada, a única coisa que havia era a voz de todos os prisioneiros juntos, cochichando sobre o novo companheiro de cela. Quando houve menção a alguém em específico, os olhos se abriram. Eram cor de magma, como os de uma certa serpente Kãneli com abas laterais. Então, as órbitas lentamente mudaram, assumindo cores diferentes: uma amarela, outra vermelha.

Daechya - A Crônica Do Kniga *Revisando*Onde histórias criam vida. Descubra agora