...Eu não conseguia respirar ou mesmo impedir que lágrimas deixassem meus olhos, não conseguia parar de pensar que aquilo era minha culpa.
Meus músculos não se mexiam, era como se eu não conseguisse sair do lugar, eu podia ouvir os gritos de horror da minha mãe ao presenciar aquela cena.
O homem que ela amou por tantos anos, enforcado naquela árvore, tão próximo e ainda assim tão distante, eu nunca desejaria passar por algo do tipo.
Meu coração latejava, minha cabeça estava explodindo, era meu pai ali, porque ele faria algo assim, o banco caído a seus pés, a corda envolta do seu pescoço, as marcas na árvore, tudo ali indicava suicídio e era culpa minha.
Meus olhos ardiam e eu sábia que se não fosse aquela sensação eu teria dessistido, teria pego a mesma corda e pulado da mesma árvore só pra poder estar com ele mais uma vez, mas aquela sensação me impedia, era como ter alguém segurando a minha vida, me impedindo de desistir.
Levantei com uma força que eu não sábia que tinha e caminhei a passos tortos até os braços de minha mãe e chorámos juntas.
Eu não me lembro o que aconteceu desde então, eu sentia meu corpo pesado e que minha mãe, aquela mulher pequena e frágil, não conseguiria sozinha me levar desacordada pra casa, mas foi exatamente isso que aconteceu, ao menos essa era a unica explicação plausível para eu ter acordado no meu quarto.
Lavei meu corpo e a todo momento eu esperava meu pai chegar em casa, como se o que aconteceu não passasse de um sonho ruim.
Andei pelo corredor e quando cheguei a sala vi minha mãe chorando sentada numa das poltronas, conversando com alguém que eu não reconhecia.
A mulher era diferente, tinha cabelos vermelhos e olhos verdes, a pele era clara, ela parecia uma boneca de porcelana.
- Você deve ser Soffia, me chamo Lilian. - a mulher estendeu a mão e tive uma sensação estranha, então não a cumprimentei.
- Sof.. - minha mãe soluçou e me aproximei dela. - Lilian esta ajudando com os preparativos para o enterro de seu pai.
Meu olhos marejaram com aquela frase, eu ainda tinha esperança de que o homem estivesse vivo, mesmo depois de ter visto o que vi.
Sai da casa correndo com as lágrimas deixando meus olhos, eu não sabia para onde estava indo, ouvia minha mãe gritando atrás de mim e mandei que me deixasse em paz.
Corri até meus músculos doerem, até que o fôlego me faltasse, até que o vento secasse as lágrimas que desciam pelo meu rosto e gritei, gritei com o homem que disse que nunca iria me abandonar, gritei com todo o ar que me restava, amaldiçoei a sua decisão egoísta de nos deixar pra trás e quando minha voz desapareceu olhei ao redor.
Eu estava no penhasco que ficava do outro lado da colina, perto de onde o meu pai havia tirado sua vida.
- porque fez isso pai? - perguntei ao céu, o lugar onde eu achava que um homem bom como ele iria. - porque nos deixou.
- eu sinto muito Sof. - sussurrou uma voz angústiada atrás de mim, uma voz que eu conhecia bem.
Me virei e corri para seus braços, nem eu mesma estava esperando essa reação, mas eu precisava de um abraço, do abraço do meu amigo, da sensação de segurança que ele poderia transmitir.
- ele se foi Marcos, se foi e nos deixou sozinhas. - afirmei a soluços com a cabeça encostada em seu peito.
O garoto de cabelos amarelos segurou meu queixo e me olhou nos olhos.
- você não esta sozinha meu anjo, eu estou aqui com você. Não vou deixar você. - afirmou.
Recostei-me a seu corpo novamente envolvendo sua cintura com meus braços e ele me abraçou me mantendo segura.
Minha árvore favorita agora era a última coisa que eu queria ver, eu jurei a mim mesma que jamais subiria em uma árvore outra vez.
Quando voltamos pra casa minha mãe se jogou em meus braços implorando que eu não desaparecesse de novo, que eu não a deixasse como ele deixou, pois eu era a única coisa real que ela tinha e não suportaria me perder também.
No outro dia pela manhã o vestido preto que estava sobre a poltrona próxima a janela me lembrou que os dias agora seriam muito mais escuros.
Lembrei da promessa que aquela voz havia me feito, de nunca mais me abandonar, nunca mais soltar minhas mãos, eu sabia que alguém cuidava de mim e agradecia por ter me impedido de ir atrás de meu pai, pois minha mãe precisava de mim.
- me ajude a cuidar dela. - pedi num sussurro e senti o calor familiar tocar meu rosto.
Todos os meus amigos estavam lá e vestiam preto, haviam muitos que eu não conhecia sobre a grama verde do cemitério ao redor do túmulo do homem que se impediu de viver.
Marcos estava quieto, o preto contrastava com seus cabelos amarelos e olhos azuis, ele envolveu meu braço no seu e caminhamos juntos, minha mãe andava lado a lado com Lilian e outras pessoas que eu não conhecia.
Tudo aconteceu muito rápido e eu me sentia anestesiada, o caixão descia a terra enquanto o padre terminava a oração, ouvi vozes falando uma linguagem estranha quando o primeiro maço de terra caiu cobrindo o túmulo.
- Deus, animae huius miserere, tuis pallio tegi, et in tabernacula tua recipi. Amen
Por um segundo eu desejei entender o que estava sendo dito, por um segundo eu queria poder ver aquele que estava sempre cuidando de mim.
...
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Anjo Meu
FantasyUm amor proibido, uma criança amaldiçoada e uma promessa. Quando um arcanjo se apaixona pela criação, algo extraordinário pode acontecer. Contando a história completa de Soffia.