Terceira.

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...

Eu congelei com a proposta e tudo que ela significava, Marcos era bom, inteligente, lindo e sempre esteve comigo e por mim, assim como pela minha família, mas não sabia se eu o amava, ou conseguiria amar qualquer garoto e ainda assim agir como esposa, depois de tudo que havia me acontecido, então apenas fiquei parada, sem saber o que dizer, eu amava o garoto de cabelos amarelos só não sabia como reagir aquele pedido.

No momento minha mãe era minha única preocupação e eu não queria ficar sozinha no mundo se ela me deixasse, só a ideia de que aquilo poderia acontecer trouxe lágrimas a meus olhos e Marcos se prontificou a enxuga-las.

- Não precisa falar nada agora, deixemos o tempo passar, mas saiba Soffia que eu vou sempre amar e cuidar de você, vou estar aqui por você mesmo se não me quiser. - repetiu.

Marcos deixou um beijo na minha testa e foi embora me deixando com meus pensamentos.

Por um momento voltei a floresta, aquele dia em que nos beijamos e lembrei de como tudo era perfeito, com meu pai e minha mãe juntos cuidando de mim, então desabei, cai de joelhos ao lado do sofá da sala, recostei minha cabeça no mesmo e comecei a chorar, eu tinha alguma noção de que tudo aquilo era minha culpa de algum jeito.

Porque eu demorei pra voltar pra casa e vim sozinha e então tudo aconteceu e eu ja não conseguia mais respirar direito, tudo começou a desabar e eu não me sentia forte o suficiente, não me sentia capaz e eu chorei, chorei porque não havia nada que eu pudesse fazer pra mudar aquela situação.

"Soffia, você é mais forte do que pensa, por favor não chore mais, não suporto ver você sofrendo." - falou aquela voz que vivia na minha cabeça como uma consciência.

- você não pode me ver sofrer? - falei em voz alta comigo mesma, enxugando as lágrimas. - você disse que estaria comigo, que eu não precisava mais me preocupar porque você estava aqui. - solucei ficando de pé, uma raiva descomunal tomou meu corpo, eu não sabia porque tudo tinha que ser tirado de mim daquela forma, eu ja não sofri o suficiente? - então me diz... Me diz onde você estava quando ele morreu? Onde você estava quando ela ficou doente? Onde você esta agora? - gritei, meus pulmões queimavam. - não importa o que diga, você é só uma voz na minha cabeça.

Enxugei as lágrimas que continuavam a cair e dexei a sala indo a meu quarto, um vento frio passou por mim pelo corredor e abracei meu corpo buscando calor.

Marcos continuava na minha cabeça, eu tentava entender o que sentia por ele antes de tudo ter acontecido.

Nós costumávamos subir em árvores, nadar no lago, ir e voltar da escola juntos carregando flores de todas as cores, costumávamos colorir o mundo com nossas risadas e perseguir borboletas nos jardins.

Agora eu nem sei mais quem eu sou, o que o mundo fez comigo matou aquela garotinha inocente, poluiu a água do lago, deixou escura as ruas em que andei e matou a árvore que eu costumava amar.

Como eu poderia prender um garoto tão bondoso e gentil a alguem com o coração estilhaçado como eu?

Foi com esse pensamento que adormeci e tive um dos sonhos mais lindos que minha mente poderia ter criado.

Meu pai estava vivo e nada de ruim havia acontecido, haviam mais duas pessoas no sonho que não consegui reconhecer, uma delas segurava uma criança no colo, a outra brilhava ao lado deles e sorria como se aquele fosse o melhor dia de sua vida, estávamos todos em baixo da árvore, fazíamos uma refeição ao ar livre, Marcos estava lá, era lindo ver como todos sorriam, havia um anel em meu dedo anelar direito, aquele era um mundo onde não existia o mal e eu poderia ficar nele para sempre, Marcos sentou ao meu lado e me beijou e não havia más intenções e era bom, mas os sonhos uma hora terminam e foi isso que aconteu.

Levantei um pouco atordoada olhando ao redor, me lembrei de um dia quando acordei no meio da noite e lindos olhos verdes me observavam, aquela noite era como se aqueles olhos estivessem chorando.

- Soffia!? - ouvi o grito de minha mãe e corri para o quarto dela, podia ouvi as tosses pelo caminho e quando cheguei ela mal respirava.

- Mãe, calma, por favor, tenta respirar. - pedi em desespero, lágrimas ja deixavam os meus olhos, meu coração batia acelerado enquanto a mulher tossia uma massa sangrenta para fora de seu corpo, puxando o ar como se estivesse se afogando.

- mãe, por favor, respira. - segurei a mão dela com força e respirei fundo e depois inspirei, demontrando como queria que ela fizesse.

- Soffia. - ela respirou fundo e disse entre um tosse e outra segurando firme em minha mão, então começou a tossir novamente.

- não tente falar, só respire certo, só respira mãe, vou pegar água pra você. - disse e tentei me levantar mas a mulher não deixou, segurando firme em minha mão e fazendo que não com a cabeça enquanto tentava se controlar.

Então ela respirou fundo e a tosse cessou, ela olhou além de mim e sorriu, mas não havia nada lá.

- minha filha. - disse ela, a tosse parecia ter desaparecido. - eu não tenho muito tempo.

- não mãe, você tem todo tempo do mundo, eu... Eu vou cuidar da senhora e a senhora vai ficar bem. - falei e mais lágrimas deixaram os meus olhos.

- Shhh... Soffia, você vai ficar bem, eu preciso dizer algo. - ela tossiu novamente, mas logo controlou a tosse.

- por favor mãe... Eu...

- eu preciso falar meu bem. - disse soltando minhas mãos e segurando meu rosto com uma das suas. - você foi o melhor presente que poderiam ter me dado Sof. Mas você não é minha e precisa saber disso e ser forte pra passar por todas as provações em seu caminho e mostrar pra eles que o diferente pode ser bom se apenas acreditarem nisso.

- como assim, mãe? Do que esta falando? Quem são eles? - perguntei sem entender. - porque esta falando essas coisas agora?

- eu não tenho mais tempo e você precisa fugir deles, entendeu Soffia? - ela tossiu novamente dessa vez ainda pior que antes e tomou fôlego como se alguem a estivesse ajudando a respirar. - não deixe que eles tomem você, Soffia eu... - e novamente outra crise de tosse.

- por favor mãe, tente não falar, não me deixe aqui sozinha, por favor. - havia uma represa dentro de mim e suas barreiras haviam sido destruídas, suas águas lavavam meu rosto como grandes cachoeiras.

- Eu não sou sua mãe Sof. - disse a mulher que me criou por quatorze anos, com lágrimas nos olhos, enquanto segurava firme as minhas mãos e então ela olhou novamente além de mim. - Obrigado por ter vindo, cuide bem da minha menina. - falou e sorriou e não respirou mais.

- mãe.. mãe por favor acorda... mãe... - eu não conseguia entender porque aquilo estava acontecendo comigo, eu não conseguia entender porque eu tinha que ficar sozinha, porque minha mãe não queria acordar, porque todos me deixavam? - mãe... Por favor...

Eu não conseguia respirar, meu coração havia parado de bater junto ao dela, meu olhos ardiam como se não houvessem mais lágrimas para chorar, entrei em desespero, minha vida não tinha mais sentido e fleches das lembranças da minha mãe e do meu pai invadiam a minha cabeça e tudo se repetia um milhão de vezes enquanto eles morriam de novo e de novo esmagando meu coração.

- NÃO... - gritei com toda a força que ainda tinha em meus pulmões, gritei pra que qualquer um ouvisse ou mesmo para que Deus ouvisse, gritei a raiva que havia tomado conta de meu corpo. - O QUE EU FIZ A VOCÊS? PORQUE TIRARAM MEU PAIS DE MIM? PORQUE TIRARAM TUDO O QUE EU TINHA? PORQUE... O QUE FIZ DE ERRADO? O que eu... Porque? Porque não quer que eu seja feliz? Porque...

Eu perdi toda a força que eu tinha, junto com a única esperança que me restava e todo o quarto começou a escurecer enquanto minha mente girava em circulos sem sair do lugar, senti o impacto do chão sob meu corpo e vi os olhos verdes também inundados com lágrimas brilhantes, antes de o mundo perder toda sua cor por completo.

...

Anjo MeuOnde histórias criam vida. Descubra agora