• Vencedor do Wattys na Categoria de FICÇÃO CIENTÍFICA 2019 •
"Após a Grande Guerra, não ficou nada mais do que restos do que outrora formou as nações. Sobraram apenas pessoas quebradas, outras doentes, outras
loucas; lugares sujos e sem vida; u...
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Como seria de esperar na linha de evolução de uma sociedade humana, decaem sempre níveis que separam os mais pobres dos mais ricos. A utopia de que é possível todos terem os mesmos direitos e oportunidades não passa disso mesmo – uma utopia. Talvez se não tivesse passado pelo que passei, se já não tivesse visto o que vi poderia acreditar nesse ideal. Contudo, acontece-me o oposto.
No meio de uma multidão adornada com as melhores jóias e relíquias de outros tempos, com os seus vestidos pomposos e os seus copos finos com bebidas caras, não consigo deixar de me sentir revoltada. Observo todo e qualquer rosto, a tentar perceber se eles agem assim porque realmente são assim, apedrejados de ignorância, ou se não passa de uma farsa tal como nós. Há tanta fome em redor das fronteiras e aqui há comida a mais. Questiono-me se sou a única que pensa desta forma.
Kai encontra-se ao meu lado, rígido. O seu olhar atento a qualquer indivíduo que se movimente. Ele não liga nem um pouco a todo o luxo exagerado que nos rodeia, o que me leva a crer que ou ele realmente não se importa com isso e não é impressionável ou então está habituado a estes círculos. Pela postura que assume, muito semelhante à que identifiquei em Annaleah mais cedo, opto pela segunda opção.
Durante o meu treino no Quartel, também houve ocasiões em que tive de atender a festas assim, com um único propósito: mostrar-nos como a próxima geração que manteria a nossa população segura. No entanto, nunca atendi a nenhuma que tivesse tanta pompa e luxo e desperdício. Que fantochada. Os meus olhos circundam mais uma vez a sala. Este grupo de pessoas não merece estar segura.
– Consegues vê-lo? – Annaleah pergunta.
Kai abana a cabeça. – Talvez ainda não tenha chegado. Já sabes como ele é.
Antes de conseguir controlar a minha curiosidade, inquiro: – De onde o conhecem ao certo?
O rapaz responde-me num suspiro. – Vamos dizer que já fizemos parte das crenças dele e de todos os resistentes.
Apesar de já desconfiar, a surpresa toma conta do meu corpo. Eles fizeram parte da Resistência. Agora, tudo faz sentido.
– Porque não me disseram antes que fazem parte deles?
– Fizemos – Annaleah corrige-me. – Há mais de um ano que deixámos tudo isso para trás.
– Qual foi o motivo?
Kai desvia a sua atenção para mim, durante instantes. No seu olhar, não percebo o que vejo. Será tristeza, raiva? Com ele é impossível saber.
– Rick cresceu connosco num mundo onde tudo o que nos foi ensinado foi o ódio pelo Estado. Quando deixámos de concordar com as medidas deles, viemo-nos embora. O Rick ficou.
Baixo o meu olhar. Não me arrependo da questão, mas arrependo-me do que provavelmente eles estão a sentir ao reviver tudo. Tudo o que sei da Resistência não me faz querer ser a melhor amiga deles, aliás se houvesse outra alternativa não estaria aqui. Mas há algo que não podemos negar: tudo o que eles fazem, fazem em prol do povo. Todos os seus ataques à Alta Sociedade, ao Presidente Ross em si. Sem eles, muito provavelmente, milhares teriam já perecido de fome ou por falta de outro recurso.