O som de palmas ecoa pela rua, agora calma. Giro sobre os meus próprios pés à procura da fonte de barulho. Pouco a pouco, a sombra começa a ganhar forma. Ainda a bater palmas, o rapaz pára a menos de dois metros de mim. Isso permite-me que o veja sem qualquer dificuldade.
Muito moreno, não muito alto, entroncado avança na minha direcção até me ser possível distinguir a cor da sua íris – verde, já agora.
– Portanto esta é a vossa arma secreta? Ela está toda destruída e só lutou com dois kakois.
O seu tom de troça irrita-me. Os meus punhos cerram enquanto me obrigo a manter a calma. Segundos depois, Rick aparece no meu campo de visão, por trás do rapaz desconhecido, denunciando que é a ele a quem se dirige. Espero pelo momento em que Rick me defende, que diz algo que levante a minha primeira imagem já definida pelo inconveniente do rapaz, no entanto nem uma palavra sai da boca dele. Junta-se a nós, silenciosamente. Não preciso de mais nenhuma confirmação em como Rick não confia em mim. Bem, quem o condena?
– Imogen! – As mãos de Annaleah estão em mim em segundos. – Estás com dor? Estás bem?
Assinto apenas.
Kai chega instantes depois. O seu lábio está a sangrar e tem a t-shirt rasgada no peito, permitindo um pequeno vislumbre do seu tronco nu e das tatuagens que o cobrem.
– Tu não pareces muito assustadora – o rapaz inconveniente continua.
– E tu quem és? – Indago.
– Theo – é Rick quem responde. –, o meu braço direito. Quando não estou presente é ele quem está no comando.
Olho bem para o rapaz. Parece mais novo do que eu alguns anos, embora barba cubra o seu maxilar. Toda a sua postura é jovem. Não que Rick seja velho, deve andar na casa dos vinte e cinco. Mas a Theo não lhe dou mais de dezoito anos. Apesar disso toda a sua fisionomia é espectacular. O corpo está em forma e ele não parece sequer cansado de tudo o que aconteceu.
– Imogen – digo, mas ele já o sabe. – E estes são a Annaleah e o Kai.
Theo observa os meus companheiros fugazmente, voltando novamente a mim. – Porque é que todos os kakois têm esses olhos?
A pergunta apanha-me de surpresa. Aliás, todos nos sentimos assim. É sabido que todos os kakois têm os olhos escuros. Acredito que tanto Annaleah como Kai já se devem ter debatido sobre isso, isto se não souberem a razão, mas nunca trouxeram o assunto ao de cima. Perscruto Kai sobre o meu ombro, ainda com a espada na sua mão. A peculiaridade dele é intrigante, embora eu saiba que ele não é um kakoi. Perco-me naqueles olhos – um cinzento e outro negro – sem saber o que pensar. Talvez um dia, ele confie em mim o suficiente para me contar a história por detrás disso, se a souber.
– Perdemos a nossa íris com todas as experiências que fazem nos nossos corpos desde o dia um – o meu tom é seco. – Esse é o motivo porque geralmente só escolhem crianças com olhos escuros. O risco de cegueira é muito menor.
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Filhos das Ruínas
Science-Fiction• Vencedor do Wattys na Categoria de FICÇÃO CIENTÍFICA 2019 • "Após a Grande Guerra, não ficou nada mais do que restos do que outrora formou as nações. Sobraram apenas pessoas quebradas, outras doentes, outras loucas; lugares sujos e sem vida; u...